A aplicação a diferentes situações, do conflito familiar à drogadição, é uma das características desse modo de apoio profissional.
O acompanhamento terapêutico (AT) surgiu juntamente com o movimento antimanicomial, num momento em que se buscavam saídas mais promissoras para o tratamento das doenças mentais, principalmente as psicoses, que não o enclausuramento.
Esse foi um dos motivos pelos quais a psicanálise – tanto a de Freud quanto a de Winnicott – teve influência direta no desenvolvimento do acompanhamento terapêutico no Brasil.
Mas a psicanálise não tem sido a única influência nesse trabalho. No grupo de acompanhamento terapêutico da clínica-escola da Universidade Paulista, em Araçatuba, por exemplo, a terapia cognitivo-comportamental tem sido a base para a condução de muitos casos.
As técnicas de reestruturação cognitiva e de comportamento, a variação de settings, o treino em habilidades sociais, o manejo de estresse e vários outros procedimentos nos auxiliam na estruturação e compreensão de cada caso no seu processo, a partir das saídas de acompanhamento, ajudam-nos, ainda, a formular hipóteses sobre esses casos e na escolha do melhor posicionamento em diversos momentos.
A terapia cognitivo-comportamental se baseia, principalmente, na reestruturação cognitiva como meio de promover a mudança de um comportamento inadequado para outro mais desejável, e, decorrente da ampliação de raciocínio, é possível perceber outras mudanças positivas, como o aumento da capacidade de socialização, da criatividade e da autonomia, estruturação de hábitos cotidianos adequados e estimulação de capacidades latentes, baixando, assim, o nível de ansiedade.
Ao viver essa experiência, nos deparamos com a cena, ao passo que, na cena analítica, estaríamos somente com os elementos de discurso. Isso ocorre quotidianamente e sempre exige um manejo adequado por parte do acompanhante.
O surgimento do AT, como já dissemos, está diretamente ligado à história da loucura e ao tratamento das psicoses e à psicanálise.
Mas, por outro lado, temos observado que este tipo de trabalho vem se ampliando cada vez mais, possibilitando intervenções no campo da deficiência mental, da drogadição, do alcoolismo, da depressão, de casos de acidentados que necessitam de apoio domiciliar especializado, das recuperações cirúrgicas, da terceira idade e também em casos nos quais há recusa e/ou contra-indicação do trabalho terapêutico em consultório.
A função de holding
No acompanhamento, em muitos momentos do percurso com um paciente, a função de holding tem papel marcante.
Segundo K. D. Barreto, “são momentos em que simplesmente estamos ali, junto ao nosso acompanhado, compartilhando uma dor, a conclusão de alguma tarefa ou, quando nos aproximamos do final do encontro, situações em que percebemos que não há o que fazer ou dizer, e o fato de estarmos ali já significa bastante para nosso acompanhado.
Penso que o valor desta experiência não se dá somente por um corpo junto ao corpo do paciente – a proximidade de dois corpos –, mas por ser um corpo habitado, um corpo atento, um corpo que carrega a história do próprio vínculo”.
Em outras palavras, a experiência é integradora porque o sujeito está sendo acompanhado por um corpo simbólico (simbolizado e simbolizante), e não somente pela matéria física. Trata-se de um outro sujeito, capaz de testemunhar e compartilhar as experiências do acompanhado. A estabilidade e a constância nas atitudes do terapeuta também exerceriam função de holding.
Em relação ao referencial teórico adotado pelo acompanhante terapêutico, existem aspectos importantes dessa função. Se os referenciais teóricos estão integrados ao próprio ser do terapeuta e à sua personalidade, haverá um favorecimento do holding.
Por outro lado, se os referenciais não estão bem integrados, ou ainda, se adotamos diferentes referenciais, contraditórios entre si, poder-se-á colocar o paciente em confusão, o que dificultará ou romperá o vínculo de confiança.
Caso isto ocorra, a função de holding estará comprometida. Leonel Braga Neto, no texto Contribuições para uma Topografia do Acompanhamento Terapêutico, defende que para operar alguma ruptura na pura repetição se deve implicar com o desejo fabricando ações. Isso significa que o acompanhante terapêutico deve se posicionar indicando sempre subjetividade, como uma abertura para o virtual.
Se uma paciente precisa ir ao ginecologista, por exemplo, mas teme fazê-lo, é possível propor ir com ela ou ensaiar uma consulta imaginária durante o encontro, para lidar com o medo.
Muitos fatos ocorrem nestes acompanhamentos, mas o fundamental é o desdobramento das cenas e o aparecimento de outras possibilidades nunca antes experimentadas. Dificuldades que parecem intransponíveis são surpresas que mudam o rumo da prosa e a rota preestabelecida. São nessas situações que o sujeito se mostra, encontrando então ressonância ou, ainda, esbarrando na mais completa incomunicabilidade.
Valor da amizade
No campo da experiência cultural, marcado por fenômenos transicionais e contingências diversas, Barreto nos propõe a reflexão sobre se as dimensões do espaço e do tempo estão suspensas e mergulhamos em outra na qual o ser de cada um toca e transforma o ser do outro. Se essa experiência foi possível de ser vivida por duas pessoas, acredito ser difícil não denominá-la amizade. E essa experiência não é exclusiva dos humanos.
Mas se o encontro acontece, não precisamos nos esforçar ou nos preocupar em guardar no coração, pois é lá sua morada desde o momento em que nasceu. Penso que no AT há uma singularidade na amizade ou no sentimento de solidariedade que é dado pela tarefa que define o encontro. Não tanto pelos elementos sensoriais de enquadre, mas pela possibilidade de instrumentalizá-la a fim de auxiliar o desenvolvimento psíquico do sujeito acompanhado.
As experiências vividas sugerem que a ampliação do campo do AT tem beneficiado os sujeitos que necessitam de participação ativa de serviço especializado devido a comprometimento na área emocional e/ou na área orgânica. Atualmente, como já vimos, esse tipo de atendimento tem sido reconhecido não só pela sua necessidade em crises psicóticas graves, mas para o acompanhamento de adictos e fóbicos de um modo geral, contribuindo para a reestruturação das funções identificadas como sintomáticas.
Fonte:
Revista Viver Psicologia. Endereço: http://www.revistaviverpsicologia.com.br/site2/detalhe.php?edicao2=123&pag_id=239
Autora
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Mirella Martins Justi – é psicóloga, tem mestrado em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem (UNESP), é aluna regular (doutorado) do Programa de Pós Graduação em Psicologia Social da PUC de São Paulo como bolsista da CAPES. É membro do Grupo Interdisciplinar de Pesquisa sobre a Identidade Humana (CNPq) e do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Identidade-Metamorfose (NEPIM/PUC-SP). Desde 2014 atua como coordenadora do curso de Psicologia do UniSALESIANO de Araçatuba; é professora e supervisora clínica de cursos de graduação e ministra aulas para cursos de Pós-Graduação Lato Sensu. Atua principalmente com os seguintes temas: Saúde Mental, Clínica Humanista, Oficinas Terapêuticas, Plantão Psicológico, Qualidade de Vida, Identidade, Emancipação, Povos indígenas, Educação de povos indígenas, Xavante. (Fonte: Currículo Lattes).
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