Acompanhar é uma Barra: Considerações Teóricas e Clínicas Sobre o Acompanhamento Psicoterapêutico

Autora:

  • Thais da Cruz Carneiro Ribeiro – Psicóloga do Hospital Psiquiátrico de Jurujuba, Niterói/RJ. Mestre em Psicologia Clínica pela PUC-Rio. Especialista em Saúde Mental pelo Instituto de Psiquiatria da UFRJ. Especialista em Teoria Psicanalítica pela Universidade Santa Úrsula. Telefones (21)527-7758, (21)9607-1173. E-mail: [email protected]

Resumo
Este artigo apresenta o acompanhamento psicoterapêutico como uma das formas de atuação do psicólogo na clínica das psicoses. A função do acompanhante é abordada a partir de questões teóricas relativa ao desencadeamento, desenvolvimento e estabilização de quadros psicóticos, segundo a perspectiva psicanalítica. O acompanhamento também exige o manejo de algumas questões técnicas como a composição e funcionamento da equipe, horários e relacionamento com os demais profissionais envolvidos, bem como com a família. Os objetivos desta modalidade de tratamento centram-se na potencialização das possibilidades discursivas e criativas, e na reconstrução dos vínculos sociais destes sujeitos. Isto se faz na medida em que o acompanhante sustenta seu trabalho em acordos verbais, contratos terapêuticos e atividades onde se coloca como um mediador entre estes sujeitos e a realidade socialmente construída. Como efeito podemos esperar a progressiva autonomia e a extração de algum prazer de sua própria existência.

Palavras-chave: Acompanhamento. Clínica. Psicose. Psicanálise.

Abstract
This article shows psychotherapeutic escorting as one of the ways a psychologist can act in the treatment of psychosis. The escort’s job is approached by way of theoretical questions relating to the onset, development and settling of psychotic situations, under a psychoanalytic perspective. Escorting also requires handling a few technical aspects, such as make-up of the team, coordinating work schedules and managing relationships with other significant professionals, as well as with the subject’s family. The goals of this sort of treatment revolve around realization of discursive and creative potentials, and the rebuilding of the subjects’ social links. This happens insofar as escorts accomplish their work through verbal agreements, therapeutic contracts, and activities in which they become mediators between the subjects and a socially established reality. A growing autonomy and the derivation of some pleasure from their lives is expected as a result.
Keywords: Escorting. Care-taking. Clinic. Psychosis. Psychoanalysis.
I. Introdução
O acompanhamento psicoterapêutico é uma prática paralela de atendimento a pessoas que estejam em sofrimento psíquico, atravessando situações que exijam atenção mais intensiva do que a encontrada no tratamento regular, quando este já se encontra em curso.
A participação no cotidiano da pessoa oferece recursos diferenciados de atuação terapêutica no próprio ambiente, criando condições para a exploração das potencialidades transformadoras de uma situação de crise, a compreensão e a intervenção na dinâmica familiar e na rede social, além de, algumas vezes, contribuir para evitar a internação ou mesmo torná-la mais produtiva e menos traumática, nos casos onde ela se fizer necessária.

Discutiremos aqui a função do acompanhante psicoterapêutico junto ao psicótico, ainda que trabalhemos freqüentemente com neuróticos “graves” e casos onde, ao menos num primeiro momento, a toxicomania se apresenta como problemática central. Ao optarmos por uma discussão em torno da função do acompanhante queremos destacar o que estrutura e torna singular tal trabalho, independentemente de quem o faz e de onde ele se passa, já que o acompanhamento pode estar atrelado ou não a uma rede institucional de caráter público ou privado e que ele pode se dar em meio aberto, tendo como referência a residência do paciente ou serviços de assistência ao psicótico, bem como no próprio hospital psiquiátrico, embora aí nos deparemos com maiores limitações.
O campo da psicose é atualmente formulado pelo atravessamento de múltiplos saberes, constituindo uma clínica ampla onde se cruzam diversas abordagens, num contraponto tanto à idéia do especialista quanto à da multidisciplinaridade. Até os anos oitenta, o acompanhante psicoterapêutico era designado como auxiliar psiquiátrico, situando-se numa relação complementar e hierarquizada diante do psiquiatra. Tal mudança de nome vem não só dar um testemunho de modificações na clínica da psicose como também cobrar do acompanhante o seu novo endereço, ou seja, o lugar onde ele se situa nesta clínica e de onde ele fala. É preciso aqui desfazermos qualquer ilusão de neutralidade, inscrevendo-nos no campo do atendimento ao psicótico através de uma prática discursiva determinada, para cada um, por sua escolha. Minha escolha é pela psicanálise de orientação lacaniana como leitura possível do acontecimento psicótico e sua clínica.
Os problemas humanos, tanto para o psicótico como para qualquer outra pessoa, se apresentam em duas dimensões fundamentais de engajamento subjetivo. A primeira delas diz respeito à estética, como uma exigência interna do sujeito, que visa produzir algo mais, algo relacionado à criação e ao belo, ao defrontar-se com a insuficiência e os impasses que a experiência da “normalidade” lhe coloca, levando-o a arriscar seu ser num processo permanente de criação e ruptura. A outra dimensão refere-se à ética, ou seja, o campo de singularidade que o sujeito constitui através de suas escolhas, ao articular seu desejo à coexistência social e ao reconhecimento do outro. A nosso ver, os pontos de vista biológicos e comportamentais não dão conta de tais dimensões, e esses problemas vão requerer uma abordagem onde pressupomos a existência de um sujeito responsável por seus atos, até mesmo nos momentos de maior desestruturação, abordagem essa que irá privilegiar uma escuta do desejo deste sujeito e portanto do inconsciente, tendo como ferramenta de trabalho, por excelência, a palavra e uma relação de confiança mútua, que se estabelece através desta interlocução, a que chamamos de transferência. Dentro desta visão, os sintomas psíquicos serão antes uma resposta à ação clínica e à posição dos que aí atuam do que problemas em si mesmos. Tais atores estão implicados tanto na constituição do quadro clínico como na direção visada pelo tratamento.
Em “Linhas de Progresso na Terapia Analítica” (1918), Freud aponta alguns desafios com os quais a psicanálise vai-se defrontar, afirmando-se pronto para “admitir as imperfeições de nossa compreensão, a aprender novas coisas e a alterar os nossos métodos de qualquer forma que os possa melhorar” (p.201).
O primeiro destes desafios refere-se ao tratamento de “pacientes tão desamparados e incapazes de uma vida comum que, para eles, há que se combinar a influência analítica com a educativa” (p.208). O segundo está ligado à extensão da psicanálise ao campo da saúde pública e onde seria provável que estivéssemos forçados “a fundir o ouro puro da análise livre com o cobre da sugestão direta” (p.211). Em ambos os casos, seguem-se a essas observações advertências no sentido de que “o paciente deve ser educado para liberar e satisfazer a sua própria natureza, e não para assemelhar-se conosco” (p.208), e que “qualquer que seja a forma que essa psicoterapia para o povo possa assumir, quaisquer que sejam os elementos dos quais se componha, os seus ingredientes mais efetivos e mais importantes continuarão a ser, certamente, aqueles tomados à psicanálise estrita e não tendenciosa” (p.211). Assim, Freud coloca-nos diante de dois impasses, já que as tentativas de ampliar a clínica psicanalítica para além do divã, do consultório privado e do atendimento ao neurótico vêm sempre acompanhadas de uma suposta contaminação da psicanálise por elementos que não lhe são próprios, ou sejam, a influência educativa e a sugestão direta. Cabe-nos, portanto, ou admitir que tais elementos são inerentes à prática psicanalítica na rede pública e junto a pacientes mais graves, ou refletirmos sobre esses impasses a fim de nos interrogarmos a respeito do dispositivo que constitui o tratamento analítico e de nos comprometermos com a renovação do trabalho junto ao psicótico, operando mudanças nesta clínica que nos conduzam a uma psicanálise viável neste campo, mas que, ainda assim, possa ser chamada de psicanálise. A questão de uma psicanálise viável vem incidir nas dicotomias colocadas tanto por Freud como por Lacan sob as formulações “do ouro e do cobre da psicoterapia” e da “psicanálise pura e aplicada”, respectivamente, no sentido de podermos superá-las.
Por outro lado, Freud escreve em “Novas Conferências Introdutórias sobre Psicanálise” (1933): “Via de regra, a psicanálise possui um médico inteiramente, ou não o possui em absoluto”. Após essa frase, Freud comenta que os psicoterapeutas que “empregam a psicanálise entre outros métodos psicoterápicos não a aceitaram toda, tornando-a aguada”. (p.186-7). Não há espaço para concessões ou meios-termos. Ironicamente, Freud afirma que “os êxitos terapêuticos da psicanálise não podem competir com os milagres da Virgem de Lourdes” (p.186) e que quando se trata da psicose os problemas são ainda maiores. Muitas vezes, parece que se verifica que aquilo que está faltando ao tratamento é apenas a necessária força motriz, e que essa falta impede a modificação de se efetuar. “Determinada relação de dependência ou um componente pulsional especial podem ser demasiado poderosos em comparação com as forças opostas que somos capazes de mobilizar. É o que universalmente ocorre nas psicoses. Compreendemo-las até o ponto de sabermos muito bem onde aplicar as alavancas, mas estas não poderiam mover o peso. É verdade que, neste ponto, cabe a esperança de que no futuro o conhecimento da ação dos hormônios – vocês sabem do que se trata – nos brinde com os meios para combater com êxito os fatores quantitativos da doença, mas hoje estamos sem dúvida longe disso. Apercebo-me de que, em todos esses assuntos, a incerteza é um estímulo constante para aperfeiçoar a análise e especialmente a transferência” (p.188-9). É aí que pretendemos situar o acompanhamento psicoterapêutico como mais uma alavanca, que venha mobilizar novas forças no interior do campo psicanalítico.
II. Demanda de Tratamento
É sabido que em psicanálise não há paciente à revelia de si mesmo. A demanda feita ao psicanalista é feita por iniciativa própria e é o modo como ele interpreta seu sintoma a partir do desconforto que este lhe causa. Quanto ao sintoma psicanalítico, ele só existe enquanto tal se falado pelo próprio paciente; o sintoma freudiano só existe a partir do discurso do paciente e no endereçamento deste ao analista. Neste sentido, o analista faz parte do sintoma que se constitui na experiência psicanalítica pela via da transferência, o que implica o analista tanto no quadro clínico quanto na direção visada no tratamento. Assim como no trabalho com crianças, a busca de tratamento para o psicótico freqüentemente se dá através de terceiros; especialmente no caso do acompanhamento, este costuma ser demandado por familiares, psiquiatra ou psicanalista. Nos hospitais psiquiátricos tal demanda muitas vezes é feita através de vizinhos e mesmo do poder público. Do ponto de vista da psicanálise, nos deparamos com conflitos e contradições ao acolher ou não tais pedidos. Se o paciente está doente, nestes casos, é por dificuldades na sua adaptação social, o que é um dilema para a sociedade ou o grupo familiar; entretanto, não raro também o é para o paciente, constituindo-se aí uma porta de entrada para um possível tratamento. A clínica da psicose envolve, portanto, algo impossível de suportar, ou seja, uma invasão do Real, tanto para o sujeito como para o corpo social. Muitos psicóticos não chegam a tratar-se pois constróem uma suplência à ausência fundamental de lei simbólica, que os poupam da descompensação psicótica, suas conseqüências desastrosas e sua fenomenologia.
Como devemos, sustentados pela ética psicanalítica, nos posicionar diante desta demanda “terceirizada”? Podemos nos tomar por psicoterapeutas, num sentido amplo, o que não implica, em absoluto, que o psicótico também o faça. Neste caso, não estaríamos fazendo mais do que tentarmos impor-lhes nosso próprio sintoma. As atividades de apoio têm seu mérito social e mesmo psíquico, mas até que ponto nos levariam ao campo da psicanálise? Entretanto, a psicanálise pode ao menos nos informar a respeito da eficácia, funções e limitações de tais atividades, pois se nos metermos a apoiar uma histérica, por exemplo, diferentemente do psicótico, só a veremos afundar ainda mais. Estabelecer diferentes estruturas clínicas, reconhecendo que todas elas implicam um modo específico de negação do saber acerca da castração, nos obriga a pensar os distintos mecanismos através dos quais o sujeito constrói sua sintomática, bem como a direção do tratamento.
Lacan nos advertiu sobre a importância das entrevistas preliminares em análise, no sentido de que uma demanda nunca deve ser aceita em estado bruto, e sim interrogada, consistindo essa interrogação numa implicação do sujeito em relação ao seu sintoma ou àquilo de que ele se queixa, re-situando sua responsabilidade essencial no que lhe ocorre, passando a queixar-se de si mesmo, o que foi chamado por Lacan de “retificação subjetiva”. Nestes moldes, a elaboração da queixa apresentada, como sintoma analítico propriamente dito, nada mais é do que o sintoma sob transferência. Isto equivale a dizer que o sujeito coloca o analista no lugar daquele que supõe poder trazer à luz significantes supostos que lhe darão sentido. Esses dois pontos são de especial dificuldade na clínica da psicose pois o sujeito está aí quase que inteiramente reduzido à posição de objeto de gozo de um Outro todo-poderoso e em suas certezas delirantes resta pouco ou nenhum espaço para a dúvida e para um enigma a respeito de si, que reclama por uma resposta ou um sentido. A questão de se o psicótico pode vir ou não a fazer apelo a um sujeito suposto saber, bem como em relação a suas possibilidades de fazer laço social parecem entretanto de resolução mais difícil no plano teórico do que no plano da observação e prática clínica.
Nas crises mais agudas, há uma predominância do agir em detrimento da palavra, o corpo está dissociado da cadeia significante e o sujeito expõe os outros e a si mesmo a muitas situações de risco. Pelo que vimos no parágrafo anterior, não podemos esperar do psicótico um chamado sem ambigüidades. O que o analista pode fazer aqui é exercer uma espera ativa. Esperar, antes de tudo, que um pedido de tratamento possa ser minimamente formulado e endereçado aos profissionais envolvidos ou à instituição. Além disso, servir de testemunho do que o paciente faz ou diz durante a crise. Esse testemunho, associado à historicização não só da crise como de toda a história do sujeito relatada por ele próprio e seus familiares, permite-nos fazer um traçado, produzir conexões, criar sentido com conseqüências transformadoras e levar o paciente a circunscrever algumas questões que poderão dar início a uma demanda de tratamento, que deve ser acolhida, ainda que não venha a se constituir como uma demanda de análise, de cura individual enquanto trabalho de reconstituição dos significantes primordiais da sua história. Assim, talvez faça mais sentido falarmos que no início do tratamento do psicótico o que se produz é mais da ordem de uma “retificação do Outro” do que de uma retificação subjetiva, isto porque vai haver alguém que nada sabe, mas que quer saber e ouvi-lo, alguém que vai demandar do psicótico uma palavra interrogando-o sobre suas próprias questões, sobre sua posição de sujeito responsável, apresentando-se como um Outro barrado no lugar de alguém que está sempre a falar por ele ou mesmo a falar com ele, ordenando-o imperativamente, sem negociações ou acordos verbais. Esse trabalho demanda muitas vezes uma insistência por parte do analista ou acompanhante, que investe seu desejo no resgatar de um sujeito em certos pacientes que não raro parecem já ter feito uma ruptura total com o universo simbólico. Isto implica que, em muitas ocasiões, tenhamos que ir ao encontro ao paciente, chamá-lo, apresentá-lo aos serviços especializados, atendê-lo em sua residência e não simplesmente esperarmos que ele chegue até nós.
É na medida em que o analista ou o acompanhante oferece espaços de simbolização ao psicótico, mostrando-se submetido também a certas leis e escapando das relações duais regidas por jogos de poder ou sujeição afetiva e emocional, bem como “emprestando seu corpo”, marcando presença junto ao paciente, que algo da ordem da recomposição do campo imaginário em franco estilhaçamento vai-se fazendo. O acompanhante serve como mediador, intervém ativamente em situações críticas da realidade da vida cotidiana do paciente, acompanha-o à análise, principalmente nos momentos de crise; apóia na resolução de problemas concretos; ajuda na tomada de decisões e assim como a própria medicação, permite por vezes que o trabalho de análise possa prosseguir na “outra cena”.
Não raro somos chamados por analistas para acompanhar seus pacientes com o argumento de que vêm precisando intervir muito na vida do paciente, estreitar excessivamente suas relações com os familiares, que está saindo do seu “lugar” e que isso está comprometendo o processo analítico. Os psicóticos colocam constantemente à prova os laços e limites da relação com o analista, através de múltiplos actings-out. É curioso notar que, com a entrada dos acompanhantes, muitas vezes passa a ficar mais claro para os próprios pacientes que a única coisa que lhes é requerida em análise é a palavra, e que, quando os recursos simbólicos estão escassos, a palavra falta e surgem as passagens ao ato e as demonstrações espetaculares de crise, essas passam a se dar na presença dos acompanhantes, demarcando mesmo nestas atuações um certo endereçamento, e permitindo assim que um trabalho psíquico possa vigorar.
III. Alguns Pressupostos
A maioria dos psicóticos, aqueles que não representam grandes riscos a si mesmos ou a terceiros, podem ser tratados em meio aberto, extra-hospitalar, mantendo-se para tal uma equipe e um espaço estável e contínuo que lhes sirva de referência. Essa modalidade de tratamento modifica a evolução da problemática desses pacientes, limita a cronicidade, minimiza a marginalização, aumenta as possibilidades de rearticulação social e as possibilidades transformadoras de uma situação de crise.
É possível tratar o psicótico com uma abordagem psicanalítica, sob a condição de adaptá-lo à problemática particular que a psicose apresenta. A cura individual através do processo analítico deve ser aliada a um conjunto de intervenções por parte de diversos profissionais, que toquem as diversas esferas da vida do psicótico que foram afetadas.
Devido a sua estrutura, o psicótico se vê como um objeto alienado às exigências de um Outro todo-poderoso; por isso mesmo, ele não pode ser tomado como um objeto de cuidado por métodos bioquímicos, psicoterápicos ou psicopedagógicos. Assim, uma palavra é reclamada ao paciente em termos de sua demanda de tratamento; por menos articulada que essa seja, ele deve tomar decisões relativas a seu plano de tratamento e seu projeto de vida. Marcar sua participação no contrato terapêutico é fundamental para o desenvolvimento do trabalho. O tratamento supõe a implicação do paciente como membro ativo da equipe de cuidado e sua progressiva autonomização em relação a essa.
O laço social, ou seja, a relação do sujeito com a Lei, o discurso que a partir daí vigora, bem como a sua inserção na sociedade e na cultura estão mal estabelecidos para o psicótico, o que o leva a viver as relações com os outros como relações de força, não dialetizáveis. Para sair dos jogos de poder e de força é importante fornecer ao psicótico limites verbais e simbólicos, no lugar dos limites dados pelos muros institucionais ou sobre o seu corpo mais diretamente. O psicótico é incitado à tomada da palavra e à criação de lugares de negociação ao invés da passagem ao ato. Nesse sentido, o contrato terapêutico e algumas regras de trabalho devem ser estabelecidos desde o início do tratamento, funcionando como um terceiro, um testemunho das regras sociais exteriores às relações duais, pessoais e afetivas. Esses limites passam a ser comuns a todos e livram o psicótico da sensação de ser perseguido ou estar entregue aos caprichos do Outro. É claro que o respeito a essas regras constitui em grande parte o próprio trabalho, um trabalho de restauração, que não se faz de uma hora para outra. Entretanto, regras como, por exemplo, não agredir fisicamente, respeitar horários e pontos de encontro, pagar pelos custos dos serviços, restaurar objetos danificados, não utilizar drogas durante os atendimentos e outras têm para todos um efeito de segurança e ajudam nos momentos mais difíceis de convivência.
Cada uma de nossas intervenções deve ser pensada a partir dos efeitos clínicos que ela produz, sendo essencial a existência de um sistema de comunicação e informação entre a equipe a fim de estabelecermos uma reflexão crítica e contínua das nossas proposições acerca do tratamento, que sustentem uma prática.
IV. O Acontecimento Psicótico
Quando o acontecimento psicótico se dá através da irrupção de um surto, o que ocorre é um acidente psíquico, desencadeado por diversas razões, que levam o psicótico a algo impossível de simbolizar, onde suas possibilidades metafóricas se restringem e a articulação com a ordem simbólica que a Lei sustenta é anulada. A crise vem como uma ruptura com o universo, “crepúsculo do mundo”, como disse Lacan. Um Outro não barrado passa a exercer uma influência esmagadora sobre o psicótico, tomando a forma de diversos seres imaginários, que comprometem qualquer idéia de unidade em relação ao eu e ao corpo do psicótico. O estilhaçamento do imaginário tem como conseqüência a manifestação de inúmeros outros na forma de alucinações verbais (palavras ou frases incompletas que são ouvidas pelo psicótico) ou mesmo visuais, além da variedade enorme de fenômenos descritos pela psiquiatria.
A palavra do psicótico é contaminada pela presença de um Outro que o controla. Levado pelo gozo desse Outro, reduzido à condição de objeto e vítima de seu gozo, esse sujeito se vê invadido por suas próprias pulsões, no retorno de um gozo sem borda, perseguido por incessantes demandas imaginárias. O psicótico se aliena, oferecendo seu ser em resposta a essa demanda absoluta. Ameaçado de extermínio, ele sofre com a solidão e o isolamento, e gasta toda sua energia tentando fugir deste empreendimento destrutivo.
Contra essa invasão do Real virão algumas palavras, atitudes e gestos “estranhos”, frases murmuradas e o delírio. A produção pelo psicótico de uma obra escrita, plástica, musical, etc., ou seja, de algo que delimite ou esboce um objeto que se separa de si mesmo ou uma construção delirante que será a base de uma explicação que o faça restabelecer a ordem das coisas, descobrir algum sentido, recriar sua concepção de mundo e das relações com os outros será aquilo que, fundamentalmente, lhe permitirá continuar a viver, ainda que muitas vezes este seu espaço de vida se encontre bastante comprimido nos momentos em que ele se vê obrigado a realizar este trabalho de modo incessante e ininterrupto.
Nesse momento, o trabalho do psicótico consiste na reconstituição das barreiras simbólicas e imaginárias que visam construir um limite à invasão pulsional, onde retorna o gozo do Outro. Nossa função aqui é acompanhar esse trabalho, operando como prótese quanto ao imaginário e barra em relação ao Outro. O dispositivo do acompanhamento dirige-se à mediação das relações do psicótico com o mundo, na rearticulação dos vínculos sociais e na reconstituição da imagem corporal. A construção de uma metáfora delirante que venha suprir a ausência do significante do Nome do Pai é um trabalho que pode vir a ocorrer ou não dentro de uma análise a longo prazo, concomitante ou não à estabilização imaginária conquistada pelo psicótico.
Uma das dificuldades que encontramos no acompanhamento é que, em geral, nos deparamos com um paciente numa crise que, pelo menos para nós, se constitui como a primeira. Por mais que cheguemos já com algumas informações fornecidas por outros profissionais ou familiares, vão nos faltar partes essenciais da dinâmica psíquica daquele sujeito, sua história, o que constitui para ele seus impasses e, principalmente, os recursos de que ele dispõe para superá-los. No atendimento em hospitais isto se torna ainda mais complexo, devido à grande rotatividade de pacientes. Entretanto, a busca de informações através da fala do próprio paciente vai não só facilitar o trabalho como criar um primeiro laço terapêutico.

V. Circunscrição do Terreno do Grande Outro
Visamos reconstituir uma esfera de atividades psíquicas a partir da qual o psicótico possa se articular com a vida social, saindo do isolamento, desafiando dificuldades de pragmatismo, tomando certa distância em relação à sua loucura e fazendo com que seu delírio se transforme em um trabalho que opere de modo funcional e produtivo para si mesmo, podendo retomar um certo controle de sua vida pessoal e social, passando por uma certa crítica do seu modo de se relacionar com esta, estabelecendo seus projetos e objetivos, e por fim tirando daí algum prazer da coexistência com os outros e de sua progressiva autonomização.
A entrada dos acompanhantes cria o que poderíamos chamar de moldura simbólica e coloca a possibilidade de um restabelecimento do laço social para o psicótico, uma retificação onde ele vai reencontrar-se com as vantagens e também com as contrariedades que a vida social evoca. Ele torna-se um entre outros e não está mais tão só e isolado dentro de um delírio com personagens imaginários. A equipe de acompanhantes deve ser bem definida e tentar ao máximo manter-se estável em sua composição, plano de intervenção e projeto para o acompanhamento.
Nos casos onde surgem problemas ou rejeição com relação a um dos membros da equipe, por parte da família ou do próprio paciente, ela, como um todo, busca a coesão e a transformação desses problemas em um trabalho terapêutico, ligado à própria recomposição do mundo imaginário do paciente, oferecendo-se como ponto estável de reparação. A comunicação sincera e contínua entre os acompanhantes acerca dos últimos acontecimentos da vida do paciente e de suas relações com cada um dos acompanhantes é fundamental para que isso possa ocorrer. Repetimos o mesmo no que se refere aos demais profissionais envolvidos no caso, mantendo-os sempre bem informados sobre o paciente e sobre o acompanhamento. Além disso, uma referência clínica comum ajuda muito a guiar nossas intervenções, bem como sustentar coerentemente a proposta de tratamento e a especificidade dos lugares e funções de cada profissional.
Malgrado o grau de desorganização do paciente, o acompanhante mantém com ele o contato e o laço, nem que seja apenas através de sua presença física, muitas vezes silenciosa, funcionando como um suporte em tempos de crise, ouvindo atentamente o que vai-se esboçando enquanto construção delirante. Num segundo momento, um aspecto particular do trabalho é a delimitação do delírio do psicótico como preliminar ao desenvolvimento de um espaço subjetivo. O delírio funciona aqui como uma ficção provisória que vem dar sentido à vida. É necessário dizer que as coisas não se passam assim de modo tão linear. Ainda que o psicótico tenha tendência a estar, em maior ou menor grau, em posição de objeto diante da demanda do Outro, supomos nele um sujeito e o acompanhamos em suas tentativas de expressão.
Primeiramente trata-se de criar uma relação de confiança para que uma palavra possa advir e que possam ser instaurados espaços de palavra. A escuta do acompanhante se situa no campo analítico, embora ele não esteja em posição de analista. Assim, o acompanhante identificará o modo de funcionamento próprio de cada sujeito; reconhecerá os momentos fecundos e as diversas etapas do tratamento; irá reparar os sinais que anunciam novas crises, bem como os motivos desencadeantes; pesquisará como se articulam os elementos delirantes com a história do sujeito.
É pela escuta do discurso que recolhemos os elementos que permitem assistir o psicótico no trabalho de delimitação do terreno do Outro e de destacamento de um espaço subjetivo. Esse trabalho não é uma alternativa à cura analítica; esta se passa à margem das decisões que orientam o trabalho dentro da realidade concreta da vida do paciente. Nossa intervenção tenta estabelecer condições de possibilidade para que o trabalho analítico ocorra.
Orientados pela psicanálise, o acompanhante se situa como “testemunho” e “secretário”, como disse Lacan, não colocando em dúvida os dizeres do psicótico, nem verificando a veracidade de seu discurso em termos dos “dados da realidade”. O que se oferece aqui ao psicótico é uma possibilidade de falar sem ser rejeitado, de não estar tão só. Paralelamente o acompanhante age sobre a palavra delirante marcando seus limites e fazendo surgir furos, ou seja, nem tudo pode ser atribuído ao Outro. Buscar brechas num universo fechado é produzir o descolamento de um certo espaço subjetivo. O trabalho de circunscrição do delírio assume várias formas.
O ato da palavra constitui a primeira borda no campo do Outro. A colocação em palavras cria anteparos à dispersão e especularização no campo do imaginário. Para que essa palavra seja dita é preciso que haja alguém desejando ouvi-la. O acompanhante situa-se no exterior do delírio, evitando “misturar-se” ou identificar-se com personagens imaginários, ainda que não seja neste lugar que o psicótico o veja ou tente colocá-lo. Em posição de terceiro em relação ao sujeito psicótico e ao seu outro imaginário, ele exerce, por sua escuta, um efeito limitativo do espaço delirante. O discurso delirante não pode tomar todo o espaço da palavra, ele deve e pode tomar não só um tempo limitado, como outras formas de expressão.
O acompanhante introduz novas preocupações para o paciente, demanda que certos aspectos de sua vida cotidiana sejam negociados, estabelecendo limites através de acordos verbais acerca de aspectos da vida cotidiana, tais como tarefas domésticas, administração da medicação, desempenho nos estudos ou trabalho, engajamento em algumas atividades, respeito a compromissos estabelecidos com os acompanhantes, ciclos de sono, etc. As atividades a que nos referimos aqui podem ser exemplificadas com passeios; programas culturais ou artísticos; práticas esportivas; jogos e brincadeiras; leitura; projetos laborativos, artesanais ou intelectuais; etc. Essas exigências e propostas se orientam pela percepção daquilo que o acompanhante pôde observar dos focos de interesse ou esboços de desejo por parte do paciente. Esse destacamento do espaço subjetivo não pode ser feito senão a partir da história pessoal do sujeito e de certos elementos contidos em seu discurso delirante. Qualquer projeto social que faça sentido para ele tem que estar relacionado à sua história. É do espaço de subjetividade que preserva uma certa exterioridade em relação ao delírio que se faz a aprendizagem das dúvidas, das inseguranças e da impossibilidade de certas coisas. Apela-se aqui também a uma certa rentabilização das idéias delirantes, a um certo remanejamento que levará o sujeito a fazer laço social. Cabe aqui o exemplo de Sara (18 anos), cujo delírio expressava-se através da idéia de pertencer ao mais baixo escalão entre os humanos, uma vez que ela não tinha alongamento como os outros. Alongamento significava, para ela, abertura das pernas, coisa que os pais têm que exercitar junto aos filhos desde seu nascimento. Tomada por essa idéia, toda sorte de insucessos passam a ocorrer em sua vida. Sara sonha que se tornará uma ginasta olímpica. A partir deste sonho os acompanhantes passam a motivá-la a conhecer lugares onde se trabalha com alongamento. Os caminhos aí trilhados são os mais tortuosos e os empecilhos infindáveis. Nós estamos ao seu lado. Após quatro meses de trabalho, Sara interessa-se pela natação, algo compatível com seu recursos físicos e psíquicos, entra para sócia de um Clube e faz uma turma de colegas, onde tem muitos “gatinhos”.
Percebemos, que apoiados não na idéia de exclusão ou de calar o delírio, mas na crença de que é possível ao sujeito uma certa gestão do imaginário, podemos esperar que o psicótico se articule como sujeito social. Trata-se de um trabalho onde o indivíduo aprende que a cura não é absoluta e sim relativa, e que está em função de uma atitude de modificação e recolocação diante do mundo.

VI. Restauração do Vínculo Social
Além da palavra, o psicótico busca outras formas de expressão e meios de interagir com os acompanhantes e o ambiente social. O psicótico, em função de sua própria estrutura e da decomposição do imaginário, parece estabelecer múltiplas transferências, tanto em termos de objetos, como de lugares. Aí se insere a idéia de desenvolver atividades junto ao paciente. As atividades, no contexto do acompanhamento domiciliar, estão em geral ligadas ao serviços oferecidos pela comunidade, enquanto nos centros de tratamento algumas atividades são desenvolvidas nas chamadas Oficinas ou Grupos de Trabalho. Durante certo tempo, sua motivação vai repousar sobre o desejo do acompanhante, que é o de que qualquer coisa se passe além do imaginário; estabelecendo certas condições necessárias à rearticulação social do psicótico, respeitadas suas diferenças e limitações; fazendo-se de barra, anteparo frente à invasão do Real. É curioso notar e descrever alguns recursos utilizados por pacientes, como medidas protetoras, frente a esta invasão, tais como o uso de turbantes para dificultar transmissão e leitura de pensamentos, curativos para tapar “feridas”, bandagens para estancar o “sangue” ou impedir que ele seja sugado, algodão nos ouvidos para amortecer o som das vozes, etc.
O acompanhante ajuda o sujeito a organizar sua vida cotidiana e a escolher o que quer fazer, animando-o e estimulando sua participação. Cremos que, por meio de atividades, as ansiedades do psicótico possam ser parcialmente mobilizadas, no sentido de um certo apaziguamento. É importante ressaltar que as atividades também demandam do acompanhante seu interesse pessoal e suas próprias habilidades. Além disso, a rotina e o trabalho com os acompanhantes vêm limitar a desorganização do imaginário e servir como pontos de ancoragem na “realidade”. A produção que daí resulta ajuda o sujeito psicótico a encontrar reconhecimento e mesmo satisfação na sua nova coexistência com o outro. Não se trata apenas de passar o tempo, mas de resgatar o gosto pela produção e o lazer; estruturar relações entre espaço e tempo; descobrir interesses pessoais; levar à construção de um projeto de vida; permitir a criação de relações com a comunidade; incentivar a formação de grupos que lhe assegurem um lugar e a experiência de compartilhar objetivos.
É por uma tomada de responsabilidade pessoal dos elementos de sua vida e pelo conhecimento que o paciente tem agora de recursos para lidar com seus impasses que poderá se operar uma progressiva autonomização de crise em crise, desde que estas tenham sido, num sentido geral, bem acompanhadas, e que o paciente retire daí um saber; no mínimo o de que pode pedir ajuda a alguém ou a algum lugar. Trata-se para o psicótico de poder integrar diferentes elementos e poder geri-los ele mesmo, servindo-se muitas vezes do que pôde viver e descobrir durante o acompanhamento.

A ordem simbólica pode ser definida como o conjunto das regras sociais, convenções, leis em curso numa dada cultura que constituem uma determinada realidade social. Para o psicótico, todo esse domínio está muito comprometido e gera toda sorte de problemas na convivência com familiares, vizinhos, amigos e colegas de trabalho. Ele torna-se ansioso, fala coisas incompreensíveis para os outros, tem comportamentos “estranhos” e contesta a ordem social como algo puramente arbitrário, que repousa sobre as fantasias, o humor ou as emoções daqueles que tentam fazê-lo respeitá-la. A necessidade de um enquadramento simbólico como algo que pode assegurar um lugar a cada um e tornar possível a vida em sociedade lhe escapa. A ordem simbólica é vivida como um poder que se exerce sobre ele, para a satisfação do outro. O laço social foi rompido e o acompanhante irá assistir o psicótico em suas dificuldades na restauração da ordem simbólica. Ele serve de intermediário, na medida em que privilegia contratos e negociações acima de qualquer outro jogo emotivo ou de poder. O paciente é convidado a fazer face a essas dificuldades entrando numa nova relação com a palavra. Para além da confrontação ou das relações de força, o acompanhante coloca as regras como um terceiro, exterior às duas partes presentes, escapando das relações duais especulares, como que dizendo “não sou eu que faço as leis e devo respeitá-las tanto quanto você”. A palavra partilhada é a maior garantia da não-coerção. A palavra é sempre solicitada em lugar da passagem ao ato, ou mesmo após dela, quando algo acontece.

A ferramenta básica de trabalho do acompanhante é a palavra. Essa palavra pode não só trazer questões ou servir para negociações, mas também ser uma palavra tranquilizadora, uma palavra que estabelece limites. Nos momentos de maior insegurança, medo ou ansiedade, a escuta do acompanhante é uma forma de acolhimento do seu sofrimento e sua demanda de que o paciente tente verbalizar o que está se passando com ele pode ser da maior eficácia para baixar a tensão, servindo para evitar o uso excessivo de medicamentos, ou seja, o medicamento que cala.
Tratando da questão do vínculo social, não poderíamos deixar de tocar aqui no assunto do nosso trabalho junto à família do psicótico. Lembrando Freud, repetimos que a família é o primeiro grupo social do qual o sujeito faz parte. A observação e análise das estruturas familiares permitem-nos identificar melhor a posição do sujeito no grupo e os jogos que aí se produzem e que podem se repetir na modalidade de sua articulação com todo o campo social.

O acompanhante é um ponto de referência estável e suporte não só para o paciente mas para a família, que, quando chega a solicitar nossos serviços, já está em geral cansada, desesperançada e principalmente sentindo que seus recursos para lidar com a situação estão esgotados. Em geral, paradoxalmente, a família parece já saber tudo sobre ele. O papel do acompanhante, aqui, é não só compartilhar com a família os projetos e responsabilidades quanto ao tratamento (o engajamento da família no processo é de crucial importância), como fazer com que o paciente seja re-conhecido por ela como sujeito. Além disso, o acompanhante pode contribuir para intervir e tentar desatar situações familiares problemáticas e nocivas ao paciente durante a permanência em sua residência e a partir do convívio com seus familiares. Informar os demais profissionais envolvidos no trabalho sobre a dinâmica familiar contribui para o bom andamento do tratamento como um todo.

As intervenções junto à família visam favorecer uma melhor coexistência entre os seus membros, no interior de um certo quadro de exigências sociais, colocando limites nas demandas excessivas de alguns, estabelecendo regras de convivência, encorajando todos a assumir suas responsabilidades. Tudo isso com o objetivo de tornar viável uma vida em comum, baseada no respeito mútuo, ao tomar a palavra como veículo dos desejos de cada um.
Finalizaremos esse trabalho com o depoimento de Hélio (33 anos), que ilustra toda a trajetória de um acompanhamento, conforme as definições e propostas que aqui defendemos. Seu primeiro surto ocorre aos 31 anos e o delírio que aí constrói o coloca como membro de uma ordem religiosa denominada “Pretendeu”. O que esse nome oculta, segundo ele é: “pretendeu ser um artista de vanguarda”. Através dessa filiação imaginária, Hélio ancora-se ao significante “artista de vanguarda”, passa a expressar-se através da pintura e construção de instalações, superando o que ele designou como “fase do bloqueio”, onde permanecia isolado e calado. Recentemente ele nos diz: “Comecei com a pintura figurativa, mas essa não faz mais do que reproduzir as coisas como elas são. Passei para a arte moderna, pois ela busca um conceito, representa alguma coisa, tenta integrar a massa (o material) ao traço (o elemento pictórico). Não gosto do expressionismo; a pessoa fica muito exposta à crítica, acham que o artista é maluco. O que gostaria mesmo de fazer um dia é arte participativa, como o trabalho de Lygia Clark. Aí o artista não fica mais tão só, ele rompe com o isolamento e pode interagir com os outros”.

Bibliografia
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BITTENCOURT, Lígia. “A Clínica das Entrevistas Preliminares nas Toxicomanias: Desmontagem da Demanda de Tratamento”, in De Quem Se Trata? Notas para uma Clínica das Toxicomanias, Cadernos do NEPAD/UERJ, Ano 1, nº 1, Maio de 1993.
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REIS, Raymundo de Oliveira. Acompanhamento Terapêutico: Emergência e Trajetória Histórica de uma Prática em Saúde Mental no Rio de Janeiro. Dissertação de Mestrado em Psicologia Clínica na PUC/RJ, Março de 1995.

Artigo publicado no “Site AT” em 03/10/2002.

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