×

AT como Dispositivo Clínico: uma perspectiva da Esquizoanálise

  Curso gratuito de Acompanhamento Terapêutico (AT) para quem quer ser terapeuta e ter aulas com psicólogo, mestre em Psicologia (UFRGS). Não perca tempo. Essa oportunidade pode acabar a qualquer momento. Veja se ainda há vaga clicando aqui.  

Autora:

  • Marília Aparecida Muylaert – Psicóloga (CRP 14865-06), Professora do Departamento de Psicologia Clínica da UNESP – FCL – Assis/SP. Tel/fax: 55 (18) 33235444. E-mail: [email protected]

 

Resumo: O Acompanhamento Terapêutico (AT), é um Dispositivo Clínico, que problematiza o campo social/existencial e sua relação transversal com a exterioridade. Através da circulação na cidade, da abertura para um campo de produção de novos modos de existir, sempre provisórios, o AT vai produzindo interstícios por onde os efeitos das diferenças produzidas nos encontros possam traçar outros contornos, que não os de um campo problemático. A experiência de AT inscreve-se no campo vivencial do(s) terapeuta(s), do(s) cliente(s), da cidade, dos modos de subjetivação, buscando desenhar uma intervenção singular, descaracterizando o campo problemático e a angústia que o acompanha, como um (…) afazer psíquico que deve ser eliminado(Muylaert, 2000:15) mas vivido em seus atravessamentos, tranversalizando os sentidos…. espaços alternativos ao desejo. O AT sob a perspectiva da Esquizoanálise através do paradigma ético-estético-político, potencializa seus efeitos de variação e multiplicação de sentidos e modos de existencialização. Pode assumir seu lugar de criação de mundos compossíveis, de produção de cidadania, de matizar o diagrama das cidades, de problematizar as questões individuais como coletivas, de compromisso com a vida e com a estética das existências: um lugar de transformação política dos modos de subjetivação.

Palavras Chave: Acompanhamento Terapêutico; Dispositivo; Esquizoanálise.

 

O Acompanhamento Terapêutico tem sido problematizado por várias tendências teóricas, como uma prática que se aloca num interstício de difícil acesso: deve ser tomado como uma técnica – aplicável segundo alguns critérios, separadamente de um certo conjunto de saberes, mas que lhe dão intelegibilidade – ou deve ser tomado como um referencial teórico-prático – o que designa um conjunto de saberes que, somados as práticas, é suficiente para criar pensares e fazeres Clínicos segundo alguns princípios? Que aspectos devemos priorizar para que o AT exerça sua potência de efetuação?

Problematizar o AT, significa também tomá-lo em seus efeitos no campo clínico e é a partir desta perspectiva que estão construídas as argumentações num outro sentido: o AT como Dispositivo Clínico.

Como Dispositivo, atravessado pelo paradigma ético-estético-político, muda-se radicalmente o eixo de análise, que passa a agregar outros elementos dispersos neste campo e que, de outro modo, seriam indiferentes.

A Esquizoanálise, balizada pelo paradigma ético-estético-político, investe em produções singulares de modos de vida singulares, a partir da autoanálise e buscando a autogestão. Ou seja, investe em processualidades vitais que produzem num mesmo movimento, lugares de subjetivação autogestiva onde a produção de sentidos se dá de modo rizomático e transversal – indivíduos provisórios e fugidios, implicados num movimento.
O processo de produção de saberes é, portanto, relacional. Todo processo da produção do Saber é atravessado:

Por valores vitais – Ética

Que sustentam a criação de estilos de viver – Estética

  Você pode iniciar a sua jornada como terapeuta na clínica do Acompanhamento Terapêutico de forma totalmente gratuita com aulas on-line, livro e mais presentes. Veja se ainda há vaga clicando aqui.  

Produzindo modos de existencialização atravessados por vetores de enunciação coletivos – Política.
O paradigma ético-estético-político, neste recorte, parte da relação da Arte com o Conhecimento e os modos de produção do Saber. Assim, todo e qualquer saber deve ser problematizado na perspectiva das relações as quais dá suporte. Nas relações de poder, temos um Conhecimento sobre a Arte. (…) não há relação de Poder sem constituição de um campo de Saber; todo ponto de exercício de Poder é, ao mesmo tempo, um lugar de formação de Saber. Todo Saber assegura um exercício de Poder.(…) É enquanto Saber que tem Poder (Machado, in Foucault, XXI/XXII:1985) O Poder (…) é uma relação de força: algo que se exerce, só existe em ação (Foucault, 1985:175). Nas Relações de Potência, vamos da Arte ao Conhecimento (…) a teoria não expressará, não traduzirá, não aplicará uma prática; ela é uma prática. Mas local e regional (…): não totalizadora.(…) A teoria não totaliza; ela se multiplica e multiplica (Idem, ibidem).
Podemos usar os conceitos como caixa de ferramentas (Foucault, 1985:71): armas, estratégias de análise, ferramentas com ordenadas intensivas – acontecimentos. Não são fórmulas, mas formulações existenciais. Os conceitos podem ser abordados deste modo pois operam a partir da mesma qualidade de força da Arte: estados intensivos, produção de multiplicidade, transbordamento de fronteiras. Abrem-se para a expansão e multiplicação de sentidos. Não estão sujeitos a um sentido (mecanismo de poder), não enclausuram o pensamento e os fazeres em um único modo – certo, verdadeiro, científico, totalizante, geral.
Pensar o AT como Dispositivo Clínico, prioriza alguns sentidos que entram em relação nesta composição conceitual. Estas relações são políticas, inscrevendo efeitos Clínicos no campo vital.
Nos maquinismos Clínicos da Esquizoanálise, objeto e método se constituem num só e mesmo movimento. Único e a cada vez, porque relacional e perspectivo. Problematizamos o acompanhar, como uma partilha vital, um eixo de deslocamento por onde vamos criando vias de acesso aos afetos, criando modos de existencialização. O Saber tem Potência quando produz um campo de sustentação que não é teórico, mas vital. E este saber vai se constituindo na medida que ficamos atentos, sempre, aos movimentos dos afetos no corpo – a baliza existencial, seu guia.
Pensar o AT como Dispositivo Clínico é potencializar seus efeitos, um investimento na singularização dos processos e modos de existir. Desconstruindo a noção de uma prática que exista alienada de seus efeitos, o AT enquanto Dispositivo Clínico vai sustentar variações e multiplicidades, num mesmo movimento vital: singularizações. Pois o que conta é a novidade do próprio regime de enunciação, na medida que ele pode abranger enunciados contraditórios (Deleuze, 2001:3).
O AT ao ser sustentado pela relação, vai produzindo passagens, desvios, o novo. A criação de outros dispositivos vitais cria saberes inéditos: temos o Conhecimento como invenção. Conhecimento como obra de Arte. Vida como obra de Arte: a vida que sustenta os valores que vive (Muylaert, 2000:71).
Estas produções, (…) a medida que elas escapam das dimensões do saber e poder, as linhas de subjetivação parecem particularmente capazes de traçar caminhos de criação, que não param de abortar, mas também, de serem retomados, modificados, até a ruptura do antigo dispositivo. (…) Nós pertencemos a dispositivos e agimos neles. A novidade de um dispositivo em relação aos precedentes pode ser chamada de sua atualidade, nossa atualidade. O novo é o atual. O atual não é o que somos, mas antes o que nós nos tornamos, aquilo que estamos nos tornando, isto é o Outro, nosso tornar-se outro. Em todo dispositivo, é preciso distinguir aquilo que nós somos (aquilo que nós já não somos mais) e aquilo que nós estamos nos tornando: a parte da história, e a parte do atual. A história é o arquivo, o desenho daquilo que nós somos e que paramos de ser, enquanto que o atual é o esboço daquilo que nós nos tornamos (Deleuze, 2001:3).
A cada momento tudo o que for material disponível torna-se dispositivo de Intervenção Clínica, numa multiplicidade de atravessamentos que provocam encontros e criam novas formas de relação. Nada é indiferente, há um interesse inequívoco pelas questões que o viver coloca à cada vivente e que, portanto, nos conecta aos coletivos, desviando mais uma vez o foco de enunciação das questões individuais. Os diagramas produzidos passam a ser expressão da potência dos corpos em relação e seus desdobramentos, o agenciamento autogestivo minoritário, sem universais, nada a ser reencontrado.
E dispositivo numa invenção do novo radial, (…) uma montagem de elementos extraordinariamente heterogêneos, que podem incluir “pedaços” sociais, naturais, tecnológicos e até subjetivos. (…) se caracteriza pelo seu funcionamento, sempre simultâneo a sua formação e sempre a serviço da produção, do desejo, da vida, do novo (Baremblitt, 2003:66).
Nesta Clínica processual, a singularidade cartografa afetos nômades e configura formas que possibilitem a potencialização de todos os envolvidos. Um trabalho que exige um desinvestimento de uma clínica curativa e adaptativa, com um “setting” demarcado espacialmente e lugares determinados. Um trabalho, desde onde esteja possibilitado, cada vez mais, o desenho de uma intervenção que se dê a partir das criações produzidas nos encontros, nas vivências partilhadas do sem garantias.
Clinicar significando Cliname (Legrand, 1983:291), um relacionar-se na busca de um desvio para a diferença, a produção de produção (Baremblitt, 2003:45), buscar junto com, operar a ilógica disponibilidade para o encontro, constituinte de sua própria natureza. Um método criação de Dispositivos de análise – fazer funcionar de outro modo. Por isto sempre desconstrução/intervenção, nunca neutralidade. Estabelece, portanto, um plano Ético: um diferencial de potência, um compromisso vital. Afirma-se, porque vital e absolutamente implicado (Loreau) nos valores e práticas desta parceria.
O AT, nesta perspectiva, afasta-se dos processos adaptativos e funcionais: é um dispositivo eminentemente político de circulação de afetos e sentidos, antes filiados apenas as Instituições (sejam de cuidado, teóricas, especialistas, de ensino) que designam os sentidos e circulações possíveis em seu espectro. Instituir um único sentido para o processos de AT é afastá-los de sua potência disruptiva, separar sua procedência de seus efeitos, é individualizar e sujeitar seus atores. Existem diversas maneiras de conceituar a Instituição, que produzem certos condicionamentos, certos modos de agir e pensar, certas estratégias. (…) a instituição é o modo de apropriação de um determinado objeto, modo de se apropriar de um tipo de relação. Como é que ela faz isso? Apropriando-se de um tipo de relação e reivindicando um monopólio de legitimidade a respeito dessa questão. Esse pensamento necessariamente pensa a Instituição como trama. Trama que tem tanto um sentido de rede que penetra, como um sentido guerreiro – há muitas tramas que se interpenetram no social. É neste sentido que podemos afirmar que essa prática capaz de se aliar ao pensamento institucionalista das utopias ativas, autogestionárias, conscientizadoras, não está ligada ao “pensamento individual”(Conde, 1991:6)
O AT como Dispositivo Clínico circula Potência: sustentada-produzida por estados intensivos que buscam agenciamentos coletivos de enunciação. Nem poder tudo, nem nada poder:

Impotência __________________________________ Onipotência

^

^

^

Potência

  Você quer ser terapeuta e fazer um curso totalmente gratuito de Acompanhamento Terapêutico (AT) com aulas de um psicólogo, mestre em Psicologia (UFRGS)? Veja se ainda há vaga clicando aqui.  

Uma vez afetado por sua potência o Corpo vai criando modos de constituir passagens, expressões. Sempre como atravessamento de forças do coletivo, por isto, sempre Alteridade, aquilo que se diferencia no corpo a partir da experimentação do mundo – uma Vida Experimental (PIVA, 1985:87). Nesta condição somos desafiados pelas incertezas, velocidades, repousos… passamos a habitar o intermezzo, o entre dos corpos, as bordas e fronteiras, num processo de (…) autopoiese – que concebe os seres humanos como máquinas em contínua produção de si mesmos (Maturana/Varella). O AT como Dispositivo Clínico de Intervenção cria parcerias e territórios na inevitabilidade das transformações. Impossível pensar-se indiviso.
Bibliografia

BAREMBLITT, G. – Compêndio de Análise Institucional e outras correntes – Ed. Instituto Feliz Guattari – Belo Horizonte – 2003.

CONDE, H: Na trama institucional: O que representam as práticas educativas em saúde? – texto Internet -1991.

DELEUZE, Gilles. Qu’est-ce qu’un disposif? IN Michel Foucault philosophe. Rencontre internationale. Paris 9, 10, 11 janvier 1988. Paris, Seuil. 1989.[Tradução de Ruy de Souza Dias (com agradecimentos a Fernando Cazarini) e Helio Rebello (revisão técnica), finalizada em março de 2001].

FOUCAULT, M.: Microfísica do poder. Rio de Janeiro, Ed. Graal, 5ª edição, 1985.

LEGRAND, G.: Dicionário de Filosofia – Edições 70 -Lisboa – Portugal – 1983.

MUYLAERT, M: Intermezzo: mestiçagens nos encontros Clínicos /Tese de Doutorado PUC/SP. (2000)

PESSOA, F.: O livro do desassossego – por Bernardo Soares – Ed. Brasiliense – 3ª ed. – São Paulo – 1989.

PIVA, R.: Antologia poética. Porto Alegre, Ed. LP&M, Coleção Olho da Rua, 1985.

 

Artigo publicado no “Site AT” em 09/03/2009.

Supervisão em AT.


Descubra mais sobre Site AT:

Assine para receber nossas notícias mais recentes por e-mail.

Comente aqui.