A Síndrome de Asperger e o AT

Autores: Membros da Conexão: Psicoterapia e Assessoria Organizacional.

  • Alex Sandro Tavares da Silva – Acompanhante terapêutico, graduando em Psicologia pela UNISINOS.
  • Aline Namba – Acompanhante terapêutico, graduanda em Psicologia pela PUC-RS.
  • André Luiz Simplício – Acompanhante terapêutico, graduando em Psicologia pela UNISINOS.
  • Ângela L. Figueiredo – Psicóloga, coordenadora do Conexão – Acompanhamento Terapêutico.
  • Luciane Frizzo – Psicóloga e acompanhante terapêutica.
  • Trabalho apresentado na IV Jornada Gaúcha de Psiquiatria: Novas Tendências na Prática Clínica. 20/08/1999.

Acompanhamento Terapêutico – Principais Conceitos

Figueiredo e Segal (apud PELLICIOLI et al., 1998), dizem que ao atendermos pacientes com algum distúrbio neuro-psiquiátrico, podemos nos deparar muitas vezes com as nossas próprias impossibilidades ao invés de somente lidar com os limites que estes apresentam. Ao trabalharmos com pessoas que possuem suas vidas desadaptadas às normas impostas pela sociedade, possivelmente venhamos a nos preocupar e a nos tornarmos mais atentos com esses pacientes também fora de nossos consultórios.

Conforme Mittmann (apud PELLICIOLI et al., 1998), as pessoas portadoras de algum distúrbio psíquico estão afastadas de um cotidiano que é bastante presente em sua imaginação, porém longe do seu convívio. Figueiredo e Segal (apud PELLICIOLI et al., 1998), continuam afirmando que aqueles pacientes portadores de alguma inibição do ponto de vista das relações interpessoais, com transtorno afetivo do tipo depressivo ou maníaco, psicóticos com funcionamento esquizóide, autistas ou portadores de algum tipo de incapacidade física ou mental, transtornos de personalidade do tipo borderline entre outras, necessitam também de um outro tipo de atendimento que vá além dos limites dos consultórios e se estendam para as atividades cotidianas do indivíduo dentro e fora de suas casas.

Mittmann (apud PELLICIOLI et al., 1998) continua dizendo que a prática do Acompanhamento Terapêutico (AT), torna-se uma boa alternativa para tratamento de psicoses e outras formas de distúrbios psíquicos, que causam algum tipo de anormalidade. Isso vem se tornando presente em relação aos distúrbios psíquicos, e atualmente serve como uma forma de intervenção clínica, onde entre outros objetivos, proporciona estabelecer uma “escuta da loucura”. Para Figueiredo e Segal (apud PELLICIOLI et al., 1998), o trabalho do AT e juntamente com a atividade psicoterápica complementam-se, e fazem com que o paciente seja o principal beneficiário.

É importante que se trabalhe com as questões subjetivas de cada sujeito, proporcionando que este crie em seu próprio pensamento representações para as tarefas sociais onde, a princípio, só existem devaneios, delírios e pensamentos desconexos (Mittmann apud PELLICIOLI et al., 1998).

O terapeuta juntamente com o AT costumam traçar objetivos para o tratamento em conjunto assim como discuti-los, avaliando o andamento e o progresso do caso. Entre os objetivos de um trabalho de Acompanhamento Terapêutico, pode-se citar como principais os seguintes:

  •  Estimular o paciente a restabelecer cuidados básicos em sua higiene e em atividades básicas, como por exemplo, tomar banho, cuidar de sua aparência pessoal, educação alimentar, etc.
  • A tolerância à frustração é importante neste trabalho e exige uma atenção especial por parte do AT.
  • Ego auxiliar e modelo de identificação, sendo muitas vezes alvo de projeções e idealizações por parte do paciente, devendo o terapeuta estar sintonizado neste tipo de manifestação para poder manejá-la quando necessário.
  • Auxilia o paciente na sua inserção ao meio social, ajudando-o a adequar suas condutas para um bom convívio em vários tipos de ambientes.
  • Promover continência para pacientes com sintomas de risco (agressão, suicídio e exposição moral) dentro do ambiente familiar.
  • Amigo qualificado, promovendo cuidados e orientação em rotinas e tarefas diárias.
  • Referência externa do sujeito, ajustando seu juízo crítico e organizado à rotina familiar do mesmo, desempenhando também papel de conselheiro.

Conceito de Síndrome de Asperger

A Síndrome de Asperger (AS) é uma categoria de desordem de desenvolvimento neurologicamente baseada, muito freqüentemente de causa desconhecida, na qual há desvios e anormalidades em três amplos aspectos do desenvolvimento: relacionamento social, uso da linguagem para a comunicação e certas características de comportamento e estilo envolvendo atitudes repetitivas ou perseverativas sobre um número limitado, porém intenso, de interesses. É a presença dessas três categorias de disfunção, que pode variar de relativamente amena a severa, que clinicamente define todas as desordens pervasivas de desenvolvimento, de AS até o autismo clássico. Não é totalmente claro se AS é somente uma forma atenuada de autismo ou se condições são relacionadas por algo mais que suas grandes semelhanças clínicas. A AS representa a porção PDD (pervasive developmental disorder) caracterizada por elevadas habilidades cognitivas (pelo menos Q.I. normal, às vezes indo até as faixas mais altas) e por funções de linguagem normais, se comparadas a outras desordens ao longo do espectro.

Estudantes com AS não são raramente encontrados no ensino regular, embora freqüentemente não diagnosticados ou diagnosticados erroneamente. A presença de características básicas de linguagem é usada como um dos critérios para o diagnóstico de AS, todavia esteja próximo de dificuldades sutis com linguagem pragmática e social. Embora os pesquisadores não tenham chegado a uma conclusão em relação à diferenciação entre AS e outras formas de autismo e PDD, o prognóstico do primeiro é melhor que o dos outros dois. Dentro desta gama de diagnósticos, muitas crianças com AS podem ser consideradas “normais, porém diferentes”, bem como terem seu diagnóstico confundido com autismo ou PDD, dependendo de onde e quem os avalia. Segundo o Dicionário de Psiquiatria de Robert J. Campbell, AS é uma psicopatia autista que é um tipo de distúrbio de caráter que se caracteriza por ausência de sensibilidade, de intuição e de compreensão humana normal. O AS vive no mundo normal, mas de um modo que lhe é exclusivamente próprio; sua fala, por exemplo, é mais uma proclamação do que uma comunicação em dois sentidos. Asperger considerava esse distúrbio como uma hipertrofia do intelecto às custas do sentimento. Foi observado também que na maioria dos casos, parentes de AS possuem um quadro completo da doença ou pelo menos alguns traços da mesma; sendo que esta síndrome é mais comum do que se imagina e é mais encontrada em rapazes do que em moças, sem que se saiba a razão.
Uma das características clínicas do AS mais comuns é o “interesse especial”, no AS os interesses por áreas intelectuais específicas são mais freqüentes. Geralmente, na escola, mostrarão interesse obsessivo em uma área como matemática, aspectos de ciências, leitura ou algum aspecto de história ou geografia, querendo aprender tudo que for possível sobre o objeto e tendendo a insistir nisso em conversas e jogos livres. Em várias crianças essas áreas de interesse mudam com o tempo, com uma preocupação sendo substituída por outra. No entanto, em outras os interesses podem persistir até a fase adulta e em muitos casos essas fascinações da infância formarão a base para carreiras adultas, incluindo um bom número de colegas professores.
A outra maior característica do AS é a deficiente socialização, embora sejam freqüentemente notadas por pais e professores como estando “em seu próprio mundo” , elas raramente são distantes como as crianças com autismo. Pelo menos em idade escolar muitas crianças expressam desejo de viver em sociedade e ter amigos.
Em relação à linguagem, as crianças com AS usam-na de forma diferenciada dos demais autistas, às vezes, sua fala soa formal ou pedante e geralmente as coisas são tomadas muito literalmente. A compreensão da linguagem tende ao concreto, com problemas crescendo quando a linguagem se torna mais abstrata nos graus mais elevados. Desta forma, deve-se em geral, tentar ensinar baseado no concreto. Por esses aspectos acima citados, muitas vezes, os AS são erroneamente tidos como pessoas que tem dificuldade com humor, porém eles tem na verdade uma dificuldade de entender brincadeiras e trocadilhos com palavras.
Certas características do AS predominam ou recuam no curso do desenvolvimento e os problemas apresentados mudam consideravelmente, entretanto, os aspectos essenciais permanecem inalterados. Sendo assim, uma das mais importantes razões para distinguir AS de outras formas de autismo é o seu histórico relativamente mais brando.
Na infância os AS mostram tendência a ser pervasivos ou repetitivos quando conversando, têm dificuldade com transições e preferência por rotinas, não gostam de surpresas, devendo ser preparados previamente, quando possível, para as mudanças. Às vezes, podem ter respostas agressivas, apresentarem ansiedade excessiva e hiperatividade, porém tem muita habilidade para reconhecimento de letras e números e memorização de fatos, entre outros aspectos.
Em escola elementar ainda podem surgir problemas de falta de atenção e ausências, sendo que ao tornarem-se problemas mais severos devem ter indicação de ensino especial. Nesta fase também surge um interesse em particular em uma ou poucas crianças ao seu redor, mas normalmente suas relações são relativamente superficiais. É muito útil usar uma abordagem onde a criança é colocada junto com outra (não-Asperger) para absorver alguns encontros estruturados, o que pode consistir numa ferramenta para ajudar a montar habilidades sociais, encorajar amizades e reduzir a estigmatização.
Outro ponto importante é o ensino explícito e didático de estratégias que pode ajudar a criança a ganhar proficiência em “funções executivas” como organização e habilidades de estudo.
Em graus mais adiantados o AS continua apresentando mais dificuldade na área de socialização e conforme avança no nível secundário, pode sentir-se muito pressionado e reagir de forma dramática e inapropriada, tendo inclusive seu comportamento confundido com problemas emocionais e motivacionais.
Em relação à vida adulta o que se sabe é que os AS são crianças mais aptas a crescer e serem adultos independentes em termos de emprego, casamento, família, etc., do que outras com autismo ou PDD.

Vinheta Clínica

C. 15 anos, mora com sua mãe em um apartamento, ficando o seu meio social limitado entre ir a escola municipal, onde freqüenta uma classe especial, o apartamento e suas idas à escolinha de futebol uma vez por semana, visto que sua mãe não sai com ele para fazer outros programas fora de casa, pois a relação entre os dois não é das mais estáveis, já que ela apresenta um comportamento do tipo Border, tornando as dificuldades de C. ainda maiores.
O trabalho realizado através do acompanhamento terapêutico, tem como finalidade uma maior adaptação de C. ao meio que o rodeia e as diversas situações que podem vir à acontecer.
C. ao iniciar o AT não tinha hábitos comuns como, escovar os dentes, usar cuecas, ficava , e ainda fica, até altas horas defronte a uma televisão, ele apresenta características típicas de indivíduos Aspergers como ao nos dirigir a palavra ele soa bastante formal e caso usa-se de trocadilhos na conversa C. as toma muito literalmente, em suas conversas C. é repetitivo em demasia, fixando-se em uma pergunta, por exemplo, por diversas vezes, ele não consegue manter-se atento por muito tempo a uma certa atividade, entre outras peculiaridades.
As atividades, primeiramente, são direcionadas para que através de certas repetições, como é o caso do escovar os dentes, C. adquira o hábito da escovação, assim como aprender a amarrar seus sapatos.
“No diálogo com seu paciente, o A.T. busca contê-lo, ajudando-o a fortalecer certos laços e a desatar outros… Como membro de uma equipe, propõe-se, ademais, a preparar o paciente para conviver com as inevitáveis crises que ocorrerão na sua vida pessoal futura.” (MAURER E RENIZKY, 1987, 164p.).

Bibliografia

  • CAMPBELL, Robert J. Dicionário de Psiquiatria. São Paulo: Martins Fontes.
  • MAUER, Susana Kuras de e RESNIZKY, Silvia. AcompanhantesTerapêuticos e Pacientes Psicóticos. São Paulo: Papirus, 1987. 164p.
  • PELLICIOLI, Eduardo et al. (org.) Cadernos de AT: uma clínica itinerante. Porto Alegre: FEPLAM, 1998. 152p.

Artigo publicado no “Site AT” em 22/08/2002.

Supervisão em AT.

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