O Acompanhamento Terapêutico Como Um Dispositivo de Desinstitucionalização e de Cidadania

O Acompanhamento Terapêutico Como Um Dispositivo de Desinstitucionalização e de Cidadania

Resumo: O presente artigo visa propor uma discussão sobre a política de saúde mental atual e a influência desta na prática do Acompanhamento Terapêutico, a partir de revisão bibliográfica de estudos, sobre a Reforma Psiquiátrica, o processo de desinstitucionalização dos usuários e também de como se deu o surgimento do Acompanhamento Terapêutico. Este artigo vai ao encontro do conceito de saúde da Organização Mundial de Saúde (OMS) e do Sistema Único de Saúde (SUS) e busca relacionar como estas concepções podem acrescentar no trabalho do Acompanhante Terapêutico. Entendo que a pessoa com transtorno mental deve ser olhada como um sujeito-cidadão que se produz a partir de sua subjetividade e que também é produtor de conhecimento e saber, vendo a relação entre AT, usuário, familiares, comunidade e outros profissionais de forma horizontal, o AT torna-se assim um agente de cidadania.

Palavras-chave: Acompanhamento Terapêutico, Desinstitucionalização e Cidadania.

 

 

O Acompanhamento Terapêutico Como Um Dispositivo de Desinstitucionalização e de Cidadania

 

INTRODUÇÃO

A partir de uma lógica ainda bastante manicomial, com o surgimento dos psicofármacos, aparece a possibilidade do, até então, reconhecido como “louco” sair às ruas das cidades. Agora com este controlado quimicamente se tornaria possível, passear com ele pelas ruas da cidade. Neste contexto, surge o Acompanhante terapêutico (AT), ainda como um fiscalizador do “bom” comportamento e servindo como um vigia das instituições.

Porém a partir de uma nova lógica de Maxwell Jones, Ulisses Pernambucano e todo o movimento realizado por décadas da Reforma Psiquiátrica e da reformulação do conceito de saúde, protagonizado pelos trabalhadores e usuários, pode-se, hoje, discutir sobre a pratica do AT como um agente de cidadania, buscando agora não mais psicopatologizar o sujeito, mas sim, entende-lo como um ser integral, biopsicossocial,  trabalhando com ele inserido na sua comunidade e perto de sua família, através de uma relação horizontal.

O trabalho do AT se dá em um território movente, e é através da formação de um trabalho entre os diversos constituintes dessa relação terapêutica e social, que se forma a constante e processual formação do Acompanhamento Terapêutico, como um agente de cidadania, que visa não apenas ressocializar o portador de um transtorno mental, como também fazer com que sua comunidade passe a enxerga-lo e trata-lo como um cidadão.

 

O SURGIMENTO DO AT E A REFORMA PSIQUIÁTRICA

O AT surge a partir das mudanças que vão acontecendo na visão de saúde e das formas de tratamento à loucura. Segundo Silva & Silva (2006) com a criação dos hospital-dia, dos psicofármacos, das comunidades terapêuticas e com as novas ideias suscitadas pela reforma psiquiátrica, apareceu um cenário que exigia a diversificação das formas de cuidado.

Com a criação de psicofármacos a partir de 1949, os pacientes deixaram de ser contidos pela camisa-de-força e passaram a ser controlados quimicamente. A prática do Acompanhamento Terapêutico (na época com outras denominações) surge neste contexto, pois, com o surgimento de uma substância capaz de conter o “louco perigoso” permitiu-se a “circulação de psicóticos” pela cidade.

Só a partir disso, a reinserção social surge como uma possibilidade, pois antes, conforme indicam Devera & Costa-Rosa (2007), eram mantidos afastados das grandes cidades todos aqueles que eram considerados “desviantes”, como portadores de doença mental, prostitutas e quem não tinha onde morar, eram todos arrastados, quase que sem critério, apenas para uma estética “aceitável” da cidade.

Ainda segundo Silva & Silva (2006), as técnicas de cuidado, que antes eram visíveis e mecânicas (camisa-de-força-, eletrochoques, contenção física, cirurgia cerebrais e etc.), agora, com estas medicações tornam-se de forma química e invisível, ou seja, neste momento o sujeito tido como louco pôde sair das estruturas manicomiais desde que medicado e acompanhado por um “ agente terapêutico”. Desta forma, o acompanhante terapêutico surge com a função de controlar a medicação prescrita pelo psiquiatra e como um vigilante do comportamento fora da instituição, fazendo apenas, um papel de auxiliar dos outros profissionais envolvidos no caso.

Os autores explicam que foi Maxwell Jones (1968), diretor de um hospital da Escócia, que deu suporte à criação da Comunidade Terapêutica e que foi assim que começou a se estabelecer um novo modelo de tratamento, que visa promover um atendimento mais humanizado, rompendo com as relações hierarquizadas do modelo manicomial.

Neste modelo o técnico deixa de ser o único detentor do conhecimento e o portador de doença mental deixa de ser o “ alienado”, passando a ter uma posição mais ativa diante do processo de tratamento.

Outra nova perspectiva explorada a partir de então, foi a de que os trabalhadores deveriam rever suas práticas cotidianas, questionando a gritante separação de quem trata e quem é tratado. Mais um aspecto importante trazido por este novo olhar, foi buscar trabalhar com a “cultura terapêutica” para que a aprendizagem se dê a nível de comunidade, com todos os membros desta.

Ainda que, segundo os autores, Jones, tenha trabalhado de certa maneira, de forma adaptativa (por continuar mantendo o paciente em um ambiente restrito e sob o efeito de medicações), eles ressaltam que ele suscitou a questão do papel dos agentes nas relações sociais na comunidade, o que foi de fundamental importância dentro do processo de construção do AT.

No Brasil, segundo os autores Devera & Costa-Rosa (2007), quem iniciou a luta pela humanização ao tratamento de saúde mental, no período de 1920 à 1940, foi Ulisses Pernambucano, mas segundo esses, foi apenas um início bem tímido da reformulação do sistema hospitalocêntrico, pois criou instituições abertas mas ainda suplementares.

Apenas na década de 70 começou, de forma mais efetiva, no Brasil a Reforma da Assistência Psiquiátrica, quando iniciou um processo histórico de crítica e reformulação do modelo asilar. Questionou-se formas de transformação deste modelo, pois, considerou-se absurda a exclusão, a crônificação e a violência do modelo hospitalocêntrico.

Em 1971, durante a gestão do Prof. Luís da Rocha Cerqueira, Coordenador de Saúde Mental do Estado de São Paulo, foi criado um programa de trabalho que visava reduzir o número de macro-hospitais, buscando o redirecionamento da assistência psiquiátrica.  Esta década foi marcada por denúncias de grupo de profissionais contra a “indústria da loucura” e assim foram criadas diversas propostas como a Medicina Comunitária e a Medicina Preventiva.

A década de 70 foi marcada também, por várias críticas e denúncias a política brasileira de saúde mental em relação ao sistema previdenciário que privatizou a assistência psiquiátrica e as condições de atendimento à população. (DEVERA & COSTA-ROSA, 2007)

No final desta década foram criados pequenos núcleos estaduais e estes constituíram o Movimento de Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM). No Rio de Janeiro eclode o Movimento dos Trabalhadores da Divisão Nacional de Saúde Mental (DINSAM) e este muda o rumo da saúde mental no país.

Com isso, a Reforma Psiquiátrica, que pode ser considerada um processo de muitas décadas, iniciado com conceitos introduzidos por Ulisses Pernambucano no Brasil, se consolidou. Este movimento buscou superar o modelo hospitalocêntrico e lutar pelo direito dos pacientes psiquiátricos. Em 1989, dá entrada no Congresso Nacional o projeto de lei, que apenas em 2001, é aprovada, a lei 10.216/2001 prevê “o acesso ao melhor tratamento do sistema de saúde, de acordo com as necessidades do sujeito e a recuperação pela inserção na família, no trabalho e na comunidade […} ” (DEVERA & COSTA-ROSA, 2007, p.75).

Esta lei propôs a extinção progressiva dos hospícios no país e a busca por um tratamento respeitando o ambiente e a vida já construída da pessoa com transtorno mental, para que não mais se anulasse a identidade dessas pessoas. (MESQUITA et al, 2010).

A luta Antimanicomial possibilitou o surgimento de diversos serviços de atendimento Extra- Hospitalares muito importantes como Núcleo de Atenção Psico- Social (NAPS); Centro de Atendimento Psico- Social (CAPS); Centro de Atenção Diária (CAD’S), Hospitais Dias (HDs); Centros de Convivência e Cultura.

O AT entra neste cenário como um agente de grande importância na ajuda a desisntitucionalização de pacientes crônicos (GHERTMAN, 1997, p. 233, apud PELLICCIOLI et al, 2004) pois, busca uma ruptura com o modelo manicomial, que isolava o paciente dentro do hospício e longe de sua comunidade, que procurava controlar as manifestações tidas como desviantes do padrão de “normalidade”.

O AT ao contrário, tem como uma de suas funções fundamentais ressocializar a pessoa que foi institucionalizada, e torna-la um cidadão ativo através da circulação pela rua, da criação de um meio saudável, de um enfoque na promoção da saúde e da aproximação com a sua comunidade e família. (SILVA & SILVA, 2006).

 

A VIDA ALÉM DOS MUROS E O CONCEITO DE SAÚDE

A Organização Mundial de Saúde (2001) fala sobre a importância da comunidade no processo de saúde, menciona a palavra “comunidade” em três das dez recomendações para a ação em saúde mental.

Uma delas é que os grandes hospitais psiquiátricos sejam substituídos por serviços na própria comunidade, pois a prestação de cuidados do usuário, desta forma, tem melhores resultados na saúde, proporcionando maior qualidade de vida e além disso, também reduz os custos e respeita os direitos humanos. Porém, ela alerta que para tal mudança requer a disponibilidade de profissionais da saúde e de serviços de reabilitação a nível da comunidade.

A OMS fala ainda em envolver as comunidades, as famílias e os usuários na tomada de decisões sobre políticas, programas e serviços para que os estes sejam articulados com as demandas reais de cada território, levando em consideração as características locais. Menciona ainda sobre a necessidade de monitorizar a saúde mental na comunidade, que serve para ter dados de quantos indivíduos estão sendo atendidos pela saúde mental e quais cuidados estão recebendo, para que assim seja possível verificar a eficácia dos serviços e para se ter maiores argumentos para a disponibilização de recursos.

O Ministério da Saúde complementa isso, ressaltando o desafio de criar espaços de troca nos territórios da sociedade ao invés de limitar o usuário a um lugar protegido e distante de sua comunidade.

Aponta também que isso implica na abertura da sociedade para a sua própria diversidade.  (BRASIL, 2013) A OMS (2001) orienta, também, sobre a necessidade de educar o público sobre saúde mental, ou seja, de fazer uma campanha de educação e sensibilização para reduzir o estigma e a discriminação, além de buscar maior promoção e prevenção da saúde, através de esclarecimentos sobre os transtornos mentais e as opções de cuidado, possibilitando assim diminuir os obstáculos aos tratamentos e trazer a pessoa com transtorno mental para a convivência social não focando apenas na adaptação deste à sociedade, mas preparando esta última, também, para saber lidar com as diferenças.

Segundo Lemke & Silva (2013) a saúde mental orienta-se pelos conceitos de desinstitucionalização e integralidade.  Para que haja a desinstitucionalização é preciso que ocorram mudanças nas ações para com o contexto social do usuário.

É preciso mudar a percepção sobre a doença, tirando o enfoque do indivíduo e olhando também para a relação deste com a sociedade, pois como afirma a OMS (2001), os avanços da neurociência e da medicina do comportamento apontam que assim como as doenças físicas, as perturbações mentais, resultam de uma interação entre os fatores biológicos, psicológicos e sociais.

Desta forma, se faz necessário trabalhar não somente com a adaptação do portador de doença mental à sociedade, mas também é preciso ter ações que possibilitem a esta saber lidar com a inserção deste de forma a considerar as diversidades com mais propriedade e respeito. Esta transformação se dá, portanto, na própria relação entre portadores de doença mental e sociedade (ROTTELI, 1992 apud LEMKE & SILVA, 2013).

Em relação a Integralidade, esta está diretamente relacionada a desinstitucionalização, pois se, entende-se, que a pessoa é resultado de fatores biopsicossociais, entende-se também, que esta precisa da convivência com a sua comunidade. Assim, a integralidade pede que se olhe além dos sistemas fisiológicos, que se englobe a complexidade movente do território com seus contextos e intervenções (LEMKE & SILVA, 2013).

 

O AT COMO AGENTE DE CIDADANIA

A função do AT é de difícil abordagem, pois, ela é construída pelo profissional e não tem uma regulamentação no Brasil que oriente esta prática.  Porém, neste texto, indo ao encontro aos princípios e diretrizes do SUS, da OMS e da Reforma Psiquiátrica, pretende-se pensar no AT como uma ferramenta para catalisar a cidadania da pessoa com transtorno mental, por isso entende-se que a prática do acompanhamento terapêutico é construída no processo, a partir da relação entre o profissional, o usuário, a família, a comunidade em que vive e outros profissionais, relacionando ainda às políticas e serviços sociais.

Podemos usar cidadania como sinônimo de emancipação em um contexto de inclusão e exclusão, mas Reis (1997), explica que os termos compartilhados variam em significado conforme a pessoa, o grupo e as classes. Por isso, há várias maneiras de entender o termo cidadania e com isso o objetivo de um mesmo trabalho, sendo assim o AT pode ser visto com diferentes funções, conforme o paradigma, a linha teórica e a construção subjetiva do que é o AT para cada profissional.

Aqui usaremos este termo identificado com a autonomia e reconhecimento da sociedade em relação aos direitos, saberes e desejos do acompanhado. Também é compartilhado aqui o conceito exposto por Filho (2007), que diz, que a cidadania é um termo associado à vida em sociedade e que para que ela se efetive é preciso um esforço coletivo. A prática da cidadania exige que seja suprida as muitas carências advindas das desigualdades e que se busque obter “uma qualidade de vida merecida por todos os seres humanos, sem restrições” (FILHO, 2007).  A cidadania é, então, um relacionamento entre uma sociedade política e seus membros.

Entender que a função do AT é apenas “ reforçar as defesas de adaptação adequadas e ajudar o paciente a desenvolver novos mecanismos de defesa” (MAUER & RESNIZKY, 1987, p.56 apud PELLICCIOLI et al, p. 6) é uma maneira de pensar, porém, parece ser uma visão reducionista, pois psicopatologiza o sujeito.

Antes de mais nada, o indivíduo portador de uma doença mental é um sujeito-cidadão, que tem como direito encontrar um atendimento que olhe para ele como um sujeito que também possibilita a produção de saber, de subjetividade e de desejo, não deve ser tratado como um objeto que produz apenas sintomas indesejáveis pela comunidade.  É desta forma que, segundo PELLICCIOLI et al (2004), o AT se torna uma ferramenta da esfera pública, tornando-se uma clínica pública e política, uma clínica do social, olhando para o indivíduo como um cidadão.

Com isso não podemos esquecer que o AT é um sujeito produzido pela cultura e que além disso, ele também a produz. Cultura aqui é o termo utilizado para nomear “um campo de luta entre diferentes grupos sociais em busca de significação (SILVA, 1995 apud PELLICCIOLI et al, 2004, P.8), ou seja, o AT não apenas influenciará aquele usuário, aquela família ou aquela comunidade como também será influenciado por ela e assim ele vai se tornando AT, formando a sua identidade profissional, o seu modo de ser acompanhante terapêutico.

Mauer e Resnizky especificaram oito funções desempenhadas pelo AT são elas:

  1. Conter o paciente. No sentido de ser continente, oferecer-se como suporte tal qual um “agasalho humano”;
  2. Oferecer-se como modelo de identificação;
  3. Emprestar o ego;
  4. Perceber, reforçar e desenvolver a capacidade criativa do paciente;
  5. Informar sobre o mundo objetivo do paciente;
  6. Representar o terapeuta;
  7. Atuar como agente ressocializador;
  8. Servir como catalisador das relações familiares.

 

Quando as autoras, Mauer e Resnizky, mencionam como função servir como um modelo de identificação e emprestar o ego (itens 2 e 3) estas atribuem ao AT uma figura de modelo ideal, julgando que o profissional é uma referência em saúde. Por isso conforme aponta Silva et al (2005) estas são funções consideradas polêmicas. Porque partem de uma lógica que pode ser considerada hierárquica e patologizante, pois, desconsidera o sujeito que há por trás de cada um deles (AT e usuário) e trata a pessoa com transtorno mental ainda nos velhos moldes do “louco alienado”, desconsiderando o modelo horizontal de trabalho.

Trata a situação de forma binária, onde um é o saudável e o outro o doente. Parte de um pressuposto de que o saber do profissional vale mais do que o do usuário, deixa de promover uma das mais importantes funções: a de promover a autonomia. O item 6 (representar o terapeuta) parece hierarquizar também, mas desta vez, dentro do grupo de trabalhadores, pois, dá uma dimensão de que o terapeuta está sendo colocado como o superior do acompanhante, contrariando a visão de um trabalho em rede e voltando para a visão do AT como um auxiliar vigilante à serviço de outros profissionais. (SANTOS et al 2005).

Desta forma os argumentos de Jones (1968) para uma visão mais humanizada como a interação bidirecional, o questionamento sobre separar quem trata de quem é tratado e um investimento do trabalho dos técnicos em grupo (SILVA & SILVA, 2006), acabam sendo esquecidos, dentro desta lógica de atribuições ao AT, mencionados por Mauer e Resnizky, e temos um retrocesso na forma de entender a saúde.

As funções de conter o paciente, no sentido de ser continente, oferecer-se como suporte tal qual um “agasalho humano” (1) e de servir como catalisador das relações familiares (8) podem ser úteis, porém, se utilizadas com bastante cuidado, para que esta não seja uma prática invasiva. Dar continente é diferente de ser a referência perpetua de apoio, pois não devemos esquecer da autonomia do acompanhado como um dos principais objetivos a ser estimulado neste trabalho.

Quanto a ser um catalisador das relações familiares é preciso tomar cuidado, apenas, para que não haja uma invasão do AT na família, é possível desde que feita com certa sensibilidade, respeitando a cultura e os hábitos desta e tentando discutir e problematizar algumas situações que possam estar vindo a trazer problemas, considerados por eles, mas que estão cristalizados como hábitos, porém tal sensibilidade deve estar presente em toda a prática do AT e não apenas em relação a sua família.

Já as outras funções mencionadas como a 4,5 e 7, como afirma Santos et al (2005), são de consenso na bibliografia e nas entrevistas realizadas, pois em função do AT ter um contato mais próximo e intenso com o acompanhado ele consegue informar sobre o mundo objetivo do paciente levando dados de realidade deste, incluindo muito mais as questões sociais do que na prática individual de uma psicoterapia e possibilitando assim um entendimento mais integral daquele ser humano para a equipe de profissionais envolvida com o caso.

O AT tem como função também perceber, reforçar e desenvolver a capacidade criativa do acompanhado, e esta pode ser uma das melhores estratégias utilizadas pelo acompanhante, pois, é neste processo de auto-percepção e desenvolvimento da criatividade facilitado pelo AT que o usuário pode expressar-se e compreender as diversas maneiras de experimentar e de enfrentar uma situação.

Outra função fundamental aqui neste artigo é a de catalisador da ressocialização, porém deve-se pensar que o AT pode contribuir de duas maneiras com o enfoque no indivíduo, tanto no processo de desinstitucionalização daquele usuário, depois de longo tempo de internação, assim como a OMS (2001) alertou que precisaria da disponibilidade de profissionais de reabilitação a nível de comunidade, como também pode ajudar na prevenção à internação, procurando potencializar as diversas formas de produção de saúde no próprio espaço do acompanhado.

Podemos acrescentar um olhar mais social às funções do AT, ele pode trabalhar com a comunidade, para que esta consiga lidar melhor com a sua diversidade, para que a inclusão se faça presente.

O Acompanhante Terapêutico pode ser um aliado as orientações da OMS (2001) pode auxiliar a efetivação dos programas e estratégias do SUS, pois é possível atribuir a ele a função de ajudar as comunidades, famílias e usuários na tomada de decisões sobre as políticas de saúde, para que assim sejam articulados serviços mais próximos das demandas reais e considerando realmente o que os usuários estão sentindo como necessidade.

A OMS (2001) fala também em educar o público em saúde mental para reduzir o estigma e a discriminação, esta é uma tarefa que o aparente “simples caminhar pela rua” com o acompanhado, já vai mudando os estereótipos atribuídos a estes, as pessoas conseguem ter maior entendimento sobre os diversos tipos de sintoma, sua intensidade e variação, começa a entender aquele “louco da rua” como um sujeito-cidadão com vontades e produção de saber. Desta forma o AT pode ser um agente de cidadania que promove a saúde não apenas do acompanhado, como de toda uma comunidade.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS:

Vimos que o AT apesar de surgir em um contexto de luta antimanicomial servia à lógicas adaptativas e controladoras que psicopatologizavam o sujeito, que muitas vezes apenas servia com uma forma de conter “ações de loucura” ou levar informações sobre os “maus comportamentos” às equipes de psiquiatria.  O AT assim, estaria apenas representando a instituição fora dela, que buscava tratar o patológico do paciente e de suas famílias considerando que estes seriam a fonte de todo o problema.

Porém, foi possível perceber que esta prática se dá dentro de um contexto histórico e político onde forças interagem na construção de um saber e que com as discussões promovidas pelos diversos movimentos de construção da saúde mental atual, através da Reforma Psiquiátrica, e pelas orientações da OMS e do SUS foi redirecionado o conceito de saúde e com isto suas práticas para promove-la.

Portanto, a partir destas reflexões, é possível constatar que o acompanhamento terapêutico é uma prática que deve estar sempre se reformulando e questionando a sua forma de trabalho, mais do que isso, o AT deve perguntar-se a serviço de que e de quem está. Se ele está a serviço da doença e das instituições, ou se ele visa trabalhar com um espaço de promoção da saúde e atendendo as demandas do acompanhado, considerando sua subjetividade e seus desejos. Deve questionar-se também se ele busca fazer um trabalho exclusivamente individual ou com um propósito social também.

 

Referências:

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  3. FILHO, C. B. R, NETO, I. A. C. A Evolução do Conceito de Cidadania. Departamento de Ciências Sociais e Letras. Universidade de Taubaté (SP). 2007. Disponível em: < http://site.unitau.br/scripts/prppg/humanas/download/aevolucao-N2-2001.pdf>
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  5. MESQUITA, J.F, NOVELLINO, M.S.F, CAVALCANTI, M.T. A reforma Psiquiátrica no Brasil: um novo olhar sobre o paradigma da saúde mental. 2010. Disponível em: < http://www.abep.nepo.unicamp.br/encontro2010/docs_pdf/eixo_4/abep2010_2526.pdf> Acessado em 04/07/2014.
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  9. SILVA, A.T DA & SILVA, R. N DA.A emergência do acompanhamento terapêutico e as políticas de saúde mental. Psicologia Ciência e Profissão, 26 (2), 210-221, 2006. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/pcp/v26n2/v26n2a05.pdf> Acessado em 04/07/2014.
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Autora: Marília Vieira Braga – Estudante de Psicologia pela PUC/RS.

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