×

Acompanhante Terapêutico na Comunidade Terapêutica

Autor:

  • Leonardo Segalin – Graduado em Psicologia pela UNISINOS. E-mail:  [email protected]

O papel do Acompanhante Terapêutico (A.T.) dentro de uma Comunidade Terapêutica viabiliza-se através da existência de uma proposta multidiciplinar. Aliado à equipe ele proporciona o desenvolvimento de uma prática clínica extra-terapêutica junto ao paciente, em seu cotidiano. Um dos princípios deste serviço é o do não-confinamento, buscando-se alternativas para sujeitos cuja existência foi ou não de alguma maneira marcada por alguma forma de clausura. A partir desse princípio o A.T. promove encontros com o objetivo de produzir uma ação, um movimento, uma abertura, uma entrada, um contato. Entendendo o sujeito como singular tanto naquilo que faz como naquilo que poderá advir dele, o A.T. leva em conta que só será possível conhecê-lo num contato direto e através das possíveis construções que sejam estabelecidas a partir disso.

Para a viabilização desse movimento é imprescindível que o A.T. seja parte integrante e ativa da equipe de trabalho, pois só assim poderá realmente ter função terapêutica para o paciente. Se é necessária a cooperação total entre os integrantes da Comunidade Terapêutica, também o deve ser a dos A.T.s, que não podem ser considerados dissociados da equipe, visto que isso nada de proveitoso traria para o tratamento do paciente. A participação em supervisões, em que possa avaliar seu trabalho e discutir suas dúvidas é de suma importância para a maximização de seu trabalho. Seminários teóricos, que visem ao enriquecimento teórico do acompanhante, também são bem vindos.

Junto ao(s) paciente(s), faz-se necessário que o A.T. assuma alguns compromissos básicos. Dentre estes, destacam-se o estímulo aos cuidados básicos de higiene pessoal, educação alimentar e padrão de sono. Deve também incentivar o contato com a rua e a sociabilização em geral, possibilitando assim uma gradativa melhoria da circulação do paciente dentro do contexto em que vive, através da adequação de sua conduta junto à família e ambientes que envolvam amigos, colegas de trabalho e escola. É ainda indispensável a capacidade de ser continente das angústias, ansiedades e outras manifestações sintomáticas e defensivas do paciente, devendo servir como um ego auxiliar e modelo de identificação, estando preparado para possíveis projeções e idealizações por parte deles, sabendo, dentro do possível, abordar isso de maneira adequada. O A.T. deve ser capaz de dissociar-se para poder, por um lado, relacionar-se com o paciente e, por outro lado, manter por sua vez um distanciamento crítico que lhe permita observar e avaliar a interação. Para isso, é imprescindível que possa descentrar-se de sua própria necessidade e utilizar-se a si mesmo como um instrumento da tarefa, como alguém capaz de albergar, acompanhar e pensar com o paciente (Kalina, 1998, p. 65).

Acompanhar, estar com o usuário, cliente, paciente ou morador. A terminologia não importa. Imprescindível é poder ajudar essa pessoa a receber, identificar e responder aos vários estímulos que se lhe apresentam no cotidiano de sua vida, num clima de segurança e incentivo para a abertura de novas vivências. Exatamente por isso o trabalho de um Acompanhante Terapêutico requer a capacidade de abrigar manifestações e sentimentos extremados de desespero, de irrealidade, de violência, de crueldade – de aceitar o outro naquilo que ele realmente é, humano.

  Você quer ser terapeuta e fazer um curso totalmente gratuito de Acompanhamento Terapêutico (AT) com aulas de um psicólogo, mestre em Psicologia (UFRGS)? Veja se ainda há vaga clicando aqui.  

Poder avaliar as situações de vida do acompanhado, bem como as relações pessoais que ele estabelece, tanto da perspectiva interna – do envolvimento – quanto externa – da imparcialidade – significa o desafio de viver o mundo dessa pessoa, podendo interferir no movimento deste e fazendo com que ele seja cada vez mais adaptado à realidade social. A ausência de medo da produção emanada do acompanhado é o que permite compreender seu funcionamento e motivações, além de proporcionar a criação dos laços tão essenciais à realização desse trabalho. Somente a partir daí será possível mostrar a ele o que é possível manter, (re)construir, (re)produzir ou abandonar.

No trabalho interdesciplinar o saber psicanalítico muito tem colaborado para o desenvolvimento da clínica terapêutica. E conceitos clássicos da clínica psicanalítica e do setting analítico, que trabalham com três elementos básicos – abstinência, interpretação e transferência – podem ser utilizados sob a ótica do trabalho de A.T.. Na convivência com a pessoa psicótica, a abstinência se daria principalmente sob a ótica do desejo pessoal, o qual exige uma constante vigilância no que se refere ao envolvimento de múltiplas situações, nas quais poderá ocorrer a possibilidade de satisfazer os desejos do paciente, ao mesmo tempo que este tentará satisfazer os desejos do acompanhante. Esse vínculo, baseado apenas na simples satisfação de desejos, só vem a prejudicar as possibilidades terapêuticas da relação, visto que, em nada se ajuda o paciente a que ele motive-se o suficiente para buscar ele próprio a satisfação desses desejos. O que deve acontecer é que juntos devem promover a evolução e a ampliação da realidade psíquica de ambos.

A questão da transferência tem como fim o cumprimento do trabalho estruturado junto à equipe. Quanto à contratransferência, por estarem mais expostos, pode ocorrer uma identificação do acompanhante com o paciente. Em contrapartida, há também a possibilidade de, em função de diversas disponibilidades pessoais, o paciente não se identificar com o acompanhante, que deve ser capaz de compreender todas as motivações presentes nesse movimento Propõe-se conseqüentemente que o acompanhante submeta-se a um processo analítico.

Em relação à interpretação o que existem são atitudes interpretativas que servem para ajudar o paciente em seu movimento na relação, e assim promover seu desenvolvimento. Sendo seu ego auxiliar, este se manifestaria então nas atitudes tomadas junto ao paciente.
Finalizando essa breve apresentação sobre as funções do A.T. no trabalho junto a pacientes psicóticos, aqui denominada como uma função extra-terapêutica – que deve ser, portanto, utilizada como um algo a mais, e não como único recurso terapêutico – gostaríamos de dizer que ela se trata de uma nova possibilidade de se promover a saúde mental, pois compreende uma abordagem que considera, além do diagnóstico do paciente, a possibilidade deste de poder construir seu espaço ultrapassando os muros institucionais.

 
BIBLIOGRAFIA

1. Equipe de Acompanhantes Terapêuticos do Hospital – Dia a Casa (org.) (1991) A Rua Como Espaço Clínico. São Paulo: Escuta.
2. Grupo de Acompanhamento Terapêutico Circulação (org.) (1998). Cadernos de A.T.: Uma Clínica Intinerante. Porto Alegre: Feplam.
3. Kalina, Eduardo (1998) Tratamento de Adolescentes Psicóticos. Rio de janeiro: Francisco Alves.
4. Mauer, Susana K.; Resnizky, Silvia (1987). Acompanhantes Terapêuticos e Pacientes Psicóticos: Manual Introdutório a uma Clínica. Campinas: Papirus.

Artigo publicado no “Site AT” em 26/06/2001.

Supervisão em AT.


Descubra mais sobre Site AT:

Assine para receber nossas notícias mais recentes por e-mail.

Comente aqui.