Acompanhamento Terapêutico e Educação Inclusiva: A Voz das Acompanhantes Terapêuticas

Resumo: O objetivo geral desta pesquisa foi analisar as percepções de acompanhantes terapêuticos de crianças com necessidades educativas especiais sobre as contribuições de sua prática profissional para a Educação Inclusiva. A revisão de literatura está estruturada em três eixos: inicialmente, é traçado um breve histórico do Acompanhamento Terapêutico; em seguida é realizada uma contextualização da Educação Inclusiva e, por fim, estes dois campos são relacionados. Na metodologia, foi adotada uma abordagem qualitativa, com pesquisa de campo realizada através da aplicação de questionários. Foi constatado que há uma divergência de opiniões, que refletem as diferentes formas como este recurso é encarado no interior das escolas.

Palavras-chave: Acompanhamento Terapêutico. Educação Inclusiva. Contribuições da prática.

Abstract: The overall goal of this research is to analyze the perceptions of the therapists of children with special educational needs on the contributions of their professional practice for Inclusive Education. The theoretical framework is structured around three axes: first, a brief history is traced from the Therapeutic Monitoring, then is held a contextualization of Inclusive Education, and finally, these two fields are related. In the methodology, a qualitative approach was adopted, with field research conducted through questionnaires. It was noted that there is a divergence of opinions that reflect the different ways in which this feature is seen inside schools.
Keywords: Therapeutic Monitoring. Inclusive Education. Contributions of practice.

Résumé: L’objectif général de cette recherche est d’analyser les perceptions des enfants thérapeutiques à besoins éducatifs particuliers sur les contributions de leur pratique professionnelle pour l’éducation intégratrice. Le cadre théorique est structuré autour de trois axes: tout d’abord, un bref historique est tracée à partir du suivi thérapeutique, est ensuite tenu une contextualisation de l’éducation inclusive, et enfin, ces deux domaines sont liés. Dans la méthodologie, une approche qualitative a été adoptée, à la recherche de terrain menée au moyen de questionnaires. Il a été noté qu’il ya une divergence d’opinions qui reflètent les différentes manières dont cette fonction est vu dans les écoles.
Mots-clés: suivi thérapeutique. L’éducation inclusive. Contributions de pratique.

Acompanhamento Terapêutico e Educação Inclusiva: A Voz das Acompanhantes Terapêutica1

1. INTRODUÇÃO

O objetivo geral deste trabalho é analisar as percepções de acompanhantes terapêuticos (at)2 de crianças com necessidades educativas especiais sobre as contribuições de sua prática profissional para a Educação Inclusiva.

Com o atual movimento mundial direcionado para a concretização de escolas inclusivas, muitas questões têm sido levantadas sobre como efetivamente ofertar com qualidade o trabalho educativo para todas as crianças, inclusive para aquelas que necessitam de apoio individualizado na sala de aula. O recurso do Acompanhamento Terapêutico (AT) surge neste contexto como uma possibilidade de ação para propiciar a inclusão destas crianças em um trabalho articulado com o docente e com os objetivos educacionais da instituição.

Este quadro, aliado a experiência da autora como at, suscitou a seguinte indagação: quais as contribuições que o acompanhante terapêutico percebe da sua prática profissional para a Educação Inclusiva?

Este estudo pretendeu, tendo como objetivos específicos, contextualizar brevemente o surgimento histórico do Acompanhamento Terapêutico e da Educação Inclusiva e, posteriormente, relacionar esta atuação com a temática referida.

A partir disto, formulou-se a seguinte hipótese: o at percebe que pode perder seu lugar de mediador/interlocutor quando não existe uma noção de responsabilidade compartilhada entre os atores educacionais, assumindo o encargo pela aprendizagem da criança.

A revisão de literatura da pesquisa está estruturado em três eixos: inicialmente, é traçado um breve histórico do Acompanhamento Terapêutico; em seguida é realizada uma contextualização da Educação Inclusiva e, por fim, estes dois campos são relacionados, chegando-se ao tema proposto.

Na metodologia, foi adotada uma abordagem qualitativa, com pesquisa de campo realizada através da aplicação de questionários. Estes objetivaram conhecer como acompanhantes terapêuticos de crianças com necessidades especiais percebem as nuances, desafios e contribuição de sua prática para um campo ainda em construção e, com isso, dar voz aos sujeitos diretamente implicados em tal prática e que, muitas vezes, não são ouvidos.

2. METODOLOGIA

Foi realizado um estudo qualitativo através de uma pesquisa de campo, de caráter exploratório e explicativo e procurou-se não somente a descrição dos dados obtidos, mas sua análise e reflexão.

Segundo Bogdan e Bibklen (1994), a pesquisa qualitativa é de natureza descritiva e os significados que as pessoas dão aos acontecimentos de suas vidas é de importância vital nesse tipo de estudo.

A pesquisa bibliográfica foi realizada através de uma revisão de literatura, abrangendo livros, artigos, base de dados Scielo e Google Acadêmico, dissertações e teses, embasando a discussão dos resultados.

Os participantes da pesquisa foram cinco (5) acompanhantes terapêuticos que atuam em escolas regulares da rede de ensino privada do município de Salvador/BA.

Um questionário on-line foi elaborado e disponibilizado pelo programa Google Docs, no qual os respondentes tiveram acesso através de endereço eletrônico.

O instrumento possuía questões abertas e fechadas, divididas em 4 blocos, a saber: 1 – Dados pessoais, 2 – Sua prática profissional, 3 – Acompanhamento terapêutico e Educação Inclusiva e 4 – Concluindo. Foi realizado um pré-teste com dois participantes.

A partir deste, foram feitas algumas alterações no instrumento. Um questionário respondido foi descartado para efeitos desta análise, pois, se tratava de acompanhante terapêutico que não trabalhava no campo da Educação Inclusiva.

No tocante às considerações éticas, foi disponibilizado aos participantes um termo de consentimento livre e esclarecido antes de responderem ao questionário (na página inicial do endereço eletrônico), sendo a declaração de aceitação deste, requisito para prosseguir no questionário.

Os nomes dos participantes não foram coletados e a devolução da pesquisa será feita por e-mail, através do envio do artigo ora apresentado, para aqueles que manifestaram interesse em recebê-la.

A pesquisa também foi avaliada e autorizada pelo Comitê de Ética da Universidade Salvador – UNIFACS.

Os dados foram descritos na seção 3.4 e, para sua análise, foram feitas correlações com a literatura científica pesquisada.

3. REVISÃO DE LITERATURA

3.1. O SURGIMENTO DO ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO

No início do século XX, estava em discussão na Europa um movimento de contestação aos asilos psiquiátricos, estabelecidos no final do século XVIII como lugar de disciplinarização e correção do indivíduo.

Este movimento questionava as condições desumanas de custódia e tratamento a que eram submetidos os internos, assim como sua ineficácia terapêutica.

Neste contexto, começam a surgir as comunidades terapêuticas, que visavam buscar novas formas de relação com a loucura, criando locais de acolhimento nos quais a verdade e a capacidade de contestação do discurso louco pudessem ser reconhecidas.

No final da década de 60, essas ideias chegam ao Brasil e são criadas as primeiras comunidades terapêuticas no Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre.

A que se tornou mais conhecida é a clínica Vila Pinheiros, onde se tentava uma aproximação cotidiana com a loucura. São nessas comunidades que se começa a utilizar o recurso do Acompanhamento Terapêutico.

Exercida principalmente por jovens universitários, esta função foi ganhando um papel destacado na Vila Pinheiros. Entretanto, com a ditadura militar, as comunidades terapêuticas foram fechadas e estes jovens começaram a ser procurados para atendimentos particulares, indicados por terapeutas que preferiam esta alternativa à internação psiquiátrica.

Com o fim da ditadura, na passagem dos anos 1970/1980, as estruturas de saúde mental são questionadas em São Paulo.

Nesta época, em 1979, é fundado o hospital-dia A Casa e com ele sua equipe de acompanhantes terapêuticos (BERGER; MORETTIN; NETO, 1991).

A partir daí, a prática do AT segue buscando proporcionar abertura para que o sujeito estabeleça novas e eficazes conexões, por meio de reacomodações e através de uma metodologia de circulação pela cidade, formando um guia de ocupação do espaço urbano que facilite o deslocamento deste paciente.

O objetivo destes acompanhantes é integrar o sujeito e sua organização psíquica à dinâmica social (PORTO; SERENO, 1991). Hoje, o acompanhante terapêutico é compreendido como um intérprete ativo, operacional, pois, atua no mundo concreto, real e cotidiano do sujeito.

Ele também é um investigador social, atuando em um contexto terapêutico ampliado (CAMARGO, 1991). Assim, seu comprometimento é com a inclusão social. Ibrahim (1991) salienta que cabe aos acompanhantes a tarefa de pensar e aperfeiçoar esta atuação, pois, em sua concepção, somente a estes cabe a investigação desta prática.

Quando se pensa no Acompanhamento Terapêutico de crianças, Coelho (2007) afirma que este se constitui como uma atividade destinada à socialização de crianças portadoras de sofrimento psíquico grave, direcionada na ideia de que este profissional deve compreender os limites dessas crianças, mas buscar ir além deles para que haja avanço, investindo em uma postura acolhedora e flexível.

O mesmo autor ressalta ainda que esta prática envolve o auxílio de outras pessoas que interagem com a criança, oferecendo-lhes um amparo técnico e afetivo para a realização do projeto.

Embora o Acompanhamento Terapêutico (AT) de crianças possa ocorrer em diversos locais de convivência da infância, é na escola onde irá acontecer o maior número de casos.

Como Coelho (2007) salienta, o processo de inclusão social das crianças passa pela escolarização, resultando assim em grande demanda do AT com crianças para a área da inclusão escolar.

3.2. EDUCAÇÃO INCLUSIVA NA ATUALIDADE

O movimento mundial direcionado para escolas inclusivas tem indicado uma nova concepção de Educação, que se baseia no ideal de Educação de Qualidade para Todos.

Para este movimento, a diversidade é um elemento enriquecedor e que potencializa o desenvolvimento social e pessoal dos alunos.

Nesta direção, eventos, normas e acordos internacionais, nacionais e regionais foram realizados objetivando avançar nessa discussão e, com isso, atuar de forma a criar condições para o desenvolvimento de escolas para todos.

Dentre estes, destaca-se a Convenção sobre os Direitos da Criança, de 1989, realizada pelas Nações Unidas que dispõe sobre os direitos das crianças e jovens, afirmando ser o Estado obrigado a adotar medidas que os protejam.

No ano seguinte, ocorreu a Conferência Mundial sobre Educação para Todos, na Tailândia, que recomendava atenção especial às necessidades básicas de aprendizagem de todos os educandos.

Em 1994, foi elaborada a Norma Padrão das Nações Unidas sobre Igualdade de Oportunidades para Pessoas com Deficiência que garantia que os membros deste grupo social pudessem ter os mesmos direitos e responsabilidades que qualquer outro cidadão.

Salienta-se ainda a Conferência Mundial sobre Necessidades Educacionais Especiais: Acesso e Qualidade, realizada em 1994, em Salamanca, que dispõe sobre a obrigatoriedade das escolas de acolher todas as crianças, independente de suas condições pessoais e que deu notoriedade ao tema (DUK, 2006).

No Brasil, a elaboração da Constituição Federal de 1988 significou grande avanço em termos educacionais, pois, promulgou a cidadania e dignidade da pessoa humana como um dos seus objetivos fundamentais, além da promoção de todos independente das diferenças individuais e do direito à igualdade, ao acesso e permanência na escola.

Em 1996, é lançada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB/1996), que não só faz as garantias previamente citadas, mas também acrescenta que é dever do Estado possibilitar o acesso, dando preferência às escolas públicas.

Esta lei afirma, em seu artigo 58 (capítulo V), que a educação especial constitui-se por uma modalidade de educação escolar oferecida preferencialmente na rede regular de ensino e que deve, quando necessário, se utilizar de “serviços de apoio especializado, na escola regular, para atender as peculiaridades da clientela de educação especial”.

Através destes e de outros documentos, configurou-se como um dever dos sistemas escolares assegurarem a matrícula de todo e qualquer aluno, organizando-se para o atendimento aos educandos com necessidades educacionais especiais nas classes comuns.

Alguns documentos citam a necessidade, então, de mudança de concepções e paradigmas para uma verdadeira promoção da Educação Inclusiva.

3.3. ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO NA EDUCAÇÃO INCLUSIVA: POSSIBILIDADES E LIMITES

Toda essa discussão traz em seu bojo a questão: como avançar em direção a escolas inclusivas, que ensinem e eduquem todas as crianças, reconhecendo suas diferenças individuais? (DUK, 2006).

Embora seja um assunto muito discutido e presente na sociedade atual, pouco se conhece sobre a inclusão escolar e principalmente sobre como atuar para sua concretização nas escolas regulares, sejam elas públicas ou privadas.

Dentro deste contexto, têm se realizado formações de professores e atuação conjunta de equipes multiprofissionais (formada por professores e especialistas que atendem a criança). Nesta equipe, poderá fazer parte o acompanhante terapêutico.

Deste modo, esta modalidade de atendimento tem se caracterizado como uma estratégia usada pela escola para viabilizar o processo de inclusão e permitir que o estar na escola para a criança assistida não seja tão custoso. A mediação do acompanhante terapêutico surge como possibilidade para a permanência da criança na escola.

Segundo Duk (2006), os profissionais de apoio no processo inclusivo (dentre os quais estariam os acompanhantes terapêuticos) representam ajuda valiosa aos docentes, podendo participar na elaboração do programa e nas flexibilizações curriculares necessárias a determinados alunos; nas adaptações do material didático; na elaboração e planejamento de diferentes estratégias de ensino; na clarificação das necessidades educacionais especiais de alunos com problemas de aprendizagem; no apoio aos alunos; no atendimento contínuo na sala de aula; no apoio fora da sala de aula; e no apoio aos pais.

A autora ressalta que todos os tipos de apoio e atividades proporcionados por este profissional devem ter como finalidade melhorar as práticas educacionais a fim de facilitar a aprendizagem e participação de todos os alunos; responder as necessidades educacionais especiais em direta articulação com a programação e atividades da classe; facilitar a autonomia dos professores, na identificação, análise e solução dos desafios com os quais se defrontam, garantindo a colaboração; e promover a relação entre família e escola, a fim de fortalecer os processos de aprendizagem.

É preciso mencionar ainda, como afirma Coelho (2007), que o acompanhante terapêutico que atua com Educação Inclusiva deve estar preparado para circular entre uma postura pedagógica (como a mencionada acima) e uma postura terapêutica. É preciso compreensão crítica para oscilar entre ambas, conforme as necessidades do sujeito.

Para Londero e Pacheco (2006), o trabalho do acompanhante terapêutico é percebido como de importância crucial por atuar diretamente no ambiente em que o sujeito está inserido.

Melão (2008), ao relatar sua experiência de AT com uma criança autista, afirma que este profissional tem integrado a equipe das escolas visando auxiliar no processo educacional de alunos com graves distúrbios do desenvolvimento, possibilitando a criança ocupar um lugar que lhe é atribuído pela sociedade, isto é, a escola e atuando como mediador entre a criança e o seu ambiente.

Essa autora descreve sua própria experiência enquanto acompanhante terapêutica, salientando as incertezas que ainda circundam esta função no contexto escolar:

(…) fiquei um tanto receosa quanto à indefinição (para mim, para a escola) do lugar que eu iria ocupar ali. Eu estaria dentro da sala de aula, não seria professora nem atuaria clinicamente; eu estaria entre a pedagogia e a educação, de um lado, e a psicanálise, de outro. Um trabalho desses seria possível? (p. 99)

Segundo Gavioli, Ranoya e Abbamonte (2002), o at no contexto escolar funciona como uma testemunha das situações cotidianas vivenciadas pela criança e possibilita o reconhecimento de suas produções e conquistas. Ressaltam também que este profissional pode atuar como um porta-voz da criança, quando necessário, indicando para ele outras formas de se posicionar e agir no mundo.

Os autores afirmam que, sendo um interlocutor, o at sustenta para a criança as regras que regem a instituição na qual estão inseridos, assim como propicia espaço para o aparecimento de seus interesses e desejos e constituição de sua subjetividade.

Ao fazer o resgate destes interesses, torna possível o aproveitamento dos próprios recursos que a criança possui, conciliando-os com as temáticas das aulas.

Concluem que o AT é um agente facilitador neste processo de escolarização, o qual, sem a sua presença, pode ser desestruturante e difícil para a escola e para a criança e defendem uma prática de AT que também produza questões na escola, contribuindo para sua movimentação.

Sereno (2006) afirma que o at na Educação Inclusiva nomeia e dá sentido às situações que vão ocorrendo com a criança e deve apresentar uma postura de “invisibilidade”, no sentido de “remeter ao outro” propiciando a autonomia dos atores que circulam pelo contexto escolar.

Assim, incentivar a professora a intervir numa crise, convocar a criança para participar de uma conversa e encaminhar a criança para a professora como autoridade ou pessoa que decide, são exemplos de ações que devem ser adotadas por esses profissionais e, com isso, o at começa a afastar-se de cena, encorajando a interação entre aluno e professor.

A autora defende que o AT termina quando a turma (professora e alunos) passa a funcionar como referência de acolhimento e sustentação do aluno com necessidades especiais, sendo também este capaz de se comprometer, não sendo mais necessária a presença deste profissional.

Ressalta a importância de grupos de referência, espaços de discussão de casos, supervisão e troca de experiências para uma prática cada vez mais competente do at.

Percebe-se que a prática do AT na Educação Inclusiva caracteriza-se por, dentre outros fatores, um processo de mediação entre a criança acompanhada e os demais atores do cotidiano escolar.

Ao se pensar na noção de mediação, não se pode deixar de mencionar a contribuição da perspectiva sócio-histórica de Vygotsky (1991).

Segundo esta, a aprendizagem ocorre no convívio social, sendo este fator, assim, preponderante para o desenvolvimento. Este autor coloca a importância da interação social para a formação da consciência.

Conforme sua concepção, a aprendizagem se dá de um nível interpsicológico para outro intrapsicológico, quando há a internalização do que chama de material cultural. Ao tomar posse deste material, o indivíduo o torna seu, utilizando-o como instrumento de ação no mundo.

Deste modo, este processo diz respeito também á constituição de sujeito (através, como descrito, de situações de intersubjetividade).

O indivíduo, portanto, é social e histórico, uma vez que se constitui na relação com outros homens. Esta perspectiva teórica abrange a construção de sujeitos únicos, com trajetórias particulares e permeadas de experiências singulares com o mundo (OLIVEIRA, 1992).

Deste modo, pode-se compreender a importância da prática de AT ao mediar a relação do educando com os conhecimentos formais e informais da escola, a partir da consideração do ritmo próprio e forma de aprendizagem específicos de cada estudante.

Este profissional pode, assim, contribuir para o desenvolvimento e para a formação da consciência dos alunos.

3.4. A VEZ E A VOZ DOS ACOMPANHANTES TERAPÊUTICOS ESCOLARES

No primeiro bloco, Dados Pessoais, foi verificado que três respondentes possuem entre 25 a 30 anos e os outros dois possuem entre 19 a 24 anos. Todos são graduados em Psicologia, possuindo até 4 anos de formados.

Sobre a pós-graduação, somente um respondente não a possui nem está cursando. Dois estão cursando, um já concluiu e outro está cursando a segunda pós-graduação.

Sobre as áreas, foram relatadas especializações em Gestalt-terapia, Terapia analítico-comportamental, Desenvolvimento Infantil e seus transtornos, Psicomotricidade e Psicologia Social de Pichon-Riviére: Coordenação de grupos operativos.

O perfil dos respondentes mostra um grupo homogêneo na formação, porém heterogêneo nas especializações, denotando a diversidade teórica que envolve o campo do AT.

Ao mesmo tempo, esta diversidade também pode estar evidenciando a falta de um corpo teórico que considere as especificidades do AT.

A totalidade de graduados em Psicologia chama atenção quando se pensa que a área foco desta pesquisa é a Educação.

Parece indicar que a ciência psicológica tem sido requisitada e considerada necessária para intervir nos processos educacionais inclusivos.

O questionamento que se faz mediante tal constatação é: a Psicologia tem sido requisitada como mais um conhecimento a somar nos esforços pelas metas inclusivas ou para propiciar um olhar individualizante sobre aquele sujeito dito “incluído”?

Será que as escolas refletem sobre isto quando decidem utilizar o recurso do AT?

Entrando no segundo bloco, “Sua prática profissional”, foram feitas questões visando conhecer a realidade específica dos participantes da pesquisa. Três respondentes trabalham de 3 a 5 anos como ats de crianças com necessidades especiais. Um possui menos de 1 ano e um possui de 1 a 2 anos.

Além disso, três participantes trabalham com AT em outros contextos além da Educação (citaram “Clínica” e “Acompanhamento Domiciliar”).

Ressalta-se aqui o indicativo de que os ats que atuam em Educação Inclusiva parecem ser os recém-formados que, mediante a competitividade atual existente para ingresso no mercado de trabalho, encontram nesta prática recente e cada vez mais utilizada pelas escolas, uma forma de iniciar sua trajetória profissional.

Outro ponto é que, considerando as condições de tal atuação, geralmente perpassadas por baixas remunerações, sem direitos trabalhistas e sem remunerações nos meses de férias escolares, tal prática parece não ser de interesse dos profissionais experientes, que já possuem condições de obter melhores empregos e trabalhos.

Esta situação “estrutural” gera a existência de uma maioria de profissionais inexperientes (muitas vezes, são estagiários) para exercer uma prática em um campo ainda em construção (a saber, a Educação Inclusiva), com muitos desafios e questões ainda não respondidos ou desconhecidos pelos maiores estudiosos do tema.

Na questão “Considera-se realizado profissionalmente sendo acompanhante terapêutico? Porquê?”, dois respondentes afirmaram que não, pois, entendem que ainda não existe um reconhecimento de que essa função precisa fazer parte da escola institucionalmente.

Outra resposta semelhante versou sobre a falta de vínculo empregatício com as baixas remunerações. Outros dois participantes responderam afirmativamente tal pergunta.

As justificativas versaram sobre a satisfação pessoal de acompanhar o processo de desenvolvimento e de inclusão de uma criança. Ainda houve uma resposta indefinida, que mesclou as duas posições acima referidas:

Gosto por estar inserida no ambiente escolar que sempre foi do meu interesse e por trabalhar com inclusão, algo gratificante. Porém, o fato de não ser uma profissão reconhecida e valorizada, por ser uma prestação de serviço (ou seja, não ter os direitos trabalhistas reconhecidos) e a baixa remuneração, fazem com que eu não queira passar toda minha vida profissional atuando como at.

Esta afirmação indica que os ats que trabalham com Educação Inclusiva, devido às condições de trabalho existentes atualmente, buscam outras possibilidades profissionais, que os satisfaçam em termos remuneratórios e propiciem segurança financeira.

Justamente quando adquirem experiência e se tornam mais habilidosos, estes profissionais se direcionam para outros campos.

Como resultado, o AT de crianças com necessidades especiais volta a ser ocupado por recém-formados ou estagiários, o que gera uma espécie de ciclo vicioso.

Outro elemento é que, sendo constantemente ocupado por novos profissionais, o campo pode não avançar em termos de um desenvolvimento teórico e científico específico, o que requer conhecimento acumulado e experiências vividas, correndo o risco, assim, de estagnação.

Sobre o maior ponto positivo em ser at, as respostas mais mencionadas referiram-se a estar no cotidiano da escola e trabalhar em Educação.

No tocante ao maior ponto negativo, a opção mais votada foi “baixa remunerações/ sem garantias trabalhistas”, seguida de “falta de clareza sobre o papel do at por parte dos demais profissionais”. Estas respostas reforçam as constatações verificadas nas perguntas acima.

Em relação às condições das crianças que acompanharam, a maior parte relatou casos de autismo e de dislexia. Foram também mencionados: síndrome de Asperger, TDAH, transtorno bipolar, deficiência intelectual, lesão cerebral e psicose.

O recurso do AT, portanto, parece ser utilizado nos casos considerados mais graves, nos quais o modelo de sala de aula existente atualmente nas nossas escolas parece não possuir uma configuração que permita esse aluno estar no ambiente educacional sem um acompanhamento individualizado.

Também foi perguntado sobre a terminologia que as escolas por quais passaram adotam para nomear tal profissional. A mais comum foi “acompanhante psicopedagógico”, seguido de perto por “acompanhante terapêutico”.

Também foram citados “monitor” e “tutor”. Esta discussão terminológica só evidencia o lugar de indefinição que este profissional ocupa atualmente na Educação Inclusiva.

Sobre a supervisão, somente um respondente afirmou não fazê-lo, tendo somente trocas com as professoras e a coordenadora da escola.

Os demais colocaram que fazem supervisão. A maioria é feita por orientadora ou pedagoga disponibilizada pela própria instituição. Somente um afirmou ter supervisão com psicólogo clínico.

Na questão seguinte, três participantes afirmaram que se sentem preparados para tal função em decorrência de procura autônoma por cursos, estudos e supervisão.

Um afirmou não se sentir preparado e outro respondeu que depende da necessidade específica de cada criança, pois, lhe falta conhecimento teórico e experiência com determinadas condições.

Os dados demonstram que a supervisão, característica do campo psicológico, no contexto do AT na Educação Inclusiva, em sua maior parte, acontece por profissionais inseridos no próprio contexto escolar.

Esta parece ser uma postura desejável já que a atuação do at acontece dentro do ambiente educacional e um profissional inserido em tal contexto e que possui, ao mesmo tempo, um olhar especializado (como é o caso do orientador educacional, do psicólogo escolar e do coordenador pedagógico, por exemplo) permite a orientação e os direcionamentos adequados do trabalho a realidade específica de cada instituição.

Outro ponto a ser salientado é que, no caso do at que é psicólogo, a orientação nas dimensões pedagógicas fornecidas por tais supervisores, muitas vezes, se faz imprescindível para que este at possa ter condições de, junto com o professor, elaborar adaptações, auxiliar nas flexibilizações curriculares, formular estratégias de intervenção para aprendizagem, dentre outras ações. Ainda a se destacar é a questão da preparação para tal função.

Os dados coletados denotam uma busca, ou iniciativa própria do at, para suprir as lacunas em sua formação, visando dar conta das demandas apresentadas.

Cursos de formação para ats na Educação Inclusiva poderiam ser elaborados e disseminados para auxiliar nesta preparação.

O terceiro bloco, intitulado “Acompanhamento Terapêutico e Educação Inclusiva”, objetivou apreender quais sãos as concepções teóricas dos participantes da pesquisa. Na questão “Qual a sua concepção de Acompanhamento Terapêutico?”, as respostas circularam pelas ideias de inclusão social e de mediação:

“é uma modalidade de intervenção que contribui para a inclusão social e possibilita ao indivíduo uma escuta e uma intermediação a respeito da realidade”

“o at é um mediador na relação da criança com necessidades educativas especiais com a comunidade escolar”

“ o at é um profissional que visa auxiliar o paciente a enfrentar, no ‘ambiente natural’, as dificuldades/limitações percebidas no setting terapêutico. No ambiente escolar (…) auxilia no processo de inclusão de alunos com necessidades especiais, possibilitando ao acesso à educação”

“profissional que intervém na rotina de uma pessoa de forma a contribuir para o desenvolvimento de suas potencialidades e no enfrentamento de dificuldades oriundas de sua condição humana (…)”

“O AT é um suporte dado à criança com necessidade especial e à escola para que a inclusão se dê de forma coerente: adaptação curricular, adaptação da criança à turma, estimular a autonomia, mediação entre criança especial e professor/alunos”.

A análise das concepções fornecidas pelos respondentes colocam o at como um mediador entre a criança e o ambiente escolar.

Estas respostas, ao serem coadunadas com a noção vygotskyana de instrumento, fazem pensar que o at seria um profissional que funciona como um instrumento para a criança acompanhada.

Para Vygotsky (1991), ao tomar posse do material cultural, o indivíduo o torna seu, utilizando-o como instrumento de ação no mundo. A ação coletiva empreendida pela humanidade irá, portanto, servir como meio para a formação da consciência do sujeito.

Deste modo, ao mediar as relações da criança com o professor, com outras crianças e com todos os desafios colocados pelo contexto escolar, o at pode ser como um instrumento que propiciará o desenvolvimento psicológico do indivíduo. Neste sentido, pode se constituir como uma ferramenta útil para o crescimento do aluno acompanhado.

Na questão seguinte, “Qual a sua concepção de Educação Inclusiva?”, as respostas realçam a importância deste campo. Em sua maioria, parecem compreender que se trata do acesso de todas as crianças à escola e consideram a necessidade de adaptações do ambiente escolar.

“Uma escola com a proposta de educação inclusiva deve promover a aprendizagem e o desenvolvimento de todos os alunos independente de suas dificuldades e/ou limitações. Assim, respeita as diferenças entre os sujeitos e os percebe em suas singularidades. Para isso adapta a estrutura do ambiente escolar para permitir o acesso de todos à educação, assim como promove adaptações curriculares que atendam às necessidades de todos os alunos. Importante ressaltar que essas ações devem ser realizadas de forma a promover a interação do aluno com o grupo e com o professor, investindo também no desenvolvimento das habilidades sociais”.
“Escola para todos, sem restrições”.

“Educação inclusiva é a ação de identificação das necessidades individuais dos educandos que não são contempladas pela cultura escolar e o contexto de ensino aprendizagem para a mudança dessa estrutura ideológica, histórica e cultural que reflete: no ambiente físico da educação, nas posturas dos educadores e educandos e na forma como os objetos cognoscentes são apresentados”.

“Fundamental, porém não são todos que estão preparados para lidar com a inclusão. Muitos são os desafios que a inclusão propicia, mas também muitos são os ganhos que se tem com tal prática”.

“A educação inclusiva é a adaptação da criança com necessidade especial à escola. Isso deve se dar de forma integral: estrutura física adequada, material escolar e atividades adaptadas, preparação do corpo técnico da escola, trabalho com a turma para que a inclusão se dê com tranquilidade também para as outras crianças, etc”.

As definições apresentadas parecem conceber que a Educação Inclusiva se trata de uma adaptação da escola à necessidade específica da criança e não o contrário, seguindo, portanto, as noções apresentadas em muitos documentos oficiais do governo.

Destaca-se, entretanto, a última concepção apresentada acima que segue o caminho oposto: compreende que inclusão é a adaptação da criança à escola. Esta ideia, conforme discussões atuais, parece estar mais vinculada à noção de integração.

O que parece importante pontuar aqui é que não se é possível ser um at na Educação Inclusiva, sem estudar, refletir e analisar suas concepções pessoais sobre o tema, dialogando com outras vozes mais experientes. É preciso saber onde se quer chegar para não correr o risco de estar ao lado de uma criança cotidianamente sem um propósito claro e definido.

Sobre o papel do at na Educação Inclusiva, todas as respostas apontaram novamente a questão da mediação.

Seguem abaixo dois exemplos:

“O at na Educação inclusiva funciona como um mediador entre as necessidades propostas pelas escolarização e aquelas pertencentes a condição do sujeito que acompanha. Dessa forma, cabe a eles definir formas de diálogo entre essas necessidades para possibilitar o objetivo principal dos espaços de aprendizagem: a emancipação do sujeito”.

“O papel de intermediar as relações, acompanhando e se comunicando com o indivíduo. Com o objetivo de desenvolver as capacidades e habilidades dentro dos diferentes contextos”.

Essas respostas reforçam a ideia do at como um instrumento ou uma ferramenta para o desenvolvimento integral do sujeito.

Na questão sobre as contribuições do at para a Educação Inclusiva, foram obtidas respostas diferentes. Para dois respondentes, o at contribui ao propiciar o acesso à informação (por parte do aluno) e por promover o seu desenvolvimento. Abaixo segue um exemplo:

“auxiliando para que o aluno tenha acesso à informação e ao desenvolvimento de habilidades sociais”.

Outra resposta versou sobre o olhar especializado do at como contribuição ao processo inclusivo:

“o olhar individualizado em apenas um indivíduo garante uma melhor percepção das características concernentes à sua trajetória educativa. Dessa forma, o at assessora os atores da educação na compreensão dos desafios pedagógicos com aquele indivíduo”.

Outro ponto de vista expresso coloca em evidência as limitações da escola. Neste sentido, destacamos duas respostas:

“Apenas com a sua presença, o acompanhante lembra a escola que ela por si só não foi capaz de prover a estrutura necessária para a inclusão desta criança, sendo necessária a contratação de uma AT”.

“Ele contribui para a criança/família/escola como um “”paliativo””. Eu não acho que o acompanhamento seja a solução, acho que uma escola inclusiva precisa acolher a criança com a sua diferença, capacitando o seu corpo docente, para que o mesmo possa acolhê-la, independente da presença do acompanhante. A criança como parte da escola e, se necessário, adaptar e rever todo o seu currículo. Acho que o trabalho de acompanhamento terapêutico ajuda (e muito), mas acho que nem de longe seja a solução para a inclusão. Isso ainda não é inclusão.”

Sobre as duas últimas diferentes visões expostas, cabe destacar alguns pontos. Para o primeiro ponto de vista, chama atenção a ideia do at enquanto aquele que permite o acesso a informação por parte da criança acompanhada.

Então, a escola não está permitindo esse acesso? Mas não é esse um dos seus propósitos? A escola está contratando ats porque não está conseguindo cumprir seus objetivos? Esta, inclusive, é uma dimensão apontada pela terceira visão apresentada pelos respondentes: o at evidencia as limitações da escola em propiciar um ambiente inclusivo?

Esta autora entende que, em alguns contextos educacionais, nos quais o recurso do AT é utilizado de forma deturpada de seus objetivos, a resposta para esta pergunta pode ser afirmativa.

O segundo ponto de vista expõe a ideia do at enquanto um profissional com um saber técnico e especializado que pode assessorar os demais atores da escola.

Sem deixar de enfatizar a necessária parceria a esta relação (não somente de assessorar, mas também permitir-se aprender interdisciplinarmente com os demais profissionais da escola), compreende-se que esta visão pode propiciar um olhar mais integrado com o ambiente educacional, escapando, portanto, de um foco individualizante, que foge aos ideias inclusivos.

Sobre a percepção do at enquanto obstáculo para a Educação Inclusiva, três respondentes entendem que este profissional não se constitui como um entrave; dois respondentes acreditam que sim.

Para as respostas negativas, a justificativa referiu-se sobre a percepção de o at não centrar sua ação exclusivamente na criança:

“Não, pois a at constrói sua ação visualizando a turma e não somente o aluno com necessidades especiais”.

Para as respostas positivas, os respondentes entendem que se constitui como um obstáculo para a inclusão na medida em que a escola utiliza tal recurso de forma deturpada o que acaba gerando um entrave:

“Como eu já disse, ele é um paliativo na relação família/criança/escola. É muito cômodo pras escolas terem acompanhantes”.

“Sim, pois o fato de haver um acompanhante terapêutico tira um pouco a responsabilidade da escola pelo processo de inclusão. Assim, o acompanhante terapêutico é uma confirmação da incompetência da escola para fazer a inclusão”.

A análise das respostas acima, tanto positivas quanto negativas, vislumbra que o at se constitui ou não como um entrave, a depender das práticas que são implementadas e das concepções e ideias que se tem de tal atuação.

No primeiro caso (respostas negativas), não se entende que o at é um obstáculo para a Educação Inclusiva, porque se compreende que tal profissional não centra sua atuação exclusivamente em um aluno, mas considera toda a turma.

No segundo caso (respostas positivas), é considerado como um obstáculo, pois, emana de uma ideia de ser paliativo para a escola. Isto faz perceber que o AT é um recurso que pode contribuir ou pode, ao contrário, atrapalhar os processo inclusivos, a depender de como seja encarado e praticado.

Neste ponto, evidencia-se que como a gestão da escola compreende o papel desse profissional, o que exige para ele, o que espera que ele apresente como resultados, dentre outros, são importantes para que o at possa ser um recurso a favor dos objetivos educacionais.

O at, portanto, é um profissional autônomo (sem vínculo empregatício com a escola), mas que, estando dentro dela, não pode atuar sozinho: é preciso uma prática interdisciplinar.

Ainda neste terceiro bloco, foi solicitado que os respondentes citassem dois elementos que consideram serem os maiores entraves para uma prática adequada e coerente de AT na Educação Inclusiva.

O fator mais citado foi a não contratação dos ats pelas escolas em associação com o “não lugar” que este profissional ocupa (não é funcionário da instituição, mas deve satisfação, frequência relatório, etc.).

Outros fatores mencionados foram: falta de apoio e suporte da escola em muitos momentos, em especial nas solicitações feitas pelos ats; a cultura rígida e individualizante de algumas escolas e a unidimensionalidade na abordagem dos conteúdos; a falta de inclusão dos ats na escola; relação acompanhante x família x escola e o preconceito existente diante da inclusão somado à falta de preparo dos profissionais para lidar com os desafios dos processos inclusivos. Todos estes elementos precisam ser considerados pela gestão das escolas.

Os dados indicam que os ats percebem que precisam ser ouvidos e considerados dentro da instituição, o que parece não estar ocorrendo, segundo os depoimentos coletados. Levanta-se aqui uma reflexão: a não-contratação de ats pelas escolas não estaria contribuindo para a realidade de profissionais inexperientes neste campo, para a constante rotação e mudança de ats e para a manutenção desse ciclo vicioso?

Além disso, se é responsabilidade da escola possibilitar os recursos humanos e materiais para promover a inclusão de todos os alunos (conforme a legislação brasileira), seriam os pais que deveriam arcar com os custos da contratação de tais profissionais?

A última questão do segundo bloco foi “Quando o AT com crianças com necessidades especiais deve acabar?”. A maior parte das respostas versou que deve acabar quando o aluno acompanhado tiver condições de enfrentar os desafios da escola com autonomia:

“Quando o aluno avançar e conseguir ficar na sala de aula sem nenhum auxílio “extra”, apenas com as intervenções da professora, assim como os demais alunos”.

“Quando a necessidade “especial” permitir, quando o contexto educacional conseguir dialogar com essa necessidade e quando a criança sentir-se segura para tal”.

Destaca-se, porém, outra resposta:

“A depender da criança e da realidade da escola, nunca vai acabar. Mas acredito que tenha que ser renovado o acompanhamento, não acho interessante que o mesmo profissional fique por anos com a mesma criança. Acredito também que as crianças que têm acompanhante devam ser aquelas tidas como casos severos, em que a escola (infelizmente) ainda não dá conta sem o acompanhante. Conheço crianças que em umas escolas possuiam acompanhantes e que, ao mudarem de escola, não precisavam dos mesmos. E isso não por negligência da escola, muito pelo contrário, isso por acomodação e rotulação sobre a criança vindo da escola anterior.”

Este último depoimento demonstra que a utilização ou não do recurso do AT na Educação Inclusiva depende de cada escola, da visão de sua gestão e da sua a capacidade de sustentar ou não um processo inclusivo, já que para uma mesma criança, o at pode ser utilizado em uma escola e não em outra.

Tanto pode ser praticado no sentido “paliativo” já discutido nesta pesquisa, quanto poder ser praticado em uma perspectiva mais inclusiva, desconsiderada por outra instituição que não utilizava o recurso. Cada caso é único e demanda análises específicas.

No último bloco – Concluindo, destaca-se a questão sobre qual imaginam ser o futuro do AT na Educação Inclusiva. A maior parte espera que haja o reconhecimento da profissão, com sua integração aos quadros da escola e com a existência de direitos trabalhistas. Foi mencionado também o desejo que, ao integrar os quadros da instituição, este seja um profissional da escola e não de uma criança. Estas vozes dos ats falam por si mesmas. Somente necessitam ser ouvidas por aqueles que podem auxiliar na modificação desse quadro.

4. DISCUSSÃO

Esta pesquisa objetivou analisar as percepções de acompanhantes terapêuticos de crianças com necessidades educativas especiais sobre as contribuições de sua prática profissional para a Educação Inclusiva.

Neste sentido, foi possível perceber que os ats que há uma divergência de opiniões, que refletem, porém, as diferentes formas como este recurso é encarado no interior das escolas.

Isto demonstra o papel que a comunidade escolar possui na prática do at e que, portanto, esta não ocorre isoladamente, mas faz parte das influências sociais, culturais, históricas e ideológicas em que estão imersos todos que compartilham daquele ambiente institucional.

Assim, a hipótese formulada foi confirmada nesta pesquisa: o at percebe que pode perder seu lugar de mediador/interlocutor quando não existe uma noção de responsabilidade compartilhada entre os atores educacionais, assumindo o encargo pela aprendizagem da criança. Isso foi exposto em diversos depoimentos no decorrer dos questionários aplicados.

Desta forma, conclui-se que uma prática de AT na Educação Inclusiva deve acontecer de forma contextualizada, com o compartilhamento das práticas e com consciência da finalidade de se utilizar este recurso, sem esquecer do acompanhamento contínuo por supervisores e através de trocas com os demais membros da escola, incluindo a família.

Por fim, sugere-se para pesquisas posteriores, a realização de estudo com um número maior de acompanhantes terapêuticos e que englobem outras formações, que não somente a psicologia, visando conhecer outros vieses e possibilidades de percepções.

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NOTAS:

  1. Artigo apresentado a Faculdade Social da Bahia como requisito para obtenção do título de Especialista em Desenvolvimento Infantil e seus Transtornos.

2. Para fins de entendimento, neste projeto a sigla AT refere-se a Acompanhamento Terapêutico e a sigla at refere-se a acompanhante terapêutico, conforme utilização na literatura da área.

Artigo publicado em:
Matos, A., & Diniz, A. (2014). Acompanhamento terapêutico e educação inclusiva: a voz dos ATs. In R. C. S. Souza, M. A. G. Bordas, & C. S. Santos (Orgs.), Formação de professores e cultura inclusiva (pp. 45-66). São Cristovão: UFS.

Autora

Adrielle Matos – Psicóloga, especialização em Desenvolvimento Infantil e seus transtornos (FSBA), mestre em Educação (UFBA) e doutoranda em Psicologia (UFBA).

Orientadora: Andréa Diniz – Psicóloga, Especialista em Acompanhante Terapêutico de Crianças e Adolescentes (ECOEN – França), Mestre em Psicologia (UFBA), Professora e Coordenadora da Especialização em Desenvolvimento Infantil e seus transtornos (FSBA).

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