Acompanhamento Terapêutico e Depressão

RESUMO

Neste trabalho serão abordados os sintomas do Transtorno Depressivo Maior, segundo o DSM-IV-TR e as funções do Acompanhamento Terapêutico em sua atuação, seus desafios e dificuldades que passa. O tratamento pode ser positivo para os casos de depressão e ajudar os pacientes a voltarem a ter equilíbrio na sua vida cotidiana, utilizando para isso a rua e os ambientes de interesse do indivíduo como setting terapêutico, visando também, os benefícios e problemáticas trazidos para os seus familiares.

 Palavras-chave: Acompanhamento Terapêutico, depressão, Família.

1.INTRODUÇÃO

A depressão atinge hoje cerca de 121 milhões de pessoas em todo o mundo, sendo considerado um problema de saúde pública global, segundo a Organização Mundial da saúde (OMS). Se a incidência da depressão persistir, até 2020 será a segunda doença mais comum no mundo, ficando atrás apenas da isquemia cardíaca. Hoje a depressão está em quarto lugar nas doenças com maior ônus e, pela estatística isso tende a piorar (OMS). Os motivos principais que podem levar uma pessoa a depressão são muitos, estresse, substâncias lícitas ou ilícitas, medicamentos, doenças graves, causas genéticas, entre outras.

Segundo Onófrio (2012), o Acompanhamento Terapêutico (AT) tem como objetivo formar vínculo com o paciente, colaborando para que este fortaleça sua relação com o contexto social e usando os interesses e espaços de circulação (praça, shopping, casa, bares, cinema, teatro, hospital, etc.) do paciente, como um elo entre o mundo interno e externo para que isso o ajude a entender seu transtorno e reflita no seu tratamento.

O presente trabalho visa compreender as conseqüências da depressão no indivíduo e o papel do AT no Transtorno de Humor, utilizando para isso os critérios de depressão Maior do DSM-IV-TR (“Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders”) e artigos sobre Acompanhamento Terapêutico.

2. DESENVOLVIMENTO

2.1 História e Setting do Acompanhamento Terapêutico

O Acompanhamento Terapêutico teve início nos anos 1960, era visto como um auxiliar do psicoterapeuta e atuava com pacientes psiquiátricos hospitalizados como uma estratégia clínica utilizada dentro das instituições, para indivíduos com graves psicopatologias.

Mesmo depois do fim das Comunidades Terapêuticas, o AT continuou sendo solicitado por médico, psicólogos e familiares que acreditavam na eficiência deste trabalho. Desde seu surgimento, o AT teve como objetivo reintroduzir o paciente na sociedade e utilizar diferentes settings como clínica e ainda hoje é indicado não só para pacientes psiquiátricos graves, mas também para aqueles que mostram um maior comprometimento em realizar com autonomia suas atividades diárias (OLIVEIRA, 2010).

O AT usa como setting terapêutico a rua, buscando utilizar os espaços que mais interessam ao paciente como intervenção. O AT será de grande ajuda para o indivíduo em todas as suas atividades do cotidiano, como ir fazer compras, sair para passear e avaliando o paciente quanto sua condição de saúde.

Ao usar a rua como setting, conforme relatado por Pellicioli et al (1998) o profissional AT busca possibilitar ao paciente a tomada de uma outra integração possível no contexto social. Este tenta adaptar o paciente a sociedade em que vive explorando suas potencialidades transformadoras de uma situação de crise, a compreensão e intervenção na dinâmica familiar e na rede social. (ONÓFRIO, 2012).

Para exercer sua atividade, o Acompanhante Terapêutico baseia-se em escutar e compreender a demanda trazida para o paciente para delinear a abordagem mais adequada a ser realizada. A forma clínica utilizada por esse profissional será nas ruas ou na casa do indivíduo, intervindo no seu cotidiano e usando para isso as atividades de gosto do paciente como forma de criar vínculo e integrá-lo com sua família, para que estes possam participar de sua melhora, auxiliando nas intervenções.

Este trabalho também é visto como algo desafiador e difícil, pelo fato de o terapeuta muitas vezes precisar improvisar, por não estar em um setting tradicional e sim em um ambiente muitas vezes desconhecido ou com muitas pessoas ao redor (shopping, cinema, praças, etc.). Mesmo tendo um contrato com o paciente e com a família de como será conduzido o passeio, às vezes fatos inesperados podem acontecer e o AT terá o desafio de saber lidar em uma nova situação.

É importante salientar também que sempre que o AT sai para fazer um atendimento precisa ficar alguém de sobreaviso caso precise de ajuda. Muitas vezes o trabalho torna-se mais difícil, pois o profissional precisa lidar também com o sofrimento da família e com o desespero que o diagnóstico pode gerar, tendo que amparar os mesmo de forma a não tirar o foco do paciente ou encaminhando esses familiares para outros profissionais.

2.2 Depressão

O transtorno depressivo maior é caracterizado pelo humor depressivo, o que pode baixar a auto-estima do indivíduo, gerando mau humor, irritabilidade, crises de choro, desmotivação, tédio, podendo apresentar também alterações de sono e apetite, diminuição da libido, queixas somáticas, abandono de tarefas habituais e até mesmo ideação e comportamento suicida (FIGUEIREDO, 2000).

Segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV-TR), “um episódio depressivo caracteriza-se por pelo menos um ou mais Episódios Depressivos Maiores (duas semanas de humor deprimido ou perda de interesse, acompanhados por pelo menos quatro sintomas adicionais de depressão” (DSM-IV-TR, pg. 345).

Critérios para Episódio Depressivo Maior (DSM-IV-TR, pg. 354 e 355):

  1. No mínimo cinco dos seguintes sintomas estiveram presentes durando o mesmo período de 2 semanas e representam uma alteração a partir do funcionamento anterior; pelo menos um dos sintomas é (1) humor deprimido ou (2) perda do interesse ou prazer.

NOTA: Não incluir sintomas nitidamente devidos a uma condição média geral ou alucinações ou delírios incongruentes com o humor.

(1)          Humor deprimido na maior parte do dia, quase todos os dias, indicado por relato subjetivo (p. ex., sente-se triste ou vazio) ou observação feita por terceiros (p. ex., chora muito). NOTA: Em crianças e adolescentes, pode ser humor irritável.

(2)          Acentuada diminuição do interesse ou prazer em todas ou quase todas as atividades na maior parte do dia, quase todos os dias (indicado por relato subjetivo ou observação feita por terceiros)

(3)          Perda ou ganho significativo de peso sem estar em dieta (p. ex., mais de 5% do peso corporal em 1 mês), ou diminuição ou aumento do apetite quase todos os dias. NOTA: Em crianças, considerar incapacidade de apresentar os ganhos de peso esperados.

(4)          Insônia ou hipersonia quase todos os dias.

(5)          Agitação ou restado psicomotor quase todos os dias (observáveis por outros, não meramente sensações subjetivas de inquietação ou de estar mais lento)

(6)          Fadiga ou perda de energia quase todos os dias

(7)          Sentimento de inutilidade ou culpa excessiva ou inadequada (que pode se delirante), quase todos os dias (não meramente auto-recriminação ou culpa por estar doente)

(8)          Capacidade diminuída de pensar ou concentrar-se, quase todos os dias (por relato subjetivo ou observação feita por outros)

(9)          Pensamentos de morte recorrentes (não apenas medo de morrer), ideação suicida recorrente sem uma plano específico, tentativa de suicídio ou plano específico para cometer suicídio

  1. Os sintomas não satisfazem os critérios para um Episódio Misto.
  2. Os sintomas causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social ou ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo.
  3. Os sintomas não se devem aos efeitos fisiológicos diretos de uma substância (p. ex., droga de abuso ou medicamento) ou de uma condição médica geral (p. ex., hipotireoidismo)
  4. Os sintomas não são mais bem explicados por Luto, ou seja, após a perda de um entre querido, os sintomas persistem por mais de 2 meses ou são caracterizados por acentuado prejuízo funcional, preocupação mórbida com desvalia, ideação suicida, sintomas psicóticos ou retardo psicomotor.

2.3 AT

Mauer e Resnezky, (1987), apud Camargo, (2011), definiram as principais atividades do acompanhante terapêutico, lembrando que este não pode ser visto como um amigo do paciente e sim alguém que se torna muito próximo e íntimo do mesmo, mas com senso crítico para intervir na sua doença.

As principais funções são as seguintes:

1) conter o paciente;

2) oferecer-se como modelo de identificação;

3) trabalhar em um nível dramático vivencial e não interpretativo;

4) emprestar o “ego”;

5) perceber, reforçar e desenvolver a capacidade criativa do paciente;

6) informar sobre o mundo objetivo do paciente;

7) representar o terapeuta;

8) atuar como agente ressocializador;

9) servir como catalisador das relações familiares.

Os autores destacam também as características necessárias que o acompanhante terapêutico deve apresentar:

  • vocação para a assistência.
  • alto grau de comprometimento.
  • interesse por trabalhar em equipe.
  • maturidade.
  • autonomia.
  • capacidade de empatia e vínculo.
  • flexibilidade em estabelecer limites fortes.
  • capacidade de aliar a teoria com a prática.
  • ausência de preconceitos e estereótipos.

Para executar seu trabalho, o ideal é que o AT esteja em um ambiente privado, onde possa mantém a confiabilidade com seu paciente, de modo a auxiliá-lo em seus conflitos, tirar suas dúvidas, o que não impede o AT de exercer essas atividades em lugares públicos e acompanhar seu paciente em suas atividades, com o intuito de promover diálogo e ouvi-lo, buscando atividades que possam motivá-lo e possam aumentar sua auto-estima e retomar o equilíbrio da vida do indivíduo.

O papel do AT é ajudar o paciente a entender sua situação e para isso tentar mudar seu quadro em busca de melhor qualidade de vida, proporcionar autonomia para o indivíduo e que este possa voltar a atuar no meio social de forma criativa e protagonista, sabendo lidar com suas dificuldades (CAMARGO E NETO, 2011).

Ao começar um trabalho de Acompanhante Terapêutico com um paciente, deve-se sempre levar em conta o grupo familiar que está por trás dele, pois o trabalho sempre inicia dentro de um contexto de intenso sofrimento por parte do paciente e de sua família. O AT gera na família um sentimento de ambivalência, onde ao mesmo tempo em que causa o alívio da angústia vivida gera uma dificuldade em aceitar uma pessoa de fora na dinâmica familiar. (ONÓFRIO, 2012).

A relação do AT com a família é de extrema importância para o tratamento, pois, a maior parte do setting terapêutico com os pacientes depressivos pode se dar dentro do lar do mesmo, onde o AT conviverá diariamente com a rotina e intimidade da família, que além de estar desestruturada pelo problema enfrentado ainda terá que lidar com um estranho dentro de casa. O AT precisa firmar um contrato com a família para que fique claro seu papel, para que suas funções não se confundam e para que a família entenda que também terá que fazer sua parte para a melhora do paciente.

3. CONCLUSÃO

O Acompanhamento Terapêutico pode ser um meio bastante efetivo para melhorar a qualidade de vida dos pacientes com depressão, pois foge do setting tradicional da clínica, utilizando para o tratamento atividades de interesse do indivíduo, motivando-o a retomar sua rotina de uma forma diferente, não apenas com intervenções clínicas, mas estando junto ao paciente nas retomadas à suas tarefas, encorajando-o a voltar a ter equilíbrio emocional e a uma vida mais satisfatória.

REFERÊNCIAS

  • AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. DSM-IV-TR  – Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. Trad. Cláudia Dornelles; – 4ª Ed. Ver. – Porto Alegre: Artmed, 2002.
  • CAMARGO, Luiza Nestrovski e NETO, Eurico Camargo.    O Acompanhamento Terapêutico do paciente com depressão. Artigo de Conclusão do “Curso de Capacitação em Acompanhante Terapêutico” da Comunidade Terapêutica D. W. Winnicott (CTW) de Porto Alegre, RS, Brasil, 2011.
  • FIGUEIREDO, Maria Silvia Lopes. Transtornos ansiosos e transtornos depressivos – aspectos diagnósticos. Rev. SPAGESP v.1 n.1 Ribeirão Preto,  2000.
  • OLIVEIRA, Renata Luder Antunes. Setting no Acompanhamento Terapêutico. São Paulo, 2011
  • ONÓFRIO, Isadora Pellegrini. O trabalho clínico do AT: perfil, dificuldades e convívio com os familiares. Artigo de Conclusão do “Curso de Capacitação em Acompanhante Terapêutico” da Comunidade Terapêutica D. W. Winnicott (CTW) de Porto Alegre, RS, Brasil, 2012. Disponível em: https://siteat.net/isadora/ Acessado em 01/06/13.
  • ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE. Relatório sobre a saúde no mundo 2001: saúde mental: nova concepção, nova esperança: Geneva. (CH): MS; 2001.

Autora

Gabriela Silva Viana – Acadêmica de Psicologia (PUCRS). Formada no “Curso de Capacitação em Acompanhamento Terapêutico” da CTDW. E-mail: [email protected].

Tags:

One thought on “Acompanhamento Terapêutico e Depressão”

Deixe uma resposta para Luiz VianaCancelar resposta