RESUMO:
O Acompanhamento Terapêutico (AT) é definido pela prática da circulação com o paciente por diversos espaços, sendo uma intervenção complementar à psicoterapia. Seus objetivos podem ser diversos e dependem da demanda que cada paciente apresenta. Entretanto, estes aspectos singulares geralmente estão pautados em uma finalidade mais abrangente, que é a reintegração do indivíduo com os mais variados meios sociais, do qual ele foi privado devido a um adoecimento. O Acompanhamento Terapêutico ainda é bastante estigmatizado no que diz respeito à sua relação com pacientes psicóticos, entretanto sabe-se hoje que ele pode trazer benefícios para a mais variada gama de pacientes. O acompanhante terapêutico entra neste cenário para fazer um acompanhamento mais incisivo do paciente, oferecendo à equipe terapêutica informações que não foram reveladas na entrevista clínica e que podem vir a ser fundamentais na formulação de intervenções que possam trazer benefícios. Além disso, ainda no contexto clínico, o acompanhante terapêutico exerce papel importante para colocar em prática as tarefas e estratégias pensadas na psicoterapia, aumentando a probabilidade do sucesso desta. O acompanhante terapêutico deve estimular as capacidades de criatividade e autonomia do paciente, não dando respostas ou apenas lhe dizendo como fazer as coisas. É essencial que o paciente tenha a oportunidade de identificar seus próprios gostos, vontades e preferências. Este incentivo de autonomia é bastante importante para que não se crie uma relação de dependência entre acompanhante terapêutico e paciente.
Palavras Chave: Acompanhamento Terapêutico; Funções; Terapia Cognitiva.
O Acompanhante Terapêutico na atualidade: algumas funções
O Acompanhamento Terapêutico é uma prática utilizada pela área da saúde que consiste, basicamente, na circulação com o paciente em vários espaços. Ela busca a interação do paciente com a sociedade, a família, e outros núcleos dos quais este indivíduo esteja afastado e que encontre alguma dificuldade em integrar-se por determinados motivos.
Em grande parte das situações, o caso está permeado por um retorno do paciente ao meio social, ou seja, o propósito é a reintegração a um ambiente ao qual esta pessoa já pertenceu um dia. Fioraki e Saeti (2008) definem o Acompanhamento Terapêutico como uma prática que recupera o direito do paciente de usufruir da vida pública, o qual foi interrompido por um adoecimento. É uma recuperação da ação de circulação mundana e social.
Apesar de ainda hoje o Acompanhamento Terapêutico ser bastante estigmatizado e vinculado a pacientes com transtornos psicóticos, como a Esquizofrenia, por exemplo, esta modalidade mostra-se bastante eficaz em pacientes que, devido a um sofrimento psíquico muito intenso, isolaram-se (ou foram isolados) do convívio social.
Veríssimo (2010) postula que, com o passar do tempo, entendeu-se que vários tipos de pacientes poderiam beneficiar-se desta estratégia, incluindo principalmente aqueles que, por decorrência da fragilidade do ego, vieram a desenvolver uma crise e perderam a possibilidade de transitar por locais urbanos sem que isso significasse uma ameaça a si e/ou a outros.
São os casos daqueles que enclausuraram-se em uma instituição ou em suas próprias casas, e que não possuem estrutura psíquica suficiente para reverterem estes quadros sozinhos. Desta maneira, o Acompanhamento Terapêutico vem sendo utilizado com sucesso nas mais variadas patologias, como nos tratamentos de fobias, depressão, TOC, histerias graves, dependências químicas, etc. (VERÍSSIMO, 2010).
O acompanhante terapêutico é um profissional da saúde mental, mas não fica exclusivamente preso a área da Psicologia, podendo ser utilizado nos mais diferentes contextos e por diferentes profissionais. Isto acontece, pois existem pacientes que não necessitam somente de cuidados mentais, mas também físicos. Pitiá e Furegato (2009) postulam que o Acompanhamento Terapêutico é marcado pela interdisciplinariedade, pois são diversos os contextos onde ele pode ser aplicado e utilizado, como nos Ambulatórios de Saúde Mental, CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) e até mesmo nos casos de internação. Também, o Acompanhamento Terapêutico é caracterizado pelo seu aspecto multiprofissional, onde pode ser vinculado junto a diversas áreas do saber: Terapia Ocupacional, Enfermagem, Medicina, Psicologia, Serviço Social e outros.
Neste artigo, nos atentaremos mais para o Acompanhamento Terapêutico com o viés da patologia mental, onde o at exerce uma função complementar ao do psicoterapeuta. Neste contexto clinico, o acompanhante terapêutico atuará fora dos limites do setting, auxiliando o psicotarepeuta no sentido do fornecimento de informações mais abrangentes e fidedignas sobre aquele indivíduo. O at pode exercer essa função, pois, ao iniciar seu contato com o paciente e com a sua forma de vida, automaticamente já está inserido no contexto da produção da psicopatologia deste.
O psicoterapeuta convive com o paciente somente durante o tempo da sessão, onde constrói um entendimento sobre este a partir de seus relatos e, por vezes, do relato de seus familiares. O at, quando inserido no cerne familiar do paciente, pode adquirir informações importantes sobre a perpetuação e manutenção da patologia presente que não se revelaram na entrevista clinica. Estas informações podem ser fundamentais para o norteamento de uma intervenção correta e que venha de fato trazer benefícios ao paciente.
Além disso, no que ainda diz respeito ao contexto clinico, o at exerce papel fundamental para colocar em pratica as tarefas e estratégias pensadas na psicoterapia, aumentando a probabilidade do sucesso desta. Pacientes mais resistentes ao tratamento ou com grande dificuldade de exercê-lo por variados motivos, podem beneficiar-se bastante de um Acompanhamento Terapêutico com este foco.
A Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) destaca-se por fazer uso recorrente deste acompanhamento, pois é uma linha que utiliza bastante em seu plano de tratamento as tarefas de casa. Podemos citar como exemplo o tratamento dos Transtornos de Ansiedade dentro da TCC, onde seu maior propósito é a exposição a situação/objeto ansiogênico. O acompanhante terapêutico, neste caso, auxilia e incentiva o paciente, diminuindo sentimentos de solidão e desamparo que possam vir a surgir, evitando possíveis ataques de pânico durante a realização das tarefas. Muylaert (2009) postula que pensar o Acompanhamento Terapêutico como um dispositivo clínico, a ser usado em situações deste contexto, é potencializar os seus efeitos.
Também podemos citar como importante função do acompanhante terapêutico perceber e reforçar a capacidade de criatividade do paciente, e não apenas ensiná-lo como fazer determinadas coisas. Esta estimulação de capacidades que na maioria das vezes estão latentes, visando um contexto patológico, é bastante importante para que não se desenvolva uma relação de dependência entre at e paciente.
Fomentar uma relação deste tipo não é saudável para nenhuma das duas partes, podendo o paciente sair do Acompanhamento Terapêutico mais desorganizado e com menos capacidades egóicas do que quando o iniciou. Dependendo da psicopatologia portada pelo indivíduo, este fato pode vir a desencadear situações bastante desagradáveis também para o acompanhante terapêutico, como a perseguição. Shubert (2010) coloca que “o trabalho do A.T. leva em conta não permitir que o cliente fique dependente das soluções e formulações criadas pelo terapeuta, mas que desenvolva suas próprias. É preciso provocar o movimento de busca no cliente. Levá-lo às suas formulações, reflexões e invenções criativas em seu meio.”
O Acompanhamento Terapêutico se faz eficiente também no sentido do at funcionar, muitas vezes, como um espelho do próprio paciente. Esta estratégia objetiva oferecer um retorno dos pensamentos, emoções e conduta deste indivíduo, mas de maneira mais organizada do que a recebida, visando que ele não possui capacidades para fazer isso sem algum tipo de auxilio.
Para pacientes mais desintegrados, como os portadores de esquizofrenia e outros transtornos psicóticos, este recurso se faz importante. Nestes casos, é importante que o at atue também como um auxiliar de Ego do paciente. Isto implica principalmente nas situações que demandam algum grau de juízo critico, quando muitas vezes o paciente não a tem, causando exposições públicas desnecessárias da figura deste. Na melhor das hipóteses, o acompanhante terapêutico deve intervir nestas situações, tomando as rédeas e direcionando o paciente para um melhor desfecho.
Sabemos que a família de um indivíduo com alguma psicopatologia também participa de um processo de padecimento junto ao paciente, tornando-se disfuncional em alguns aspectos. Interligado a isso, detectamos que, assim como a família sofre mudanças a partir da patologia de um membro, ela também participa ativamente para a perpetuação desta.
Visando isso, dentro da instituição família, o acompanhante terapêutico pode atuar como um catalisador das relações familiares. Esta intervenção diz respeito, primeiramente, a avaliar as condições que a família possui: seus aspectos refratários, aspectos positivos, padrões de convivência, relacionamento entre membros, o grau de afeto existente, papel de cada integrante no meio familiar, etc. É importante que não se perca o foco sob o nosso objeto de trabalho, pois, apesar de neste momento estarmos inseridos na família e a nossa atenção estar voltada para a detecção de problemas nela, o paciente continua tendo o olhar privilegiado do acompanhante terapêutico.
Atuar na família significa baixar o nível de ansiedade e fomentar novas formas de comportamento entre os seus integrantes, reorganizando condutas de caráter mais adaptativo. Muitas vezes são manejos aparentemente simples, mas que perpetuam no núcleo familiar de maneira relevante e que acabam por auxiliar na estruturação e organização deste.
O acompanhante terapêutico pode, em nível de exemplo simples, manejar para que a família, em alguns dias da semana, encontre-se para almoçar junta. É importante que nunca partamos do pressuposto de que as pessoas sabem fazer a tarefa proposta, por mais simples e banal que ela pareça. No exemplo citado, a conduta correta do acompanhante terapêutico seria a de averiguar anteriormente se os integrantes da família sabem, de fato, interagir funcionalmente entre si. Isto diz respeito à conversa, o tom de voz, o conteúdo da fala, a conduta, variáveis externas, etc.
É bastante provável que, em uma família produtora de patologia mental e desorganizada em seu cerne, os pontos citados não estarão presentes ou estarão altamente disfuncionais. Um falará alto demais, outro não falará nada. O conteúdo dos diálogos serão inapropriados para aquele momento, ou a TV estará ligada com o som altíssimo. Alguns começarão a desentender-se e atuar com agressividade.
Estes comportamentos surgem não pelo fato da família não querer colaborar com a intervenção do at, ou outra explicação do gênero, mas sim porque eles não aprenderam a fazer de outra maneira senão esta, utilizada como padrão por muito tempo.
Desta maneira, podemos referenciar também como possível função do acompanhante terapêutico o treinamento de habilidades sociais, que é bastante utilizado dentro das TCCs.
O acompanhante terapêutico também assume funções em atividades mais direcionadas à organização da vida do paciente, que num primeiro momento pode passar o entendimento de algo pequeno, mas que é de suma importância para um processo de reabilitação.
O at atua no sentido do auxilio de planejamento de atividades a longo e curto prazo, tomada de decisões, estruturação de hábitos, e até mesmo a identificação e organização de pensamentos e emoções do paciente. É evidente que, principalmente neste ponto, a construção de entendimentos e de decisões é feita em conjunto com o paciente e com a sua família, quando necessário. Acredito ser importante esclarecer que o acompanhante terapêutico não tem a função de dar conselhos ou opiniões pessoais sobre qualquer aspecto da vida do paciente.
O at deve, na melhor das hipóteses, auxiliar o indivíduo a reconhecer as suas próprias vontades e interesses, mas também suas limitações quanto a elas. A partir deste entendimento, pode-se traçar metas e objetivos que atendam as preferências do paciente e que, ao mesmo tempo, não dêem margem para possíveis exposições indesejadas. Ressalto que estas questões sempre são avaliadas e acertadas anteriormente com o psicoterapeuta.
Londero e Pacheco (2010) apontam a importância de intervenções direcionadas a problemas específicos, como dificuldades funcionais que debilitam a capacidade de autogerenciamento do paciente sobre sua própria vida.
Conclusão
De acordo com as questões levantadas no desenvolvimento deste artigo, é possível perceber o caráter realmente terapêutico que existe intrínseco na função do acompanhante terapêutico. Algumas pessoas leigamente manifestam que o at compara-se a uma função de babá, e, por vezes, acredito que isso até possa ser verdade, visando que algumas funções, como o cuidado e o olhar atento, comuns nas duas profissões. Entretanto, vimos neste artigo que o Acompanhamento Terapêutico engloba questões mais profundas e possui objetivos e intervenções diferentes, sustentados por um embasamento teórico e uma equipe terapêutica.
Acredito na importância do Acompanhamento Terapêutico como forma de complementação à psicoterapia, possibilitando subsídios para uma eficácia maior no tratamento e, consequentemente, resultados mais benéficos para o paciente.
REFERÊNCIAS
- FIORATI, Regina Célia; SAEKI, Toyoko. O acompanhamento terapêutico na internação hospitalar: inclusão social, resgate de cidadania e respeito à singularidade. Interface (Botucatu), Botucatu, v. 12, n. 27, dez. 2008 . Disponível em < HYPERLINK “http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-32832008000400007&lng=pt&nrm=iso” http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-32832008000400007&lng=pt&nrm=iso>. Acessado em 05 ago. 2010.
- PITIA, Ana Celeste de Araújo; FUREGATO, Antonia Regina Ferreira. O Acompanhamento Terapêutico (AT): dispositivo de atenção psicossocial em saúde mental. Interface (Botucatu), Botucatu, v. 13, n. 30, set. 2009 . Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-32832009000300007&lng=pt&nrm=iso. Acessado em 05 ago. 2010.
- MUYLAERT, Marília Aparecida. AT como Dispositivo Clínico: uma perspectiva da Esquizoanálise, 2009. Disponível em https://siteat.net/marilia/. Acessado em 05/08/2010.
- SCHUBERT, René. Acompanhamento Terapêutico: Uma Introdução, 2010. Disponível em https://siteat.net/rene/. Acessado em 05/08/2010.
- VERÍSSIMO, Flávio. Sobre a função do acompanhamento terapêutico na atualidade, 2010. Disponível em https://siteat.net/flavio-2/. Acessado em 05/08/2010.
Autora
Laura Nunes Wolffenbüttel – Estudante de Psicologia de 7º semestre da PUCRS e na “Universitat de Barcelona”. Formação no “Curso de Capacitação em Acompanhamento Terapêutico” da CTDW. Fone: (51) 8402-2977. E-mail: [email protected]
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