Acompanhamento Terapêutico: emergência psiquiátrica e o risco de suicídio

Resumo: Objetivo: Auxiliar o profissional at, na compreensão da importância de conhecimentos em emergência psiquiátrica, para melhor desenvolver um serviço de qualidade e com segurança ao paciente. Método: Revisão seletiva de conteúdo. Resultados: Podemos notar que há grande numero de pacientes com distúrbios psiquiátricos em acompanhamento terapêutico, visando não abusar de fármacos, ou até mesmo casos onde não são suficientes, muitas vezes se faz necessário a intervenção física, contenção, dentre outros cuidados paliativos. Ressaltamos a importância do conhecimento teórico prévio em emergências psiquiátricas para familiarização e utilização de técnicas, assim desenvolvendo um melhor atendimento em situações de risco.

Palavras-chave: Acompanhamento Terapêutico, emergência, suicídio.

Acompanhamento Terapêutico suicídio

Acompanhamento Terapêutico: emergência psiquiátrica e o risco de suicídio

Introdução:

O Acompanhamento Terapêutico – AT tem suas origens no final da década de 60 na Argentina (o “nome” AT nasceu na Argentina, mas antes disso, a prática já existia em outros locais, ex.: Brasil, EUA, etc.), chamado inicialmente de diversas formas como: auxiliar psiquiátrico (RS), atendente terapêutico (RJ), amigo qualificado (Buenos Aires) para mais tarde vir a se chamar de acompanhamento terapêutico – AT. Assim como os nomes, suas formas de atuação também foram se alterando.

No Brasil passou por clinicas como “Pinel” em Porto Alegre e comunidades terapêuticas do Rio de Janeiro, Com o declínio e fechamento das comunidades terapêuticas o profissional at fica a deriva, sem emprego. Notando a importância de seus serviços, famílias de pacientes, começam a contratá-los particularmente para desenvolver o mesmo trabalho que tinham nas comunidades e/ou clinicas. Assim então, começa a se consolidar a pratica independente do AT.

Partindo do objetivo terapêutico de inclusão social, semelhante com os princípios da reforma psiquiátrica e reabilitação psicossocial, o acompanhamento terapêutico é uma atividade clinica, que constantemente procura deslocar o individuo de sua situação de dificuldade para poder recriar algo de novo. O projeto terapêutico não é ocasional, apesar da convivência com o inesperado. É como se fosse um guia, provido de uma proposta terapêutica, que procura adequar a pessoa em seu espaço social. (PITIÁ et al, 2009; SILVA, 2005).

É a possibilidade de o setting ocorrer na rua que diferencia o acompanhamento terapêutico das outras praticas clinicas. Assim, o acompanhante terapêutico busca na rua a possibilidade de o sujeito integrar-se ao contexto social. (PELLICCIOLO, 1998; SILVA, 2005).

Para Mauer e Resnizky (1987), o acompanhante terapêutico deve: conter o paciente, reforçar e desenvolver sua capacidade criativa, representar o terapeuta, informá-lo sobre seu mundo objeto, ressocializar, ser um catalisador das relações familiares.

Vídeo aula sobre “Identificação de risco de suicídio”

Suicídio

Segundo Kaplan e Sadock (1981, p. 624) “embora alguns suicidas procurem realmente a morte, outros estão tentando comunicar seu sofrimento, mitigar sua solidão e evitar as sequelas de uma alteração do status; também podem estar em busca de vingança, bem como transmitindo uma quantidade de outros significados”.

Na maioria dos casos estão associadas a diversos transtornos mentais, dos quais os transtornos do humor (particularmente a depressão), os transtornos por uso de substâncias (especialmente a dependência de álcool), as esquizofrenias e os transtornos de personalidade. (BERTOLOTE; SANTOS; BOTEGA, 2010).

Cuidadosas análises demonstram que o fator isolado mais importante no suicídio, na maioria dos casos, é uma experiência traumática de rejeição. Segundo pesquisa Bertolote et al. (2010) demonstram fatores predisponentes ao comportamento suicida: isolamento social, abuso físico emocional ou sexual na infância, estar desempregado ou aposentado, transtornos mentais, estado civil divorciado, viúvo ou solteiro, presença de doenças físicas, pertencer a uma minoria sexual (homossexuais e transexuais). E fatores precipitantes ao possível ato suicida, tais como: ruptura de relação amorosa, rejeição afetiva e/ou social, modificação da situação econômica ou financeira, vergonha, temor de ser descoberto (por algo socialmente indesejável), graves perturbações familiares.

No uso de substancias psicoativas onde há intoxicação de estimulantes como cocaína, anfetaminas ou álcool constituem fatores predisponentes bastante freqüentes ao suicídio, com desdobramentos problemáticos quando o paciente encontra-se deprimido. Em casos da dependência química sem co-morbidade psiquiátrica, o at costuma atuar durante o período de construção ou manutenção de abstinência, no qual a probabilidade de suicídio tende a ser menor. (ESTELLITA-LINS; OLIVEIRA; COUTINHO, 2006). Na depressão alcoólica “a tendência autodestrutiva da população alcoólatra esta bem confirmada com uma freqüência de suicídios variando de 7 a 21 por cento”. Se forem incluídos os que freqüente e seriamente estão preocupados com pensamentos suicida, o numero sobre para 40 por cento”. (KAPLAN; SADOCK, 1984, p. 471).

Pacientes esquizofrênicos representam um elevado numero de suicídios. Segundo Kaplan e Sadock (1984, p.287) “podem suicidar-se por estar profundamente deprimido – por exemplo, durante uma reação esquizoafetiva. Ou pode matar-se ao comando implacável de vozes alucinatórias”.

“Provavelmente o maior numero de suicídios ocorre entre aqueles que sofrem de esquizofrenia incipiente. Algumas vezes no primeiro estagio do desenvolvimento da doença, nem a família da vítima nem seus amigos mais íntimos têm a menor suspeita do terrível problema com que luta o paciente”. (Kaplan e Sadock, 1984, p. 287).

Depressão

Segundo o DSM-IV pelo menos cinco dos nove sintomas que se seguem devem estar presentes em um estado de depressão maior: humor deprimido, redução do interesse ou prazer em todas ou quase todas as atividades, perda ou ganho de peso, insônia ou hipersonia, agitação ou retardo psicomotor, fadiga ou perda de energia, sentimentos de desvalia ou culpa inapropriados, redução da concentração e idéias de morte ou de suicídio. Para o diagnóstico, é necessário que os sintomas durem pelo menos duas semanas e um deles seja, obrigatoriamente, humor deprimido ou perda de interesse ou prazer.

Chachamovic e colegas (2009), em seus estudos, nos demonstram que a importância da comorbidade na elevação do risco de suicídio também está bem estabelecida. Um estudo finlandês de autópsia psicológica, numa amostra aleatória de 229 suicídios, revelou que 93% tinham um diagnóstico psiquiátrico de Eixo I. Apenas 12% dos casos receberam tão somente um diagnóstico de Eixo I, sem outra doença coexistente. Quase metade dos casos (44%) tinha dois ou mais diagnósticos de Eixo I. Os transtornos mais prevalentes foram depressão (59%) e dependência ou abuso de álcool (43%). Mais além, um recente estudo sobre a mesma casuística demonstrou que, embora metade das vítimas consideradas deprimidas estivesse sob tratamento psiquiátrico à época do suicídio, poucas estavam recebendo tratamento adequado para depressão.

Avaliação da crise

Primeiramente, como em outras terapias, é indispensável um bom vinculo com o paciente. Segundo Scivoletto et al. (2010), na criança/ adolescente precisamos considerar que o conceito de morte e de auto-extermínio modifica-se de acordo com seu desenvolvimento, em geral a criança não entende a morte como algo definitivo, para ela seria como dormir e acordar. Já em adolescentes pode ser claro. Mas, dificilmente relatam tal desejo espontaneamente, não é incomum confiarem seus planejamentos e/ou desejos suicida apenas a amigos. Devido a isto, recomenda-se a utilização de técnicas não-verbais como, brinquedos, jogos e desenhos.

“A intenção de morrer pode ser explícita e forte ou ambígua e indefinida. A avaliação da intencionalidade pode ser difícil, principalmente entre crianças e pré-adolescentes, que podem se autoagredir sem o desejo consciente de morrer, num acesso de raiva e frustração. Portanto, é fundamental reconhecer as características da criança/adolescente e de seu ambiente para avaliar o potencial de letalidade do CS”. (Scivoletto et al., 2010, s114).

Podemos notar na citação acima uma das características importantes do acompanhante terapêutico na identificação e prevenção do comportamento suicida, uma vez que o at tem sua função de interagir com o paciente em seu ambiente cotidiano, sua casa, shopping, parques, rua, etc.

Estellita-Lins et al. (2006) explicam que avaliando que o paciente desperta ideação suicida deve-se perguntar diretamente, assim que o at sentir-se a vontade, se este paciente se sente tão mal a ponto de acabar com tudo, ou com palavras que forem apropriadas no momento. Não há constatações clinicas onde diz que tratar, falar, de suicídio com paciente suicida incuta na execução do ato, frequentemente ocorre o contrario. O paciente sente-se aliviado por poder falar de seu sentimento auto-destrutivo, este comportamento do at pode assegurar-lhe que esta lidando com um profissional que se sente há vontade no assunto e não esta ali para recriminá-lo.

Se sua resposta for afirmativa, deve ser incentivado a continuar falando. Durante a conversa é importante demonstrar interesse, espontaneidade, as palavras usadas inspiram confiança. Notando a aceitação do paciente deve-se começar com perguntas mais especificas como: se há um plano para tal ato, sua disponibilidade para que isso ocorra, de onde vem essa idéia, se são pensamentos de ação isolada, de agora ou já vêm de tempos?

O at que detecta e inicia tal abrdagem deve estar preparado para um papel ativo, tendo de comunicar ao psicólogo/ psiquiatra do paciente qualquer evolução ou regressão do caso, se não houver outro tipo de acompanhamento, dependendo do gravidade, chamar familiares e/ ou amigos ou ate mesmo a internação. (KAPLAN; SADOCK, 1984).

TCC uma boa alternativa

Como podemos notar em muitos, se não em todos os casos de tentativa ou o desfecho suicida, é feito por conseqüência de sentimentos de rejeição geralmente seguido de uma crise, experiência traumática.

Uma boa alternativa, no caso da detecção de pensamentos suicida, é o at indicar a um acompanhamento profissional de terapia cognitivo Comportamental – TCC, terapia esta que ajuda os pacientes a modificar crenças e comportamentos que produzem certos estados de humor.

Segundo Powell et al. (2008), muitos estudos e metanálises indicam que ela é efetiva no tratamento da depressão, seja leve, moderada ou grave. Além disso, a efetividade da TCC na depressão é tão ou mais robusta do que a farmacoterapia ou outros tipos de intervenções psicológicas (por exemplo, terapia interpessoal ou tratamento de apoio). A TCC tem tido o benefício adicional notado em muitos estudos: provoca resposta mais duradoura em comparação com o tratamento farmacológico e pode proporcionar um efeito substancialmente protetor quanto às recorrências. Mas faz-se necessário o tratamento medicamentoso em casos onde se identifica alterações psicopatológicas.

 Conclusão

 O acompanhamento terapêutico vem se desenvolvendo cada vez mais e quebrando pré-conceitos a seu respeito. Pratica esta muito importante para ressocialização de pacientes que “presos” dentro de clinicas ou em sua própria residência, não teriam o mesmo grau de evolução. Notamos a importância da terapia com pacientes suicida, uma vez que o mesmo muitas vezes é internado, pois não pode ficar sozinho, e o at se faz presente como um amigo munido de técnicas e conhecimento pronto para ajudar.

Através desta revisão seletiva de conteúdo podemos refletir sobre o quão importante e complexo é o estudo da mente humana, seus desejos, prazeres, traumas, manias, o que nos leva a determinados atos. Podemos ver a difícil tarefa das pesquisas nos dizerem, concretamente, o porquê do comportamento suicida em certas pessoas. Será na forma que foram criadas? Nos traumas de infância/adolescência? Baixa tolerância a frustrações? Ou desenvolvemos este comportamento por aparentemente nenhuma destas razões? Sim, como vimos, pode ser tudo isso.

Pude notar que na maioria, se não em todos os casos, a pessoa se sente muito rejeitada. Citado no texto temos uma lista de fatores predisponentes e precipitantes ao ato suicida, analisando podemos levar cada item ao sentimento de rejeição, o que nos leva a depressão também muito ligada. Então concluo com este estudo a importância de um bom e criterioso tratamento a pacientes com depressão, evitando assim situações, pensamentos que gerem risco de grandes proporções à vida do paciente o levanto a atos irreversíveis.

Acredito que escalas, tabelas possam nos dar a ponta do iceberg, situações predisponentes. E o que nos leva a esta situação? Como evitarmos chegar a ela?

Ressalto a importância de sempre serem feitas atualizadas pesquisas no assunto, e de visões diferentes como: psicanálise, TCC, gestalt, espiritual, etc. Com grupos controle, em situações adversas, revisando criteriosamente o passado da pessoa anteriormente ao acontecimento (a tentativa de suicídio). Se tratando da subjetividade humana podemos dizer que agimos, pensamos e interpretamos estímulos iguais de maneiras diferentes. Acredito que por isso a grande dificuldade de se ter um linear do CS.

A espiritualidade ainda é muito criticada no meio acadêmico. Mas já há pesquisas de EQM – experiências de quase morte, relatada por pacientes que foram dados clinicamente como mortos e horas depois voltaram a viver relatando vivencias (“sonhos” espirituais) que re-significaram sua vida atual, e todos muito parecidos, descartando a idéia de “mentira”, delírio. RIME – relaxamento, imagens mentais e espiritualidade, é uma técnica que já vem sendo utilizada em pacientes oncológicos sem chance de cura. Talvez possamos levar de algum modo tais experiências (EQM) a estes pacientes que por diversas situações perdem a vontade de viver.

Podemos dar grandes passos para redução nas taxas de suicídio começando por aceitar as pessoas tais como elas são, acabando com os tabus sociais, falando sobre as idéias de suicídio. Só o fato de poderem falar sobre o que sentem ajuda a reduzir a sua angustia, começando a ver outras opções e reduzindo as probabilidades de tentativa de suicídio.

Bibliografia

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  3. ELIAS, Ana Catarina Araújo; GIGLIO, Joel Sales; PIMENTA, Cibele Andrucioli de Mattos; EL-DASH, Linda Gentry. Programa de treinamento sobre a intervenção terapêutica “relaxamento, imagens mentais e espiritualidade” (RIME) para re-significar a dor espiritual de pacientes terminais. Rev. Psiq. Clin. V. 34, p. 60-72. 2007. Disponível em http://www.scielo.br/pdf/rpc/v34s1/a09v34s1.pdf. Acesso em 22 jul. 2011.
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  8. SCIVOLETTO, Sandra; BOARATI, Miguel Ângelo; TURKIEWICZ, Gizela. Emergências psiquiátricas na infância e adolescência. Ver. Bras. Psiquiatria. v. 32, p.112-120. 2010. Disponível em: http://scholar.google.com.br/scholar?q=Emerg%C3%AAncias+psiqui%C3%A1tricas+na+inf%C3%A2ncia+e+adolesc%C3%AAncia&hl=pt-BR&btnG=Pesquisar&lr=. Acesso em: 14 jul. 2011.

Autor: Fernando S. Bittencourt – Graduado em Psicologia pela UNISINOS. Formado no “Curso de Capacitação em Acompanhamento Terapêutico” da CTDW. Email: [email protected]

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