O Acompanhamento Terapêutico no Contexto da Reforma Psiquiátrica no Brasil

RESUMO

O seguinte trabalho tem como objetivo abordar a modalidade do acompanhamento terapêutico e proporcionar uma reflexão quanto à ética e prática do profissional desta área. Também remonta a construção da reforma psiquiátrica no Brasil e por fim auxilia o pensamento em direção a uma possível e fundada desinstitucionalização da loucura em nossa sociedade.

Palavras Chave: acompanhamento terapêutico, reforma psiquiátrica, desinstitucionalização.

INTRODUÇÃO

Pelos seguintes estudos bibliográficos, o acompanhamento terapêutico surge em um momento propício para a desinstitucionalização da loucura e em benefício da reforma psiquiátrica.

Apesar de nem todos os acompanhantes terapêuticos terem claro este contexto histórico e quiçá o valor de desconstrução de uma forma institucionalizada erigida de se fazer psicologia, essa modalidade continua sendo de grande auxilio e mútuo benefício tanto para quem acompanha quanto para quem é acompanhado.

Quem acompanha tem a possibilidade de vivenciar e/ou acompanhar as questões que permeiam o outro, e efetivamente tentar ajudar a essa pessoa a sentir-se parte da sociedade em que vive sem que se veja como excluído.

É um trabalho prático de desconstrução não somente do acompanhado, mas de toda a rede de apoio do sujeito. O que nos coloca a (re) pensar que o acompanhante terapêutico pode ir além do trabalho que muitas vezes se dispõe a realizar.

Dentro deste contexto de desconstrução da patologia diagnosticada para definir uma pessoa, a reforma psiquiátrica tem seu início por volta da década de 70. A ideia principal foi e é a realização de todo um trabalho de retirada da importância da loucura em nossa cultura e a retomada da dignidade e importância da singularidade da pessoa acometida com alguma doença mental.

 

1.  PENSANDO O ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO

A partir do ponto de vista histórico, o acompanhamento terapêutico tem seu início através das experiências psiquiátricas que buscavam uma nova forma de se fazer “clínica”. A ideia era tornar lugares do cotidiano em lugares com verdadeiro potencial terapêutico, e essa é uma prática que segue até os dias de hoje.

Além deste principal ponto de referência da prática do acompanhante terapêutico, é importante lembrar que este é um trabalho que foi se construindo, como cita Márcio Belloc (1998), das reais demandas da clientela que ia surgindo.

Era, e segue sendo importante descentralizar o espaço físico para que dessa atitude possa gerar um impacto positivo tanto para a pessoa que está sendo acompanhada, como para a sociedade que reproduz e segue modelos de temor para a loucura.

Cabe ressaltar que durante várias décadas a doença mental sempre foi um tabu e alvo de muito temor por quem se considerava “normal”.

Construíam-se calabouços enormes, com condições de higiene precárias e centenas de pessoas adoecidas, psíquica e fisicamente, eram jogadas nestes lugares e condenadas muitas vezes a passar o resto de suas vidas sem o mínimo de humanidade e dignidade.

Assim era e até hoje o medo daquilo que está atrás dos muros do hospício ainda invade as nossas cabeças nos fazendo acreditar que este é o melhor lugar para osditos loucos, ou melhor dizendo, para a nossa proteção pessoal.

O autor ainda diz que o trabalho do acompanhamento terapêutico pode e ocasionalmente sofre críticas preconceituosas justamente por esta questão da descentralização do setting e do sujeito.

Mas ainda completa que é de extrema importância ter claro que ao utilizar a rua, dá a essa pessoa a liberdade para que possa experimentar uma outra percepção, e de fato uma integração social mais sólida, e esta integração torna-se possível com a ajuda do acompanhante terapêutico.

É um processo aonde vão criando-se situações e condições para um aflorar de potencialidades verdadeiramente modificadoras da vida do sujeito. Assim, podendo lidar muito melhor com a crise caso ela apareça, bem como a compreensão e intervenção na dinâmica familiar e na rede social.

Não estamos pondo em questão apenas o “sair para passear” com o paciente, até porque uma prática como essa poderia ser muito reducionista e acabaria por confirmar e reforçar o lugar de excluído que essa pessoa já pode ter adotado para si, ou que impuseram para ela.

O acompanhante terapêutico tem que ter a capacidade de escutar a quem está do seu lado, de respeitar seus tempos e seus momentos, e poder estabelecer um vínculo que acaba sendo em muitos casos, mais intenso do que se fosse estimulado em um setting fixo e idealizado.

Márcio Belloc (1998) toma a necessidade do acompanhamento terapêutico como uma necessidade própria do sujeito de ressignificação daquilo que está excluído em si mesmo e no espaço social.

A importância de que o paciente consiga ressignificar e expressar com a linguagem, mesmo que não seja com a fala, para o autor é o principal ponto de mutação daquele ser.

Kleber Barreto (1997) também defende que em um mundo ocidental como o que vivemos hoje, alguns aspectos como a importância que damos a doença mental e o rótulo que empregamos no outro, acabam sendo alienantes e desestimulantes.

Avaliamos e diagnosticamos o caráter do sofrimento do sujeito, mas não levamos em conta outros aspectos da vida do mesmo.

Esquecemos que a pessoa que está sendo acompanhada tem momentos de alegria, de satisfação, de desejos, de amizade, entre outros.

Pensando na origem do acompanhamento terapêutico, é certo dizermos que essa prática surge da necessidade e entendimento de que alguém não precisa ser retirado de seu convívio social, resgatando muitas vezes um significado para a sua vida.

Ainda segundo Kleber Barreto (1997):

“Nossa cultura tecnológica ocidental se especializou em formas mais sutis e complexas de dominação e, em contrapartida, nós continuamos a nos angustiar diante do novo, diante do caos. Sentimentos, emoções, pulsões eróticas, fantasias e realidade não pedem licença para se manifestarem e nós, muitas vezes, buscamos controlar tudo isso, enquanto, em outras vezes, tentamos dar conta disso pelas simbolizações.”

 

A psicopatologia traz em si esse anseio de determinar, de controlar por meio de classificações, e essa prática geralmente responde com muito sucesso a nossa cultura, a nossa maneira de pensar e de perceber os processos.

É também desta forma que consequentemente o profissional da área da saúde acaba se afastando de seu paciente e interrompendo um contato que poderia ser extremamente rico,seja para quem acompanha ou para quem é acompanhado.

Esquecer que aquele sujeito tem uma história também é esquecer que precisamos encontrá-lo na sua singularidade, do que foi vivido e nas suas angústias.

Kleber Barreto (1997) ainda propõe uma ética para o acompanhamento terapêutico que de fato se constitui na relação com o outro, definida pelo respeito e compreensão da singularidade do sujeito.

Ainda, seguindo este modelo ético, a relativização do uso das categorias psicopatológicas como instrumento de compreensão deste que está sendo acompanhado. É dizer, dar importância a todos os aspectos dos envolvidos no acompanhamento terapêutico e ter consciência da qualidade que se quer chegar na relação que irá ocorrer.

2. SOBRE A REFORMA PSIQUIÁTRICA NO BRASIL

No Brasil a reforma psiquiátrica inicia seu percurso na década de 70, em plena ditadura militar. Os hospitais psiquiátricos eram fontes de intolerância com aqueles que não tinham condições de lidar com sua doença da maneira própria.

Pessoas com maior deficiência econômica e social recebiam diagnósticos que por sua vez reforçava sua condição já imposta e supostamente irremediável.

O princípio da reforma psiquiátrica é paralelo a toda uma gama de mudanças em nosso país nessa época. Mudanças culturais, políticas e econômicas emergiam fortemente da luta de movimentos sociais.

Segundo Gina Ferreira (2006), a reforma acaba sendo um reflexo do processo de redemocratização do Brasil.

Gina Ferreira (2006) ainda explana:

“Crescia a inconformidade social com o sistema de saúde. Em 1971, o Instituto Nacional de Previdência Social – INAMPS gastava 95% do fundo de saúde mental com 269 hospitais da rede privada e em 1981 com 357. É a partir daí que se tornam inadiáveis as discussões que permitiriam a reorganização do setor, que passa a entender as práticas de saúde como práticas sociais articuladas segundo fatores econômicos, políticos e ideológicos.

Com essa preocupação, em 1976 é criado o CEBES (Centro de Estudos Brasileiro de Saúde), organizado por sanitaristas e intelectuais que, através do meio acadêmico, começam a manifestar o ideário da Reforma Sanitária. Nesse período, técnicos mais visionários do Ministério do Bem Estar Social, influenciados pelo modelo de Psiquiatria Comunitária Americana, começaram a propor mudanças no modelo assistencial. Este, assim, passa do modelo clássico, de atenção à doença já constituída, ao preventivista, implicando na criação de alternativas extra-hospitalares como as oficinas terapêuticas, hospitais-dia, programas de atenção primária, entre outros. No entanto, essa proposta não cumpriu seu objetivo, porque se centrou exclusivamente na ampliação da rede ambulatorial sendo pouco significativa a redução das internações.”

Em 1986, organizou-se a oitava conferência nacional da saúde. O intuito era promover uma melhora e maior manutenção na saúde e qualidade de vida através de várias frentes como educação, alimentação, moradia e principalmente a liberdade.

Para que esse projeto fosse implantado, era necessário também que o governo assumisse o seu papel e sua responsabilidade e dessa forma servisse como um facilitador dessas ações.

Reivindica-se então a criação do SUS (Sistema único de Saúde) que estabelece as diretrizes que permitirão estabelecer as bases necessárias para a reforma psiquiátrica.

A frase de ordem desse novo sistema era: “A Saúde Como Um Direito de Todos”. Tendo como princípios básicos a universalidade, que permite a população o acesso sem qualquer restrição aos serviços e ações de saúde, a descentralização do sistema e a hierarquização das unidades de atenção à saúde, bem como a participação e o controle da população na reorganização do serviço.

A oitava conferência dá seguimento aos seus trabalhos dividindo-se em comissões que foram compostas por segmentos da sociedade civil, como partidos políticos de esquerda, movimentos sociais e representantes do movimento sanitário, bem frentes do governo que eram favoráveis às mudanças.

Em 1988, foi possível configurar e caracterizar a saúde como um direito universal e cria-se o SUS que também estabelecia uma política para o setor privado que havia de obedecer as normas do poder público.

Cabe aqui salientar que a oitava conferência foi uma importante resposta à ausência de políticas sociais voltadas ao campo da saúde no Brasil.

E, enquanto saúde mental, foi da mesma conferência que surgiu a primeira conferência nacional de saúde mental, em 1987, e trouxe as questões da reforma psiquiátrica a tona apresentando-se denúncias sobre a violência e maus tratos nos hospícios a que os internos sofriam.

A autora ainda ressalta que foi a partir de todos estes movimentos políticos importantes e necessários para a constituição de uma (re) dignidade social brasileira que fatos históricos marcam os primeiros caminhos da reforma.

O município de Santos, um dos primeiros a aderir ao SUS, em 1989 propõe uma intervenção na casa de saúde Anchieta que havia sendo denunciada por maus tratos. Cria-se uma comissão de reorganização da assistência, que acaba sendo uma rede alternativa, e a casa é fechada.

Ainda, em 1990 a Organização Panamericana de Saúde promove a conferência regional para a reestruturação de assistência psiquiátrica na América Latina, da qual resultou a declaração de Caracas, em que se destaca a revisão crítica do papel hegemônico e centralizador dos hospitais psiquiátricos, a preservação da dignidade e direitos humanos nos serviços oferecidos, oferta de serviços que garantissem a manutenção e mais apoio ao paciente e talvez a mais significativa como símbolo da reforma psiquiátrica até os dias de hoje, a internação de pacientes quando for realmente necessário em hospitais gerais.

É dizer, o paciente com “doença mental” deve ser visto e tratado como uma pessoa que está adoecida, e não merece a desumanidade de levar consigo os rótulos da loucura que permeiam a sociedade burguesa há muitos anos.

Em decorrência de todas essas mudanças, pelo menos no cenário brasileiro, novas diretrizes acabam sendo tomadas e o ministério da saúde cria ações no sentido de reforçar a reforma psiquiátrica.

Tais como a mudança de financiamento da área de saúde mental na tabela de procedimentos do SUS, a construção de um conselho permanente de assessores estaduais de saúde mental com o intuito de gerir de maneira mais articulada os processos de mudança, pactuar com a sociedade esses processos de mudança chamando a conferência nacional de saúde mental, alterar a legislação psiquiátrica e incrementar as relações de intercâmbio internacional assessoradas pela OPAS e OMS (FEREIRA, 2006).

Apesar de já haver sido delineada como um movimento que reivindicava melhoras no campo da saúde, foi em 1992, que a reforma psiquiátrica ganha características mais sólidas no campo sócio-político durante a segunda conferência nacional de saúde mental.

Nesta nova edição, além de profissionais, participavam também alguns usuários do serviço de saúde mental que levantavam um questionamento do saber psiquiátrico e da maneira tecnicista frente a uma realidade que só eles conheciam, e ainda pediam o fim dos manicômios por meio de recursos e equipamentos não manicomiais como por exemplo, os residenciais terapêuticos, centros de atenção diária e cooperativas de trabalho na rede pública de saúde.

Foi um marco importante ter usuários deste tipo de serviço junto a suas famílias exigindo maior dignidade e políticas não excludentes no que se tratava de saúde mental. Era necessário uma revisão dos discursos, das práticas e dos valores que ainda muitos locais de assistência pública ofereciam.

A reforma psiquiátrica é um dos momentos mais importantes do ponto de vista democrático para o nosso país a partir do momento em que entendemos democracia como uma ampliação dos canais de participação, distribuição de forças entre classes e sociedade civil a favor de um bem comum.

Atribui-se a reforma uma categoria política e social principalmente por levar o coletivo à discussão sobre os conflitos de sua cotidianidade. Assim, a reforma tem o objetivo de expressar a ética em todos os domínios da vida utilizando a força do coletivo como forma de construção de uma real democracia.

A partir das reformulações da segunda conferência, algumas questões apresentadas tem uma função ainda mais norteadora para a consolidação da reforma, tais como: a fragmentação de grandes hospitais públicos em unidades autônomas com pluralidade em ofertas terapêuticas, com o fim dos manicômios investe-se em ações de sociabilidade e de desenvolvimento de potencialidades, sendo assim implantada uma rede de atenção psicossocial (CAPS) com serviço de atenção diária e com a preocupação de moradia para os usuários que enfrentavam essa dificuldade, foram criados então os residenciais terapêuticos.

A primeira conferência trouxe práticas e técnicas mais humanizadoras, mas mesmo assim não foi suficiente para romper com a lógica do saber hierarquizado e de manter uma distância de sociedade e cultura.

Foi mesmo a partir da segunda conferência que estas questões fixaram-se de maneira mais vívida e os novos serviços oferecidos então, em nada tinham a ver com os antigos hospícios.

Os CAPS, como dispositivos de bairros, estavam situados no percurso do cotidiano dos pacientes. É o ético, o técnico e o político fundidos para uma (re) visão do que todos estavam acostumados a aceitar de maneira dicotômica.

As próprias oficinas terapêuticas ganham novos significados e surgem cooperativas sociais como forma de construção e oferta de trabalho para estes que no mundo capitalista sempre foram excluídos ou privados de trabalhar por preconceito a sua doença mental.

Inclusive o lazer passa a ser questionado e deixa de ser referência de ócio como era nos antigos hospitais psiquiátricos e acaba ganhando um novo significado no que diz respeito a própria promoção da qualidade de vida.

Retomando a questão da moradia a partir deste novo prisma de promoção de saúde, a autora relata que o uso dos antigos manicômios se dava muito pelo fato de estes usuários não terem condições básicas de moradias.

Então, com a experiência dos CAPS e a fragmentação de hospitais federais, faz-se necessário, inclusive pelos baixos custos que daria ao governo, a criação de residenciais terapêuticos, o que além de tudo seria mais uma forma eficiente de melhoria na qualidade de relação entre a vizinhança.

Neste momento ficava claro que o próprio território serviria como instrumento de reabilitação e a participação da comunidade nesse processo é fundamental. Fica sendo uma construção horizontal aonde aprende-se e remodela-se conceitos e práticas antigas de maneira mais democrática visando as experiências de toda a comunidade.

Com o passar do tempo vão se estabelecendo mudanças importantes que vão ocorrer no sentido de dentro para fora da casa. A convivência nos bairros vai fazendo com que as crises típicas de transtornos psíquicos sejam melhor toleradas e a extinção gradual dos hospitais psiquiátricos se faz cada vez mais presente.

Em 2001, deu-se a terceira conferência de saúde mental na qual o tema era “cuidar sim, excluir não.”, potencializando politicamente os agentes da reforma.

A lei antimanicomial já era uma realidade, e da conferência não saiu nenhuma resolução que não estivesse equiparada com a nova lei. Gina Ferreira (2006) ainda ressalta que podem haver algumas incertezas quanto a sustentabilidade plena da reforma psiquiátrica no que diz respeito a sua transformação cultural e política, mas que sem dúvidas ela é irreversível e aponta para uma reconstrução de identidades políticas e sociais.

3. O ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO NO CONTEXTO DA REFORMA PSIQUIÁTRICA

O exercício do acompanhamento terapêutico que se dá em diversos lugares, seja na rua, em casa, no quarto, na cozinha, no shopping, em parques ou aonde for, acaba sendo uma importante ferramenta inclusive para outras disciplinas do campo da saúde poder (re)pensar suas práticas.

É justamente essa reflexão (e consequentemente essa prática), que aborda uma exigência remetendo diretamente ao contexto da reforma psiquiátrica.

Analice Palombini (2006) evoca uma questão extremamente simples mas com um caráter complexo em contra partida. O fato de o acompanhamento terapêutico ser uma clínica que tem por função a própria desinstitucionalização da clínica.

Está posto e muitas vezes essa prática é alvo de críticas justamente por esse aspecto libertador.

Não é algo simples, até porque a instituição em si encontra-se na origem da própria clínica, e para muitas pessoas com uma capacidade limitada de conseguir enxergar o dispositivo político do acompanhamento terapêutico na sociedade, acabam por vezes rebaixando-o a apenas uma prática de simples e puro acompanhamento.

A autora ainda alerta para o ponto de que o acompanhamento terapêutico não está livre do risco de constituir a rua como um espaço segregado.

Ocorre que o que já está posto pela cultura capitalista, ou seja, a aceitação da loucura como algo ruim e repugnante, pode ir além dos muros do hospício e estar cristalizado em nossas cabeças.

É preciso ir além daquilo que já está posto, imposto e petrificado em nossas ideias. Experiências desse nível na UFRGS e UFF mostraram para profissionais da área da saúde e graduandos, especificamente de psicologia,a importância e a potência do uso de dispositivos do acompanhamento terapêutico na construção de redes capazes de superar o hospício. Sobre esse dispositivo, Analice Palombini (2006) diz que:

“…um dispositivo no qual o cotidiano mesmo da vida citadina, no qual a relação entre acompanhante e acompanhado encontra-se imersa, convoca ao abandono das certezas próprias a um sistema fechado, pouco permeável à variabilidade dos jogos de força presentes no território da cidade, aos sentidos inesperados e inconclusos que emergem do uso de seus objetos ao traçado desviante de suas ruas.”

 

Sobre o que de fato é o dispositivo, Foucault (1984) explica diretamente:

“…um conjunto decididamente heterogêneo que engloba discursos, instituições, organizações arquitetônicas, decisões regulamentares, leis, medidas administrativas, enunciados científicos, proposições filosóficas, morais, filantrópicas (…) o dito e o não dito são elementos do dispositivo (…) é a rede que se pode estabelecer entre estes elementos.”

Muitos são os efeitos políticos e clínicos na vida tanto de quem acompanha como na vida de quem é acompanhado.

Para quem é acompanhado, em casos ditos graves de pessoas “inacessíveis” ou que não aceitam bem tratamentos tradicionais, o campo do acompanhamento terapêutico tem se mostrado bastante exitoso.

E ainda no caso de quem acompanha, relatam com muita vivacidade as experiências que tiveram com seus pacientes e na maior parte dos casos, significando a algo que os fez tomar outra postura no campo da clínica tradicional ou em outras áreas da psicologia.

Sobre este fato podemos pensar que o acompanhamento terapêutico proporciona uma troca daquilo que é íntimo, que é pessoal e parece estar mais ligado a uma modalidade de vivências e experimentações, o que é uma característica importante da desinstitucionalização.

Estar com o acompanhado circulando e interagindo por vários espaços da cidade pode fazer com que se tenha maior consciência da importância daquela pessoa existir e interagir.

E esse é o próprio processo de implementação da reforma psiquiátrica, colocando em análise o que está acontecendo, o funcionamento da rede e as formas como as comunidades locais vão reagindo e respondendo frente à desinstitucionalização da loucura.

CONCLUSÃO

 A realização deste trabalho é maior do que apenas a satisfação com a conclusão do curso de formação em acompanhamento terapêutico. Posso dizer que todos os temas chaves (acompanhamento terapêutico, reforma psiquiátrica e desinstitucionalização da loucura) envolvidos nesse artigo já permeavam meu interesse pessoal há muito tempo.

A forma como esses assuntos poderiam ter uma relação agradável ( e útil) para o tipo de trabalho em acompanhamento terapêutico que eu mesmo penso e pretendo pôr em prática, terminou por deixar-me muito satisfeito e com mais vontades de seguir adiante nesta profissão que pode e deve ir além do que muitas pessoas julgam que é.

Acredito que o caráter político que o acompanhamento terapêutico tem, resulta ser, tanto a curto prazo quanto a longo prazo, uma teia que ajuda a desfazer preconceitos e humanizar pessoas.

Além da “bagagem” de experiências que o acompanhado e o acompanhante trocam durante esse processo, a cidade também se transforma silenciosamente rumo a posições e posturas mais democráticas e decisivas.

Antigamente, antes da implementação da reforma psiquiátrica, era praticamente impossível transpor os muros do hospício e podia-se imaginar um mundo sem os ditos “loucos” andando soltos pelas ruas, até porque imaginar e viver algo assim, poderia ser equiparado ao caos e a negação da própria sombra do sujeito.

A desinstitucionalização da loucura aborda essa visão mais ampla e não excludente, acaba sendo parte da necessidade de nossa sociedade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  1. BARRETO, K. Uma Proposta de Visão Ética no Acompanhamento Terapêutico. In: Equipe de Acompanhantes Terapêuticos do Instituto A CASA (Org.). Crise e Cidade. São Paulo: Educ, 1997.
  2. BELLOC, M. Algumas Reflexões Sobre a Clínica do Acompanhamento Terapêutico. In: BELLOC, M. (Org. et al). Cadernos de AT: Uma Clínica Itinerante. Porto Alegre: Grupo de Acompanhamento Circulação, 1998.
  3. FERREIRA, G. A Reforma Psiquiátrica no Brasil:uma análise sócio politica. Psicanálise & Barroco. Juiz de Fora, n.1, p. 77 – 85, junho. 2006.
  4. FOUCAULT, Ml. (1984). Polêmica, Política e Problematizações. In: FOUCAULT, M. Ética, Sexualidade e Política. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004. (Coleção Ditos e Escritos, V).
  5. PALOMBINI, A. Acompanhamento Terapêutico: dispositivo clínico-político. Psychê. São Paulo, ano 10, n. 18, p. 115 – 127, set. 2006.
  6. PALOMBINI, A. (et al). Acompanhamento Terapêutico na Rede Pública: a clínica em movimento. Porto Alegre: UFRGS, 2004.

Autor

Daniel da Rocha Paiva – Graduando em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Formado no “Curso de Capacitação em Acompanhamento Terapêutico” da CTDW.

Formulário de contato on-line e 24 horas com o autor:

Tags:,

Comente aqui.