Acompanhante Terapêutico Como Facilitador No Processo de Inclusão Social

Resumo: o presente artigo buscou traçar aspectos que auxiliam pacientes em sofrimento psíquico em sua inclusão social, elencado características que contribuem para que este processo seja possível, o papel do acompanhante terapêutico tem destaque especial, uma vez que este profissional transita pelos extra muros institucionais, interagindo em espaços do cotidiano do sujeito proporcionando continuidade ao processo terapêutico, para além do setting tradicional. A contribuição da psicanálise para explicar a construção da estrutura psicótica nos proporcionou um conhecimento fortuito, delineando assim a função do at como ego auxiliar neste tipo de intervenção.

Palavras chaves: Acompanhamento Terapêutico, Inclusão Social, Psicanálise.

Acompanhante Terapêutico (AT) como facilitador no processo de inclusão social

INTRODUÇÃO

O presente artigo buscou delinear através de pesquisa bibliográfica o trabalho do acompanhante terapêutico no processo de reinserção social de indivíduos acometidos de transtornos mentais e/ou sofrimento psíquico, tendo como objetivo promover a autonomia destes pacientes, buscando exercer sua práxis como facilitador do processo, ajudando a romper com os estigmas relacionados à doença mental ainda muito arraigados em nossa sociedade, proporcionando uma vida com maior equidade a estas pessoas, respeitando seus limites, mas promovendo a ressocialização.

No entanto percebe-se uma demanda crescente destes profissionais os quais vêm ampliando seu campo de trabalho e ganhando maior espaço e visibilidade em sua prática. A Reforma psiquiátrica favoreceu o fortalecimento desta categoria, visando um tratamento humanizado nos extra muros dos hospitais psiquiátricos, contribuindo assim para a expansão do Acompanhamento Terapêutico.

BREVE HISTÓRICO DA REFORMA PSIQUIÁTRICA E O PAPEL DO AT COMO FACILITADOR DA INCLUSÃO SOCIAL.

A reforma psiquiátrica foi um movimento de mudanças políticas e sociais que ocorreu concomitantemente a uma revolução tecnológica que incumbiu uma série de progressos na saúde, como o desenvolvimento avançado de antibióticos e psicofármacos o que veio a acarretar uma mudança no perfil epidemiológico dos usuários do sistema de saúde. Esse movimento veio responder a temática existente de humanização e desinstitucionalização dos hospitais psiquiátricos o que gerou uma série de mudanças estruturais no sistema de saúde mental.

No Rio grande do Sul na década de 60, o Hospital São Pedro localizado na capital do estado, inicia o processo gradual da Reforma Psiquiátrica. Confabula-se então formas de reinserção e readaptação dos indivíduos dentro do contexto sócio-cultural. Organiza-se a socioterapia, aumenta-se o número de atendimentos realizados por equipes multidisciplinares, desempenha-se a atenção especializada em saúde mental, que conta com serviços ambulatoriais especializados, instala-se CAPS- Centros de Atenção Psicossociais, hospitais-dia, (representando um recurso intermediário entre a internação e os ambulatórios), emergências em saúde mental, leitos e unidades psiquiátricas em hospitais gerais e, por fim, os serviços de acompanhantes terapêuticos temporários (ATs).

O Acompanhamento Terapêutico inicialmente era voltado ao atendimento de pacientes psicóticos, mas percebeu-se o beneficio que esta prática poderia vir a contribuir para outras pessoas que de alguma forma possuíam prejuízo na interação social (VERISSIMO, 2010 apud RODRIGUES, 2010), marcando assim a expansão do fazer AT, para outras áreas além da saúde mental. Segundo Simões (2005, apud RODRIGUES, 2010) o Acompanhamento Terapêutico expandiu- se do setor privado para o público. Desta forma podendo abarcar uma gama maior de pessoas que beneficiariam- se do auxilio deste profissional, atendendo uma diversidade de casos, tais como pacientes com doenças orgânicas, doenças físicas, idosos, toxicomania entre outros.

O fazer do at, perpassa os muros das instituições, ganhando as ruas, desta forma produz uma prática voltada para a ressocialização do sujeito, o qual muitas vezes se vê oprimido pelos discursos sociais sobre a loucura. Busca-se promover autonomia destes pacientes, para que ele possa integrar-se a condição de vida em sociedade. O acompanhante terapêutico atua como ego auxiliar potencializando a apropriação do próprio eu do acompanhado. Segundo Pitiá (2002, apud PITIÁ, 2004) o at tem sua prática como dispositivo terapêutico anti- segregação, como forma de minimizar a estigmatização destes sujeitos, possibilitando empoderamento e consecutiva autonomia dos mesmos. Desta forma o acompanhamento como realibilitação psicossocial vem ao encontro de uma relação singular, compartilhando sentimentos, angustias e o sofrimento do acompanhado (LINS; OLIVEIRA;COUTINHO, 2009 apud VALLADÃO, 2010 et al).

Com o Acompanhamento Terapêutico pretende-se resgatar o sujeito, este em seu enclausuramento seja em ambiente institucional ou em sua residência, auxiliando- o no processo de resiginificação. O at como dispositivo da Reforma Psiquiátrica vem ao encontro da desinstitucionalização da loucura, dando um novo olhar para aqueles sujeitos estigmatizados (CABRAL, 2005).

A pratica do at, deve vir alicerçada em um saber desprovido de preconceitos e verdades pré-estabelecidas a respeito da doença mental, tendo a sensibilidade de lidar com estes pacientes sem julgamento de suas limitações, vendo o sujeito como um ser total, integrado o qual busca auxilio e acima de tudo compreensão naquele momento. O diagnostico é parte integrante para o entendimento do funcionamento do paciente em questão, mas não a única ferramenta a ser levada em conta, a singularidade e a subjetividade é algo essencial para que o processo possa ter resultados frutíferos, possibilitando assim uma vinculação ao acompanhamento e maior engajamento ao processo.

Varella (et al, 2006) traz que acompanhar é trabalhar em rede, ou seja, esta prática ocorre em uma perspectiva multidisciplinar, pois muitas vezes o acompanhamento é realizado por indicação de um  profissional de saúde que atende aquele sujeito e percebe o benéfico que pode acarretar a ele. Sendo uma forma de desenvolver as potencialidades e estimular áreas comprometidas daquele paciente. O engajamento da família se faz necessário para melhores resultados do tratamento, uma vez que o at ira percorrer territórios não vislumbrados pelo profissional de saúde, a casa do acompanhado.

Com a ampliação do setting, peculiar ao Acompanhamento Terapêutico abre- se possibilidades de desmistificação da doença mental colocando em pauta a viabilidade de tratamento e a interação social destes pacientes fora de ambientes institucionalizados, uma vez que faz- se necessário uma mudança de paradigma quanto à visão da loucura, sendo esta percebida não mais como algo ameaçador ou incapacitante, resignificando este pensamento podemos investir no potencial destes indivíduos indo assim ao encontro da inclusão dos mesmos no meio social.

Para Pitiá e Santos (2006 apud AZEVEDO;DIMENSTEIN, 2008) o trabalho do at opera na (re)colocação do sujeito na realidade urbana, onde abre-se possibilidades de articulação com o social, contando com saídas pela cidade em lugares desconhecidos pelo paciente, o tirando do ciclo vicioso, do habitual, proporcionando a conexão do individuo a sua organização psíquica e concomitantemente a dinâmica social.

ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO: UM OLHAR PSICANALÍTICO SOBRE A PSICOSE

O Acompanhamento Terapêutico visa a apropriação dos espaços públicos e do cotidiano em que o sujeito está inserido tornando-os ferramentas para o progresso terapêutico, esta ampliação possibilita dar conta de múltiplos fatores que encontram- se fora do setting tradicional, tornando- se assim um processo mais dinâmico dando continuidade e apoio ao tratamento. De acordo com Carrozzo (2001 apud QUAGLIATTO; SANTOS, 2004) a psicose demanda a abordagem de uma rede de atendimento, esta composta por vários profissionais da área da saúde (Psiquiatra, psicanalista, remédio, terapeutas de hospital- dia) e o acompanhante terapêutico, pois este, transitando por espaços particulares da vida do sujeito corrobora terapeuticamente.

A inclusão deste profissional segundo Quagliatto e Santos (2004) deve-se entre outros fatores, ao desgaste da família frente à patologia, uma vez que esta já não disponibiliza de recursos psíquicos e afetivos para auxiliar na contenção da desorganização mental do paciente, o at atua nos espaços da vida do acompanhado também em momentos de crise, auxiliando no que a família não mais consegue suportar.

Mayer e Resnizky (1987 apud QUAGLIATTO; SANTOS, 2004), traçaram funções desempenhadas pelos acompanhantes terapêuticos, tendo estes profissionais que conter as angústias do paciente nos momentos de crise; servir como modelo de identificação ao acompanhado; atuar como ego auxiliar do paciente; ter especial atenção as dificuldades e limitações expressas; auxiliar no desenvolvimento da potencialidade criativa.

O at atua também como agente facilitador na ressocialização e catalisador das relações familiares que muitas vezes encontram-se prejudicadas pela crise psicótica. Diante da perspectiva da teoria psicanalítica partimos do pressuposto que o paciente nestas condições não possui funções egóicas suficientes que dêem conta da demanda da realidade externa, estando estas comprometidas por uma estruturação psicótica e muitas vezes alheia a realidade. Estes pacientes necessitam de um ego auxiliar que indique o caminho, auxiliando- os em tarefas básicas como tomar banho, escovar os dentes, tidas como simples no cotidiano.

No texto neurose e psicose (1924 [1923]) Freud postula que a psicose é resultado do conflito psíquico do eu (ego) com a realidade externa, a principal defesa desta estrutura é a clivagem, ou seja, a cisão do ego, havendo um abandono do realidade externa entregando-se  ao mundo pulsional regido pelo Id. Ocorre um afastamento da consciência devido a um elevado quantun de frustração que o sujeito foi exposto, sendo ela originada por tensões internas e externas potencialmente intensas, levando o individuo a construir uma realidade a parte, negando o mundo exterior.

O AT em sua prática auxilia o ego do acompanhado a suportar as demandas do mundo externo, este profissional empresta o seu ego para auxiliar no processo de integração do eu do paciente buscando assim o contato com a realidade, auxiliando-o a realizar tarefas necessárias a vida em sociedade e quando o Ego esta muito fragmentado e submerso em seu próprio mundo, o at atua com o papel de facilitador até mesmo em atividades referentes a  auto- conservação do paciente (tomar banho, alimentar-se…).

O acompanhante busca trazer o indivíduo para a realidade fazendo concessões intercaladas entre o mundo psíquico do sujeito e o mundo real para que este se adéqüe aos poucos a esse mundo, pois se a realidade mostrar-se de forma muito abrupta através de regras muito rígidas o paciente logo desintegrará seu ego afastando cada vez mais seus frágeis vínculos com a realidade, por isso é necessário a ponderação do at promovendo aos poucos essa integração do Ego.

A percepção da sociedade diante dos pacientes psicóticos está muito vinculada a estereótipos, onde perpetua no imaginário das pessoas a idéia de um ser ameaçador, o que leva a um pensamento isolacionista, simplista de fato, que almeja banir do meio social aquele sujeito que não responde aos padrões impostos.  A perspectiva de inclusão visa acionar mecanismos de autonomia e as potencialidades daquele paciente, auxiliando na (re)organização dos funções de ego saudáveis. Desta forma procura-se estimular aspecto potenciais da criatividade do paciente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Contudo, diante do exposto neste trabalho, foi possível elencar vários aspectos que corroboram para o abandono de estereótipos relacionados a loucura, entendendo a diversidade de expressões relacionadas ao sofrimento psíquico, mas com  um olhar mais cuidadoso àquele  sujeito que encontra-se neste emaranhado de suposições ainda sustentadas socialmente.

Na perspectiva da reinserção social, a reforma psiquiátrica abriu horizontes para um outro entendimento dos transtornos mentais, este pautado pela desinstitucionalização  de pacientes psiquiátricos, o que contribuiu também para o fortalecimento do acompanhante terapêutico, como ferramenta facilitadora no processo de ressocialização, havendo a extensão da clínica para o cotidiano do sujeito.

O Acompanhamento Terapêutico propõe auxilio ao paciente para que este possa ter autonomia empoderando-se, a fim de desenvolver seu processo criativo. Esta modalidade terapêutica encontra espaço em diversas áreas de atuação, mas neste artigo o enfoque foi a inclusão social de pacientes com transtornos mentais dando visibilidade a estrutura psicótica que beneficia- se do at, este atuando como ego auxiliar. No entanto a partir dos temas abordados foi possível identificar a importância da trabalho deste profissional que interage no dia-a-dia do acompanhado proporcionando assim um continuun terapêutico.

REFERÊNCIAS

  1. AZEVEDO, T; DIMENSTEIN, M. Acompanhamento Terapêutico no cuidado em saúde mental. 2008. Acesso em 27 Mai. 2012. Disponível em: http://www.revispsi.uerj.br/v8n3/artigos/pdf/v8n3a08.pdf
  2. CABRAL, K, V. Acompanhamento Terapêutico como dispositivo da reforma psiquiátrica: considerações sobre o setting terapêutico. 2005. Disponívelem:https://www.repositorioceme.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/742 9/000544246.pdf?sequence=1. Acesso em 23 Mai.2013.
  3. FREUD, S. NEUROSE E PSICOSE (1924 [1923]). Acesso em: 07 JUN. 2013 Disponível em:  http://www.chasqueweb.ufrgs.br/~slomp/psicanalise/freud-neurose-e-psicose.htm. Acesso em: 07 JUN. 2013. Livro XIX. 1856-1939.
  4.  GASTRA, F,L; LEITE, S,O; FERNANDES,F,N; et  al. Reforma psiquiátrica no Rio Grande do Sul: uma análise histórica, econômica e do impacto da legislação de 1992. 2007. Acesso em 07 jun.2013. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010181082007000100020&lng=pt&nrm=iso&userID=-2
  5.  PITIÁ, A, C, A. Resgate da cidadania: O Acompanhante Terapêutico e o aspecto da reabilitação psissocial.   2004. Acesso em 27 Mai. 2013. Disponível em : http://www.bibliotecadoat.com.br/1/at/images/Artigos/O%20resgate%20da%20cidadania:%20ao%20AT%20e%20o%20aspecto%20da%20reabilita%C3%A7%C3%A3o%20psicossocial.pdf.
  6.  QUAGLIATTO, H, S,M; SANTOS, RG. Psicoterapia psicanalítica e acompanhamento terapêutico: Uma aliança de trabalho. 2004. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/pcp/v24n1/v24n1a09.pdf. Acesso em 25 Mai. 2013.
  7. RODRIGUES, J. Acompanhante terapêutico: Um breve histórico. 2010. Acesso em 27 Mai. 2013. Disponível em: https://siteat.net/joice/.
  8.  VALLADÃO, L, I; BRUNNET, A, E; MARTINATO,L; PAZ, T; LORETO, T; O Acompanhamento Terapêutico como uma proposta de reinserção social. 2010. Acesso em 24 de Mai. 2012. Disponível em: http://www.pucrs.br/edipucrs/XISalaoIC/Ciencias_Humanas/Psicologia/83802-LARISSAIRIGARAYVALLADAO.pdf.
  9.  VARELLA, M, R, D; LACERDA,F; MADEIRA, M. Acompanhamento Terapêutico: da construção da rede a construção do social.  2006. Acesso em 24 Mai. 2013. Disponível em: http://www.aadom.org.br/wpcontent/uploads/2013/04/v10n18a13.pdf. Acesso em 24 Mai. 2013.

Autora

Daiana Zerbielli. Graduanda em Psicologia (PUCRS). Formada no “Curso de Capacitação em Acompanhamento Terapêutico” (CTDW). Fone: (51) 9672.1069 | 9416.9658. E-mail: [email protected]

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