Acompanhamento Terapêutico com Paciente Autista: Benefícios e Dificuldades No Atendimento do Autismo

Resumo: Este artigo tem como proposta principal caracterizar o acompanhante e o Acompanhamento Terapêutico. Abordando também o conceito do transtorno autista. Será feita referência a uma prática de acompanhamento terapêutico realizado por uma estudante de Psicologia, com uma paciente autista dentro de uma comunidade terapêutica. A partir disso, serão discutidos os benefícios que este recurso pôde oportunizar para essa paciente, assim como as dificuldades encontradas nesse processo terapêutico.

Palavras-chaves: acompanhamento terapêutico; autismo; benefícios; dificuldades.

 

Abstract: this article has like principal proposal characterizes the companion and the therapeutic attendance. Boarding also the concept of the autistic upset. Reference will be made to a practice of therapeutic attendance carried out by a student of psychology, with a patient autistic person inside a therapeutic community. From that, the benefits will be discussed that this resource could for patient that one, as well as the trouble found in this therapeutic process.

Words – Keys: therapeutic attendance; autism; benefits; difficulties.

 

Acompanhamento Terapêutico com Paciente Autista: Benefícios e Dificuldades No Atendimento do Autismo

Acompanhamento Terapêutico com paciente autista: benefícios e dificuldades neste atendimento

 

1. Introdução: Acompanhamento Terapêutico e Autismo

O presente artigo dissertará sobre a prática de Acompanhamento Terapêutico (AT) realizado dentro de uma comunidade terapêutica com uma paciente autista com trinta e dois anos de idade.

Foram realizados quinze encontros na instituição e um fora da clínica. O objetivo deste Acompanhamento Terapêutico foi auxiliar a paciente a se exercitar, realizando atividades físicas, evitando o sedentarismo, afinal ela é uma pessoa obesa.

A paciente será referida pela primeira letra de seu nome, por questões éticas, não será identificada.

O autismo é um transtorno invasivo do desenvolvimento, caracterizado principalmente pela dificuldade do sujeito em se relacionar com o mundo externo, estando voltado para si mesmo.

Este transtorno causa prejuízos severos e invasivos em diversas áreas do desenvolvimento como: habilidades de interação social, comunicação e presença de comportamentos estereotipados (FACION, 2002).

Tendo em vista especificamente as dificuldades encontradas por estes indivíduos principalmente no que diz respeito as relações sociais, observa-se como o AT pode oportunizar benefícios para estes.
Eggers (1983) propõe que o Acompanhamento Terapêutico  é indicado para pacientes que têm dificuldades próprias de suas patologias, como socialização, comunicação, locomoção.

Geralmente esses pacientes isolam-se e o AT promove maior integração destes pacientes com seu meio.

As intervenções terapêuticas são regidas pelo principio de regulação, diante do desregramento, introduzindo regras, rotinas, e principalmente inserção no meio social (CHNAIDERMAN, 1991).

O acompanhante terapêutico é como um ego auxiliar ajudando o paciente a receber, identificar e responder aos diversos estímulos, funcionando como uma ponte entre o mundo interno e o mundo externo e vice-versa. (CAMARGO, 1991).

 

2. Autismo: um mundo diferente

A palavra autismo vem do grego “autos” que significa si mesmo. “Retraído e absorto em si mesmo” (SZABO, 2002, pg.14).

O sujeito autista tem uma vivência perturbadora e estranha com objetos inanimados e com o corpo, sendo apegado a sua rotina e tendo pouca responsividade com os seres humanos.

Apresentam problemas de conduta, comunicação, não conseguindo se relacionar com as pessoas.

As mudanças em sua rotina trazem desequilíbrio emocional. São incapazes de entrar em contato com o universo, raramente se deixam atingir por estímulos, evitando que alguém penetre no seu mundo (SZABO, 2002).

Conforme o DSM-IV, os critérios básicos para diagnóstico de transtorno autista são (pg. 99):

  • Comprometimento qualitativo da interação social;
  • Comprometimento qualitativo da comunicação;
  • Padrões restritivos e repetitivos de comportamento;
  • Atraso ou funcionamento anormal em pelo menos uma das seguintes áreas, com início antes dos três anos de idade: (1) interação social, (2) linguagem para fins de comunicação social ou (3) jogos imaginativos ou simbólicos.
    Ao entrarem na idade adulta há uma melhora no isolamento social dos autistas, entretanto as dificuldades em estabelecerem amizades e baixa habilidade social persistem. Os autistas que adquirem habilidades verbais podem demonstrar dificuldade em estabelecer uma conversação, não conseguindo entender sutilezas de linguagem, piadas, expressões faciais e linguagem corporal (GADIA et al, 2004).

Normalmente ao conviver com autistas temos a impressão que estes são surdos, pois agem como se fossem.

O autista tem dificuldade para prestar atenção, parecem estar sempre ausentes, pois são muito dispersos.

Não mantém o contato visual e tem uma conduta distante, retraída.

A convivência com crianças limítrofes ou pessoas normais ajuda muito (SZABO, 2002).

Porém, “estudos recentes têm comprovado o que os profissionais envolvidos com a criança já sabem: nem todos os autistas mostram aversão ao toque ou isolamento.” (TREVARTHEN apud BAPTISTA & BOSA, 2002, p. 34).

Segundo Facion (2002) o autismo pode vir acompanhado de retardo neuropsicomotor.

O autista tem dificuldade de entender seu corpo em sua globalidade, em segmentos, assim como em movimento.

Podem-se observar gestos pouco adaptados quando partes do corpo não são percebidas e suas funções são ignoradas.

A dificuldade na estruturação do esquema corporal prejudica o desenvolvimento do equilíbrio estático, da noção de reversibilidade, da lateralidade; funções de base necessárias à aquisição da autonomia e aprendizagens cognitivas (FERREIRA E THOMPSON apud FERNANDES, 2008).

O transtorno do autismo é uma doença de causas não definidas, uma incógnita. Facion (2002) afirma desconhecer uma causa única para este distúrbio.

Algumas pesquisas correlacionam fatores genéticos, problemas metabólicos e mudanças bioquímicas ao desenvolvimento no período pré e peri-natais, mas as associações não aplicam-se a 100 % dos casos.

Os índices do transtorno são cinco vezes superiores para o sexo masculino (DSM-IV, 2003).

 

3. Acompanhante e Acompanhamento Terapêutico

“Tachados freqüentemente de loucos, vítimas de delicados distúrbios psicológicos, alguns não conseguem sair de casa desacompanhados e vivem amargurados por um extremo sentimento de dependência e solidão. Sozinhos, dificilmente vencem as amarras dessa espécie de exílio domiciliar. Mas podem encontrar o apoio necessário nos acompanhantes terapêuticos, profissionais treinados para conquistar a confiança do paciente e ajudá-lo a resgatar seu lugar na sociedade, exercendo uma modalidade pouco ortodoxa de terapia ambulante”. (VANNUCHI, 2002).

O Acompanhamento Terapêutico mostra-se como uma alternativa no tratamento de pacientes graves. O louco deixa de ficar preso dentro de uma instituição, ampliando seu espaço terapêutico para fora da clínica, hospital, casa.

Conforme Mauer e Resnizky (apud SILVA, 2005) o AT será auxiliar do terapeuta na readaptação do acompanhado, visto que este por dificuldade sua (e/ou de seus familiares) está desadaptado para lidar com os outros ou consigo mesmo. As autoras argentinas ajudam a definir claramente as funções do acompanhante terapêutico (1987, pg. 40-42):

  1. Conter o paciente;
  2. Oferecer-se como modelo de identificação;
  3. Emprestar o “Ego”;
  4. Perceber, reforçar e desenvolver a capacidade criativa do paciente;
  5. Informar sobre o mundo objetivo do paciente;
  6. Representar o terapeuta;
  7. Atuar como agente ressocializador;
  8. Servir como catalisador das relações familiares.

O Acompanhamento Terapêutico estará auxiliando o paciente nas suas diversas dificuldade e variados contextos, com o objetivo principal de proporcionar-lhe qualidade de vida.

Afirma Silva (2005) que o Acompanhamento Terapêutico não deve ser lembrado apenas como uma alternativa em momentos de crise do paciente, mas sim deve ser considerado antes, durante e depois da crise.

Possibilitando a criação de um espaço para o novo, sendo isso terapêutico.

Silva questiona sobre o acompanhante terapêutico ser alguém que apenas ajuda o acompanhado a funcionar num espaço social.

Eggers (1983) defende a mesma ideia, referindo que o AT pode ser útil ao acompanhar o acompanhado em suas atividades rotineiras (como escovar os dentes, vestir-se, tomar banho, alimentar-se etc).

O intuito é que ele mesmo pode se virar sem depender de alguém, entretanto, esta também não é uma função especifica do AT.

Considero de extrema importância descaracterizar o Acompanhamento Terapêutico como sendo uma atividade realizada apenas na rua.

Silva (2005) afirma que geralmente pensamos que o Acompanhamento Terapêutico só é valido se levarmos o paciente para rua, ou para fora de casa. Ficamos presos a esta ideia e tentamos puxar o paciente para rua quando muitas vezes isso não pode ocorrer de uma hora para outra, ou nem necessite ser trabalhado clinicamente. Esta prática pode ser pensada como ocorrendo também no quarto, na sala, numa festa.

Conforme Eggers (1983, pg. 37) os critérios para indicação de AT são para:

  • Pacientes que apresentam um baixo grau de sociabilidade por comprometimento na área emocional ou área orgânica;
  • Pacientes que necessitam algum tipo de contenção que não seja hospitalar;
  • Quando há necessidade de efetuar uma ligação mais ampla e contínua entre o terapeuta e a família;
  • Iniciar um vínculo com o paciente nos casos em que a família previamente procura o terapeuta para fazer o contrato de trabalho e que o paciente reluta em se tratar;
  • Criar um ambiente protegido na própria casa do paciente, procurando evitar uma hospitalização tradicional, ou em certos casos encurtar esse período, criando um ambiente para receber o paciente.
  • O acompanhante terapêutico deve ter algumas qualidades pessoais, já que serve como modelo de identificação para o acompanhado. É indispensável que seja uma pessoa saudável e com vocação para lidar com problemas relacionados à saúde mental. É necessário também ter capacidade para trabalhar em equipe, sendo crítico e tomando decisões quando a situação exige. O acompanhante terapêutico deve ter condições de se adaptar as situações inéditas e inesperadas, tendo um bom controle da ansiedade para enfrentar as situações de urgências. É importante também que seja tolerante as frustrações para conseguir dar continuidade ao trabalho (EGGERS, 1983).
    Segundo Porto e Sereno (1991) o acompanhante pode ser definido como aquele que possibilita para o sujeito uma (re) colocação em funcionamento com a realidade urbana, se deparando em espaços que a cidade incorpora o que ele tem:

“No acompanhamento terapêutico estamos mais preocupados em preservar a “ecologia mental” do paciente, aproveitando seus recursos e sua capacidade criativa, do que pensar em transformar sua estrutura psíquica, tão facilmente atacada pela tecnologia psi. (PORTO; SERENO, 1991: 26).

Porto e Sereno salientam (1991) que o acompanhante terapêutico muitas vezes se coloca como sombra do paciente, lhe dando uma referência corporal e uma tranqüilidade para agir.

Às vezes fica a sua frente para fazer um gesto desconhecido pelo paciente, ou para tomar uma iniciativa inicial na montagem da cena, também para impedi-lo de atos perigosos.

Outras vezes fica um passo atrás, a fim de deixar o paciente experimentar e estar no mundo criando novas formas para tal. Esta última a meu ver, dependendo da situação, é a mais construtiva.

Considero que as palavras de Chnaiderman (1991, pg. 64) definem esse trabalho fidedignamente: “O acompanhante terapêutico pode dar concretamente ao paciente o que seu analista só o pode simbologicamente”, por exemplo, fazer saídas juntos, ir ao cinema, acompanhar em situações familiares. “Lugar de onipotência e impotência total”. Só se consegue suportar isso se o acompanhante conseguir identificar em qual lugar da sua história, “em qual fantasma cada paciente entra”.

Ibrahim (1991, pg. 48) afirma que o acompanhante deve ser capaz de suportar a fragmentação vivida pelo individuo enfermo. “Deixa de ser acompanhante do louco e passa a ser o acompanhante da loucura”.

Souza (1991) destaca que partir de sua experiência com autistas, que o objetivo fundamental do trabalho é lhes dar qualidade de vida, assistindo em seus cuidados diários como higiene, alimentação, recreação, etc.

Geralmente quando se atende um paciente em Acompanhamento Terapêutico envolve-se a família deste. A família pode tanto facilitar quando dificultar o processo terapêutico.

Nem sempre é possível um distanciamento mínimo necessário da família para que o acompanhante terapêutico possa executar o AT de forma adequada.

O trabalho junto à família é essencial, exerce uma influência significativa no âmbito familiar “possibilitando que o seu contato periódico adquira um caráter terapêutico, embora não exerça a função de terapeuta da família.”

A família pode investir no AT expectativas de desempenho nas quais ela falha, buscando no AT apoio para suas fraquezas. (CERQUEIRA, 2003).

Muitas vezes a família do acompanhado pode buscar o recurso do AT para a “salvação” do paciente, pois todos os tratamentos usados anteriormente foram ineficazes.

O acompanhante terapêutico pode ser visto como intruso que levará o sujeito para “fora”, então a família pode se fechar para o AT.

Existe grande dificuldade no processo se a família investir toda responsabilidade do tratamento no AT.

Porém, a família pode auxiliar no processo de Acompanhamento Terapêutico se esta relação for abordada de forma criteriosa. (SILVA, 2006).

 

4. Prática clínica em Acompanhamento Terapêutico

D é a filha mais nova dentre os irmãos. Atualmente mora com a mãe e um irmão, o pai já é falecido.

D é uma paciente autista de uma comunidade terapêutica, de 32 anos que foi encaminhada para Acompanhamento Terapêutico por indicação da sua psicóloga.

Ela frequenta essa comunidade desde seus cinco anos de idade quando fora diagnosticada como autista e com retardo mental (gravidade não especificada).

Os acompanhamentos se deram nesta comunidade terapêutica, na qual D participa da ambiento terapia quatro vezes por semana durante um turno, realizando atividades que envolvem recortes, pintura, jogos, culinária, etc.

Recebe também tratamento psicofarmacológico: Clozapina 100mg, Topiramato 100mg.

A indicação de um AT para D se deu pela necessidade da paciente exercitar-se, pois ela está obesa.

Levando em conta que D é autista, as indicações de Acompanhamento Terapêutico para autistas são: promover contato social, autonomia, auxílio em atividades de sua rotina diária, estimular a linguagem e comunicação.

Visto que D é estimulada em todos estes aspectos na ambiento terapia, esta prática de AT teve como objetivo principal auxiliar a paciente a se exercitar, afinal ela é uma pessoa obesa e se possível oportunizar saídas para shopping, praças etc., proporcionando maior qualidade de vida.

Grande parte desses encontros aconteceram na comunidade terapêutica que D frequenta, por aconselhamento de sua psicóloga, que salientou a dificuldade de vinculação que poderia se dar com o AT.

Enfim, o vinculo se estabeleceria melhor se D estivesse na clinica onde sente-se a vontade e confia nos profissionais. D esteve em Acompanhamento Terapêutico por dois meses, duas vezes na semana, cada encontro com duração de 2 horas, totalizando 4 horas semanais.

 

 

4.1 Formação do vínculo

O vínculo entre eu e D se deu de forma gradativa. No primeiro encontro me apresentei a D como sua acompanhante terapêutica enquanto ela estava jogava vôlei.

Sua reação foi de extrema esquiva, me olhou com expressão de espanto e medo.

Apresentou-se muito desconfiada. Logo deu para perceber que o meu manejo com ela não foi o mais adequado.

Então, no início deste acompanhamento procurei estar sempre perto de D, porém sem fazer nenhuma intervenção, apenas acompanhando-a em suas atividades.

Não forcei nenhum contato, mantive-me junto a ela para que assim ela se acostumasse com minha presença e tivesse maior confiança.

Observei a forma como os estagiários a manejavam, assim eu conseguiria me aproximar dela de forma adequada.

No nosso terceiro encontro, ao chegar à clínica percebi que alguns pacientes estavam na cozinha comendo, inclusive D.

Depois que ela realizou suas tarefas de lavar a sua louça, secar e guardar me puxou pelo braço verbalizando: “vamos descer para salinha!”.

Considero que este tenha sido o marco inicial da nossa vinculação, a abertura que ela deu para iniciarmos o processo de Acompanhamento Terapêutico.

A partir deste dia, D mostrou-se mais confiante na minha presença, aceitando as minhas intervenções quanto à sua rotina e atividades a realizar.

Já me reconhecendo como sua acompanhante terapêutica, convidando-me para participar das atividades junto dela.

O estabelecimento do vínculo se deu de forma natural.

Primeiramente me aproximei silenciosamente de D, acompanhando ela e os estagiários nas atividades.

Aos poucos fui me infiltrando e os estagiários foram saindo de cena, para que ficasse apenas eu e D executando a sua rotina diária.

Por fim, minhas intervenções com D ficaram extremamente voltadas para o principal foco do Acompanhamento Terapêutico: exercitar-se.

Estimulei-a neste sentido do início ao fim de nossos encontros diários.

 

4.2 Benefícios

Neste tópico citarei os principais benefícios que o Acompanhamento Terapêutico possibilitou para a paciente D.

O principal foco deste acompanhamento foi oportunizar que D saísse do sedentarismo, e isso ocorreu, porém de forma concomitante D pôde desenvolver algumas outras habilidades.

Quando percebi que o vínculo se fortalecera, comecei a convidar D para sairmos ao pátio da clínica afim de jogarmos basquete.

D não aceitava no primeiro convite, eu insistia bastante e ela acabava aceitando. Nessas atividades físicas reparei que D apresentava pouca resistência, cansando-se facilmente, manifestando assim desejo em interromper a atividade.

Então, fiz uma combinação com ela, para que conseguisse permanecer mais tempo se exercitando. Quando ela manifestava desejo em parar a atividade e retornar da rua nós fazíamos o seguinte:

D- Vamos entrar titia!
G- Calma D, vamos ficar mais tempo, nos jogamos pouco até agora
D- D quer entrar titia! Vamos entrar titia!
G- D vamos fazer uma combinação então, tu faz mais duas cestas que a gente entra, pode ser?
D- Ela quer entrar titia, vamos entrar titia!
G- D é só fazer mais duas cestas que a gente entra. É rapidinho.
D- Quero entrar titia, vamos para o salão!
G- D eu estou esperando tu fazer as cestas e daí a gente entra!
Então após D fazer o número de cestas combinadas, dizia:
D- Vamos titia! Vamos entrar!

Nesta intervenção é possível afirmar que D desenvolve a capacidade de comunicação, ao ouvir e responder adequadamente ao estímulo.

Sempre que ela queria voltar do pátio fazíamos essa combinação de quantas cestas ela deveria acertar.

Em um determinado dia, ao manifestar a vontade de entrar para a clínica, ela mesma verbalizou: “Quero entrar titia!…Fazer cesta e entrar titia”.

Repetiu algumas vezes a mesma frase.

Eu confirmei: “Isso mesmo D tu te lembras que a gente sempre combina algumas cestas e entramos né?”

Nesta situação, além de D estar praticando uma atividade física, estava também exercitando sua memória, pois armazenou nossa combinação e quando a situação se repetiu ela resgatou a informação na memória apresentando raciocínio lógico.

Pode parecer muitas vezes que o sujeito autista não está escutando ou internalizando o que lhe é falado, pois tem dificuldade em estabelecer um diálogo, uma conversação clara.

Porém, neste exemplo, fica evidente que D estava prestando atenção no que eu tinha falado e entendeu, tanto que respondeu de forma adequada.

Considero que no trato com pacientes autistas deve-se ter paciência, pois os mesmos geralmente não respondem aos estímulos rapidamente. Não se pode desistir em trazê-los ao contato social.

D muitas vezes se referia a ela mesma como: “A D quer”, “ela quer.”:
D- Ela quer entrar titia!
G- Quem quer entrar?
D- A D!
G- Mas quem é a D?
D- Eu quero entrar titia!

Esse diálogo era muito comum, D manifestando seu desejo na terceira pessoa.

Toda vez que ela se expressava assim eu a estimulava a se comunicar na primeira pessoa, estabelecendo assim um fortalecimento do seu self.

Em uma de nossas saídas ao pátio da clínica para jogar bola, depois de um tempo nos exercitando, ela resolveu entrar, foi caminhando rápido e dizendo:

D- Vamos entrar titia! A D vai entrar, eu vou entrar!
G- E eu D? Tu vai me deixar aqui sozinha?
D- A D vai entrar titia!
G- Tu vai me deixar aqui? Me convida pra entrar contigo.
Ela ficou pensando, me olhando até que resolveu vir na minha direção caminhando rápido, segurando a bola, e me pegou pelo braço:
D- Vamos entrar titia!

Esta situação tornou-se rotina entre nós. D sempre me convidava para ir com ela quando eu intervinha perguntando se ela ia me deixar sozinha.

Considero que isso ilustre o desenvolvimento da capacidade de D em diferenciar eu X outro ao ser estimulada a me convidar, pois ajudou ela a compreender que não sou grudada nela e se ela resolve entrar não significa que eu vá entrar junto, como se tivéssemos uma relação simbiótica.

Sabe-se que os autistas têm dificuldade de interação, e pode-se observar que D conseguiu interagir de forma positiva, conseguindo o que queria através da verbalização e comportamento.

Foi possível fazer D se exercitar em quase todos os encontros.

Quando estava chovendo e ficávamos impossibilitadas de ir para o pátio, eu propunha a D que jogássemos com um balão.

Inicialmente ela não aceitava, mas depois de muita insistência, jogando o balão na sua frente, ela começava a reagir e jogar.

Nos dias em que não foi possível executar nenhuma atividade física, oferecia um livro pra D afim de que ela me contasse o que tinha nas figuras.

D verbalizava bem, às vezes com preguiça de falar, então eu a estimulava que falasse mais alto e ela o fazia. Esta atividade desenvolvia sua fala, linguagem, vocabulário e memória.

Algumas vezes ela se referia a diferentes objetos com a mesma palavra, então eu a questionava até que ela acertasse, dizendo o nome correto daquele objeto.

Acredito que a perseverança é indispensável no desenvolvimento de habilidade em sujeitos autistas.

O grau de responsividade é baixo, pois comumente distraem-se facilmente, mas ao longo de um processo de treinamento têm-se resultados muito positivos com eles.

D também foi auxiliada no que se refere a suas atividades diárias rotineiras dentro da clínica. Como lavar, secar e guardar a louça, por o lixo no lixo.

Reparei que D executava as tarefas de forma automática e que os estagiários eram muito repetitivos nas intervenções.

Repetiam diversas vezes o que ela deveria fazer, entretanto seu comportamento já estava automatizado nesse sentido, não necessitando que fosse lembrada tantas vezes de suas tarefas.

Quando D já estava sob minha responsabilidade dentro da clínica comecei a manejar diferente.

Considerei muito chato, para ela, ficar repetindo diversas vezes o que deveria fazer. Então eu era enfática e objetiva, apenas indicando suas obrigações.

D respondeu bem, afinal ela já estava tão acostumada com aquilo que não precisava de alguém repetindo a mesma coisa várias vezes.

Entretanto, quando ela estava muito desfocada, desatenta e distraia-se com mais facilidade eu tinha um manejo mais firme, chamando sua atenção repetidas vezes.

Entendo que assim ela pode desenvolver mais autonomia e pensamento em relação ao que devia fazer, deixando de ter um comportamento tão automatizado.

O Acompanhamento Terapêutico se mostrou benéfico a D, pois o fato de ter uma atenção especial na clínica, sempre com a mesma pessoa, que acompanhava suas atividades e auxiliava quando necessário, a tornou mais confiante e segura para explorar novas atividades.

Nossa saída para a “rua” foi bastante positiva. D e eu fomos ao Zaffari Supermercado perto de sua casa e ela apresentou-se muito satisfeita em dar esse passeio. Foi uma saída de aproximadamente 40 minutos.

Fomos caminhando até o supermercado. D caminhava muito rápido, afoitamente, repetindo a todo o momento “vamos no Zaffari titia!”.

O passeio possibilitou a D um contato social que freqüentemente não tem, e que aparentemente a deixa muito satisfeita, pois quando voltamos para sua casa ela não parava de me beijar e me abraçar.

Entendi que era uma forma de agradecer.

Outro ponto que considero bastante positivo neste Acompanhamento Terapêutico foi a vinculação que estabelecemos. D é muito dócil e afetiva, nossa relação de afinidade ajudou muito para que conseguirmos desenvolver as atividades.

 

4.3 Dificuldades encontradas

Considero que a maior dificuldade num relacionamento com autista, tanto em processo de psicoterapia quanto em Acompanhamento Terapêutico seja a pouca capacidade que o autista tem no contato social.

Com D não foi diferente. Foi necessária muita estimulação, para que ela conseguisse interagir, manifestar seus desejos, responder às minhas solicitações, etc.

Observei que D precisa ter um vínculo forte com as pessoas que a cercam para poder interagir de forma mais espontânea.

Os primeiros encontros em Acompanhamento Terapêutico com D foram muito limitados.

A aproximação teve de ser lenta para que ela não se assustasse, recuasse. Isso tudo evidencia que o AT é um processo que deve acontecer de forma cautelosa, sendo observado e estudado o perfil do paciente que se esta atendendo, para se ter mais facilidade na vinculação.

E, se esta for estabelecida com sucesso, já se tem um bom caminho andado. A nossa vinculação foi muito importante, foi o que permitiu-nos evoluir neste Acompanhamento Terapêutico e a ajudou a contornar as dificuldades na interação social.

Outra dificuldade encontrada neste AT se refere também a uma característica do transtorno autista: a dificuldade de comunicação, de manter um diálogo.

É um desafio atender um paciente em Acompanhamento Terapêutico que não se comunica da forma clara e precisa. Foi bastante difícil estabelecer diálogos com D.

Como já citei anteriormente, parece que o sujeito autista não nos escuta, pois não consegue estabelecer uma conversação. Entretanto, ele escuta sim, mas dificilmente olha-nos nos olhos.

Apresenta uma atenção pouco focada no exterior, distraindo-se facilmente das tarefas. Então, é importante dar atenção a outras manifestações de comunicação, como gestos, postura, enfim, comportamento. São outras maneiras de se poder interagir com um paciente autista.

O comportamento rígido e estereotipado pode ser considerado uma dificuldade nesse processo terapêutico.

D tentava manter as coisas sempre iguais. Parecia difícil para ela, por exemplo, usar um prato diferente do que ela normalmente usava sentar num lugar do sofá que ela nunca sentava.

Tinha uma tendência à inflexibilidade de comportamento. Então, tudo que foge do “padrão” a desestabiliza.

Ela não conseguia se sentar em nenhum outro lugar do sofá se alguém estava no lugar “dela”, por exemplo. Tentei intervir com D no sentido de treiná-la a sentar-se num lugar diferente e fazer seu lanche num prato diferente, pois assim que surgisse uma situação não esperada ela pudesse reagir com menos rigidez.

Considero que algumas questões referentes ao local do AT podem ter influenciado neste processo. Quando se trabalha dentro de uma instituição devem-se seguir as normas e rotinas da mesma.

O início do Acompanhamento Terapêutico foi um pouco tumultuado neste sentido, pois ao mesmo tempo em que eu acompanhava D, ia descobrindo as regras e rotinas da clínica.

Muitas vezes não conseguia diferenciar bem o meu trabalho como AT do trabalho dos estagiários da clínica.

Contudo, a supervisão semanal que tive me ajudou muito neste sentido e ao longo do processo consegui entender melhor questões institucionais e fui me adaptando.

O que também atrapalhou o meu trabalho com D foram os outros pacientes da clínica. Algumas vezes eles se agitavam muito e nessas horas era impossível manter D focada no que estava fazendo.

Ela não prestava atenção as minhas intervenções, estando focada em outro paciente. Era bastante difícil fazer D prestar atenção novamente ao que ela estava fazendo.

Geralmente nessas situações eu convidava D para irmos a outro lugar onde não estivesse ninguém, para dar continuidade a atividade.

 

5. Conclusão

Este artigo buscou conceitualizar teoricamente o acompanhante e Acompanhamento Terapêutico.

Abordou também o conceito do transtorno autista. Colocaram-se em discussão o material obtido a partir da experiência de AT com uma paciente autista dentro de uma comunidade terapêutica.

O Acompanhamento Terapêutico de um paciente autista é tarefa difícil, que requer muito investimento, paciência e cuidados, mas, acima de tudo, possibilita um aprendizado que ficará bem guardado.

A vinculação que se deu entre mim e a paciente foi à ferramenta básica para termos alcançado nossos objetivos.

Considero que o AT é um recurso muito eficaz no tratamento de autistas. Pode auxiliar o sujeito no âmbito social, educacional, linguagem, comunicação, na execução de rotinas diárias, higiene, autonomia.

É importante salientar que a paciente desta prática está em ambiento terapia há vinte sete anos, tendo aprendido e desenvolvido diversas habilidades ao longo desses anos.

Por isso, conseguimos realizar algumas atividades com sucesso, pois D sempre fora muito estimulada na comunidade terapêutica.

Deve-se considerar que sempre serão encontradas algumas dificuldades no caminho desse processo terapêutico. Assim, devem ser pensadas possíveis soluções para contornar os problemas.

Entendo que o Acompanhamento Terapêutico esta sempre a serviço de promover melhor qualidade de vida para o paciente, seja dentro da clínica, na rua, ou na casa do sujeito.

Esse é o nosso objetivo norteador independente dos outros objetivos diretos.

 

6. Referências

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  4. CHNAIDERMAN, M. Vida e Morte no trabalho com psicóticos. In: A CASA. Equipe de Acompanhantes terapêuticos do Hospital-Dia (org). A rua como Espaço Clínico: Acompanhamento Terapeutico. São Paulo: Escuta. 1991.61-65
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  7. FACION, J. R. Transtornos invasivos do desenvolvimento associados a graves problemas de comportamento: reflexões sobre um modelo integrativo. Brasília: CORDE, 2002. 112 p.
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  15. SILVA, A.T. A emergência do acompanhamento terapêutico: o processo de constituição de uma clínica. Dissertação de Mestrado. Programa de pós-graduação em psicologia social e institucional. Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Porto Alegre. 2005.
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Autora: Gabriela Cioccari Santos – Estudante de graduação do curso de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS). Formação no “Curso de Capacitação em Acompanhamento Terapêutico” (CTDW).

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