O Acompanhamento Terapêutico com Psicóticos: Possibilidades e Desafios

RESUMO

A prática do Acompanhamento Terapêutico (AT) iniciou-se com pacientes psicóticos em instituições, porém, desde o início da reforma psiquiátrica esse contexto apresenta novas características. Este artigo, buscando explorar essa temática, visa mostrar tanto as contribuições quanto as limitações dos procedimentos tradicionais com pacientes psicóticos, propondo a reflexão sobre as possibilidades e desafios do AT. Inicialmente é contextualizado e conceituado o Acompanhamento Terapêutico, diferenciando-o de outras intervenções, tendo um setting ampliado e diversificado. Em seguida, é apresentada a dinâmica da psicose na abordagem psicanalítica e as intervenções convencionais para esses pacientes, enfatizando as possibilidades do AT frente aos mesmos. Sem pretender esgotar o tema, este artigo elucida questões referentes à prática do Acompanhamento Terapêutico, o qual não exclui outras abordagens, podendo ser complementar a outros tratamentos.

Palavras Chave: Psicose. Psicanálise. Acompanhante Terapêutico.

ABSTRATIC

The practice of Therapeutic Monitoring began in institutions with psychotic patients. However, since the beginning of the psychiatric reform, this context presents new features. This article tries to explore this theme and shows both the contributions and limitations of traditional procedures with psychotic patients. It also proposes a reflection on the possibilities and challenges of Therapeutic Monitoring. Initially the Therapeutic Monitoring is contextualized and conceptualizes, differentiating this intervention of others, for example, on Therapeutic Monitoring the setting is expanded and diversified. Then are presented the dynamics of the psychoanalytic approach to psychosis and conventional interventions, emphasizing the possibilities of the Therapeutic Monitoring with psychotics patients. Without pretending to exhaust the subject, this article clarifies the issues regarding the therapeutic monitoring, which does not exclude other approaches, and may even be complementary to other treatments.

Keywords: Psychosis. Psychoanalysis.Therapeutic Companion.

O Acompanhamento Terapêutico com Psicóticos: Possibilidades e Desafios

INTRODUÇÃO

Apesar do substancial desenvolvimento da psicanálise tanto em termos teóricos quanto práticos, há ainda limitações da técnica para o atendimento de pacientes psicóticos. Portanto, é relevante o desenvolvimento de alternativas que auxiliem o enfrentamento da realidade, contemplando as demandas desses pacientes. É possível tentar diminuir o sofrimento psíquico do psicótico, bem como de seus familiares, lançando mão de outras possibilidades, como a prática do acompanhamento terapêutico (AT). Esta, não exclui outras formas de tratamento, sendo, muito vezes, utilizada para complementar intervenções psicológicas/psiquiátricas e farmacológicas que o paciente já recebe.

Atualmente, conforme Pelliccioli (2004), o tratamento dos pacientes psicóticos não se restringe mais unicamente aos hospitais psiquiátricos e manicômios. Com isso, vem se consolidando novas formas de abordagens destes quadros clínicos, sendo uma delas a atuação do Acompanhante Terapêutico, o qual tenta levar o indivíduo às ruas, ao convívio social e, diferentemente das antigas políticas de internação psiquiátrica, visa à inclusão na sociedade.

Na atualidade, então, quais seriam os interesse ou motivações dos profissionais, familiares ou pacientes em buscar a ajuda de um Acompanhante Terapêutico em caso de psicose? Este artigo pretende abordar a relevância do AT, propondo a reflexão sobre o trabalho do Acompanhante Terapêutico nos quadros psicóticos, considerando as dificuldades envolvidas nos tratamentos convencionais. Inicialmente é contextualizado e conceituado o AT, diferenciando-o de outras intervenções psicológicas, tendo um setting ampliado e diversificado. Em seguida, é apresentada a definição de psicose na abordagem psicanalítica e as intervenções convencionais, enfatizando as possibilidades de auxílio do AT para pacientes psicóticos.

Origens do Acompanhamento Terapêutico

Segundo Porto e Sereno (1991), o trabalho do AT teve origem na Argentina no final da década de 1960, sendo inicialmente denominado “amigo qualificado”. Posteriormente, a atuação do Acompanhante Terapêutico ganhou força com os ideais antipsiquiatria e antimanicomias vindos da Europa, chegando ao Brasil em 1970, difundindo-se nas cidades de Porto Alegre, Rio de Janeiro e São Paulo.

Conforme Pelliccioli (2004), com a Reforma Psiquiátrica, surgiram demandas para uma nova abordagem no tratamento dos pacientes, principalmente, dos psicóticos, já que eram a maioria nos manicômios e, não mais segregados, necessitavam de mecanismos de inserção social. Dessa forma, juntamente com o fim do Regime Ditatorial brasileiro, que gerou a abertura política, passou-se a reinscrever as abordagens terapêuticas destinadas aos pacientes psiquiátricos, além de expandir o campo de atuação, até mesmo no espaço público.

Com isso a prática do AT começa a ganhar espaço e forma, em diferentes modalidades, pela sua possibilidade de abrir mão dos settings tradicionais até então conhecidos para as intervenções terapêuticas. O AT, de acordo com Lins; Oliveira; Coutinho (2009) foi deixando de ser restrito a casos crônicos e com poucas respostas aos tratamentos para assumir um papel ativo em diversos transtornos e nas urgências e situações críticas em saúde mental.

Características do Acompanhamento Terapêutico

Conforme Berger (1997), o Acompanhamento Terapêutico é uma clínica que visa romper com o isolamento dos sujeitos psicóticos ou outros que demandam tratamento especializado. Caracteriza-se por ocorrer fora dos modelos tradicionais de tratamento, uma vez que acontece na interface do acompanhante, do acompanhado e da cidade.

Consoante com isso, Palombini (2004), afirma que o desprendimento da clínica estritamente institucional, o qual por vezes é feito por meio do AT trazendo o paciente ao cotidiano da vida, tem como possível conseqüência o enriquecimento do espaço terapêutico com uma variedade de experiências. Dessa forma o AT tem um setting ampliado, sendo realizado em espaços públicos, como shoppings, parques, cinemas, lojas e até mesmo na casa do paciente. Além disso, horários e freqüência de encontros podem ser os mais diversos, atendendo as necessidades e possibilidades de cada sujeito.

Segundo Camargo (1991), o objetivo do Acompanhamento Terapêutico é criar um vínculo com a pessoa, a fim de poder se integrar a vida cotidiana dela, por um número estabelecido de horas. Com isso, de acordo com Fiorati e Saeki (2008), é possível recuperar o direito dessa pessoa de usufruir da vida pública, já que pelo adoecimento ela pode ter se ausentado da dinâmica social em diferentes níveis.

Assim, visa uma recuperação da ação mundana e social, uma vez que no Acompanhamento Terapêutico, como propõe Porto e Sereno (1991), procura-se, juntamente com o sujeito, sua organização interna mais convivível, possibilitando que o mesmo encontre pontos de contato com o movimento social. Portanto o AT funciona como um catalisador de uma situação ou acontecimento onde o sujeito está incluído.

De acordo com Coda (2010), a prática do AT pode ser independente ou estar inserida dentro de uma estratégia terapêutica. Nesse último caso pode envolver uma equipe multidisciplinar, onde então, o trabalho é pensado de forma coletiva, abrangendo o objetivo de todas as áreas envolvidas, como psicologia, psiquiatria, entre outros. Vale ressaltar que o Acompanhamento Terapêutico sempre é desenvolvido de acordo com as especificidades do caso, respeitando interesses pessoais, necessidades, possibilidades, enfim, cada acompanhamento será diferente do outro, uma vez que cada indivíduo tem sua singularidade.

Conforme Verrísimo (2010), o AT pode ser utilizado no tratamento de fobias, TOC, depressão, dependência química. Portanto, não se limita aos pacientes psicóticos. Complementando a abrangência de atuação do Acompanhante Terapêutico, Londero e Pens (2010), consideram-no indicado para transtornos de ansiedade, transtornos afetivos, transtornos de déficit de atenção, transtornos de personalidade. Além disso, pode abranger diferentes faixas etárias e gravidade de sintomas.

Segundo Carvalho (2004), a prática do AT também não se restringe aos profissionais da Psicologia, podendo ser realizada por profissionais ou mesmo estudantes de outras categorias profissionais. Isso ocorre, uma vez que no Brasil, ainda não há regulamentação específica dessa prática.

De acordo com a literatura, então, o Acompanhamento Terapêutico é uma prática que tenta acontecer na rua, no convívio social, diferente de uma psicoterapia que ocorre em um consultório. Nesse sentindo, segundo Pitiá (2004) a prática do AT tenta minimizar os efeitos da estigmação das pessoas, a começar pela própria forma de intervenção que visa criar recursos com o sujeito, para que ela tenha autonomia, podendo conviver e se desenvolver no seu meio social e urbano, apesar dos limites e dificuldades pessoais.

Conceitualização do Termo Psicótico

Segundo a Associação Psiquiátrica Americana (2002), não há uma definição do termo psicótico aceita universalmente, sendo que este tem recebido historicamente diversas definições. Dessa forma, o termo psicótico pode abranger delírios ou alucinações proeminintes, ocorrendo na ausência de insight ou que o indivíduo percebe como sendo experiência alucinatória. Uma definição mais ampla pode incluir ainda outros sintomas positivos da Esquizofrenia como, discurso desorganizado, comportamento amplamente desorganizado ou catatônico. O termo ainda pode ser conceitualmente definido como uma perda dos limites do ego ou um amplo prejuízo no teste de realidade.

Dessa forma diferentes transtornos psicóticos abrangem diferentes aspectos da definição de psicótico. Portanto, há distinção entre sintomas psicóticos em si e configurações de transtorno psicóticos específicos como, Transtorno Esquizofreniforme, Transtorno Delirante, Transtorno Psicótico Breve, entre outros.

Psicodinâmica da Psicose

Na conferência “A perda da realidade na neurose e na psicose”, Freud (1924) mostra que na psicose, a serviço do id, o ego primeiramente afasta um fragmento da realidade, tendo então a segunda tarefa de reparar essa perda da realidade. Cria, portanto, uma nova “realidade” que não levanta mais as mesmas objeções da antiga, a qual foi abandonada. Na perspectiva psicótica, as percepções correspondentes a nova realidade, podem ocorrer por meio de alucinações. Mais tarde, Freud adota a ideia de dissociação da consciência, sendo então a psicose compreendida com uma clivagem do “eu”.

Em situações normais, de acordo com Freud (1924), o mudo externo governa o ego de duas formas, envolvendo primeiramente as percepções atuais e presentes, as quais são sempre renováveis, e posteriormente, o armazenamento de lembranças de percepções anteriores, as quais adquirem a forma de um “mundo interno”, tornando-se, então, uma possessão do ego e fazendo parte de sua constituição. Nas esquizofrenias, pode ocorrer uma perda de toda participação do indivíduo com a realidade exterior. Já os delírios, por sua vez, aparecem como uma forma de ‘remendo’ do espaço onde originalmente apareceu uma ‘fenda’ na relação do ego com o mundo externo. Nesse sentido, podem ser vistos como uma tentativa de cura, tentando ligar novamente a libido ao objeto.

Segundo Maia (2005), o mecanismo central de formação da psicose é o da recusa (verleugnung), onde os sentidos da realidade ficam turvos e ambíguos. Há, então, uma despontencialização na capacidade de simbolizar. Dessa forma, conforme Costa (2009), a realidade recusada é substituída por uma realidade alucinatória e, assim, a realidade psíquica e a externa não se distinguem mais, confundindo-se na mente do sujeito.

Dificuldades e avanços psicanalíticos com pacientes psicóticos

Conforme Karniol (2003), atualmente, apesar do substancial desenvolvimento teórico-prático atingido, o emprego da psicanálise com pacientes psicóticos ainda é limitado. Desde os tempos de Freud e a partir de seus esforços tem se tentando elaborar um processo analítico ou mesmo uma psicoterapia que possa dar conta, de forma mais integrada, das demandas desses pacientes. Freud define as psicoses como:

Estados de confusão e depressão profundamente arraigados “poderia dizer tóxicos” não se prestam, portanto à psicanálise; pelo menos não para o método que vem sendo praticado até o presente. Não considero de modo algum impossível que mediante modificações adequadas do método possamos ser bem sucedidos em superar essa contraindicação e assim podermos iniciar uma psicoterapia das psicoses (FREUD 1904, v.7 p. 274).

O texto de Freud enfatiza algumas limitações iniciais encontradas pela psicanálise para tratar dos pacientes psicóticos. No entanto, ele considerava que com modificações pertinentes na técnica seria possível dar conta desses pacientes.

Uma das dificuldades apontadas por Freud era conseguir se comunicar ou estabelecer uma relação de transferência com os pacientes psicóticos, como se pode observar nesse trecho: “Esse pacientes paranóicos, melancólicos, sofredores de demência precoce, permanecem, de um modo geral, intocados e impenetráveis no tratamento psicanalítico. Qual seria a razão? Certamente não é a falta de inteligência.” (FREUD, 1916, p. 440).

Em “Linhas de Progresso da Terapia Analítica”, Freud (1918) afirma que a psicanálise terá que se defrontar com alguns desafios, admitindo então, as imperfeições das compreensões adquiridas até aquele momento, sendo necessários novos conhecimentos e alterar os métodos de qualquer forma para que seja possível melhorá-los.

Ele sugere que o primeiro desses desafios é referente ao tratamento dos “pacientes tão desamparados e incapazes de uma vida comum que, para eles, há que se combinar a influência analítica com a educativa” (FREUD, 1918, v.12, p.208). Já o segundo desafio estaria relacionado à expansão da Psicanálise à Saúde Pública, onde possivelmente seria preciso “fundir o ouro puro da análise livre com o cobre da sugestão direta” (FREUD, 1918, p.211).

Dessa forma, ocorre um impasse, uma vez que para estender a clínica psicanalítica para além do divã, do consultório privado e do atendimento ao neurótico é preciso lançar mão de elementos que não são próprios da técnica clássica, tornando talvez necessário alterar métodos e expandir nossa compreensão sobre as estruturas psíquicas diferentes das neuróticas. De acordo com Green (2008), foi, sobretudo, após a morte de Freud, que o campo das indicações terapêuticas estendeu-se às não-neuroses, com contribuições de Melanie Klein e seus discípulos.

Fernandes (1991) refere que o conhecimento psicanalítico tem evoluído e que diversos psicanalistas têm trazido substancias contribuições teóricas para o entendimento do fenômeno psicótico, possibilitando que esses pacientes sejam levados à analise. No entanto, há ainda dificuldades, principalmente na questão de como “trabalhar” com esses pacientes e como entrar em contato com eles. Essas dificuldades apontadas por Fernandes vêm acompanhando toda a evolução da clínica com psicóticos.

Já Tenório (2000 apud FIGUEIREDO, 2001) aponta que os psicóticos possuem dificuldades de se desempenharem diante do outro, do espaço do outro. Apresentam assim dificuldade de constituir um campo social, o qual legitima a existência e o campo simbólico, ambos necessários para que o indivíduo possa se realizar e se exercer como sujeito. Portanto, essa dificuldade do simbólico acaba por interferir na expressão e comunicação do sujeito, as quais são meios de acesso ao paciente, comumente utilizadas.

Mauer e Resnizky (1987) consideram que a complexidade do tratamento com pacientes psicóticos pode tornar insuficientes os recursos terapêuticos, dessa forma sugerem a inclusão de Acompanhantes Terapêuticos, a fim de responder à necessidade de uma abordagem mais integral da psicose. Com isso, vislumbrando uma alternativa terapêutica e auxiliar a outras abordagens psicológicas e psiquiátricas, o Acompanhamento Terapêutico pode ser oportuno,

Uma justifica, segundo Quagliatto e Santos (2004) para inclusão do AT em casos psicóticos, seria a da necessidade de acompanhar o paciente em seu cotidiano, principalmente nos momentos de crise, no quais, não raras vezes, a família do paciente não tem mais recursos afetivos e psíquicos para acolher e conter a desorganização do paciente. Dessa forma, pode-se, desde que com toda uma estrutura e planejamento, evitar a internação do paciente, usando do recurso do AT ou de uma equipe de ATs, que se revezem para acompanhar o paciente. Além disso, ajuda-se, indiretamente, os familiares a conseguir se reorganizarem e juntarem forças para acolher o paciente quando necessário.

A prática do acompanhamento terapêutico com psicóticos

Conforme Porto e Sereno (1991), o AT promove atividades que permitem conectar o sujeito ao circuito social. Isso ocorre por meio de passeios, saídas em direção a descoberta da cidade, no que tange aos seus lugares, pessoas, comunicações, relações, enfim, em direção à vida do mundo externo. Tenta-se ir a locais diferentes dos habituais do paciente, para que o mesmo não fique petrificado e limitado, uma vez que se visa à possibilidade do paciente se articular como um sujeito atuante. A intenção é que o paciente, por estar acompanhado, consiga mais facilmente exercer alguma coisa de sua potencialidade vital, o que, por vezes, pode ir contra a direção da morte psíquica.

Esse movimento de descoberta da cidade, bem como a tentativa de uma postura mais ativa em relação ao meio, pode remeter à concepção de criatividade de Winnicott (1975), a qual está alicerçada na capacidade de viver a vida em contraposição a uma forma de submissão à realidade externa. Para esse autor quando a pessoa faz de sua existência uma mera reprodução reificada e maquinizada no mundo, vivendo de forma submissa às fórmulas ditadas pela cultura e sem perceber sua potencialidade de transformação, ela estaria vivendo de forma doente.

Desse modo, evidencia-se a importância do AT, para ajudar o paciente a se desprender de suas formas cristalizadas de funcionamento, podendo experimentar e conhecer outras coisas, de forma menos assustadora. Segundo Winnicott (1975), o indivíduo estará apto a viver criativamente, se a provisão ambiental for suficientemente boa, permitindo o sujeito enfrentar o choque a perda da onipotência e ultrapassar o período de fusão absoluta como o mundo. Uma vez estando apto a viver criativamente, a vida passará a ser real e significativa, possibilitando o indivíduo a criar uma vida com significados. Portanto o AT acompanha o paciente em suas descobertas pela cidade, servindo como um apoio e por vezes um intermediário entre o mundo interno e externo, auxiliando o paciente a assimilar e a aprender a se relacionar com o mundo.

Nesse processo de AT com psicóticos ajuda-se o paciente a se apropriar dos sistemas de significados do universo simbólico, para que ele possa inscrever sua subjetividade dentro da cultura, não ficado mais restrito ao seu isolamento. Conforme Green (2008), a cultura detém valores de certos grupos sociais, abrangendo por vezes civilizações. Pelo fato do superego se prolongar no espaço cultural, os valores culturais e o superego individual não se relacionariam de foram estanque ou isoladas, mas sim, se estimulando e potencializando suas forças mutuamente. Portanto, a cultura é uma possibilidade de fazer parte da vida psíquica do sujeito, permeando suas relações e enriquecendo seu psiquismo.

Conforme Sacareno (1998 apud FIORATI; SAEKI, 2008), dar suporte ao paciente para recriar a sua vida e restabelecer a contratualidade social, tem como conseqüência a capacidade de produção de vida com sentido social e existencial representativos para o indivíduo. Dessa forma busca-se potencializar a dimensão simbólica do cotidiano da pessoa, ajudando- a recuperar ou estabelecer aspectos, objetos, ações que o constituam e o ajudem a se inscrever de forma simbólica na rede compartilhada (Barreto, 1997).

Portanto, de acordo com Winnicott (2000), poder exercer a ação criativa no mundo permite ao sujeito o sentimento de estar vivo e a sensação de continuidade de sua existência. No caso dos pacientes psicóticos, isso é muito válido, uma vez que é comum se sentirem fragmentados, não tendo a ideia unitária do eu ou mesmo do corpo, estando desconectados do mundo externo e alienados do outro.

No campo das psicoses e das neuroses graves, a atuação do AT se insere como forma de “limitar a desorganização do imaginário e servir como pontos de ancoragem da realidade” (RIBEIRO, 202, p. 85). Portanto como sugerem Porto e Sereno (1991, p.21):

É possível aproveitar a lógica psicótica, na qual não há propriamente pontos fixos organizadores do sujeito e, então, por meio da combinação de horários, locais de saída, começar a construir pontos de apoio para a estruturação psíquica desse paciente.

Tenta-se, então, estruturar relações de tempo e espaço, organizando aspectos da vida do sujeito como forma de delimitar a organização ao aspecto imaginário. Conforme Palombini (2004), o psicótico possui uma forma singular de se relacionar com o tempo e o espaço, sendo possível que as ofertas da cidade em relação ao laço social provoquem efeitos importantes na subjetividade do indivíduo psicótico.

A função de, concretamente, levar o paciente a descobrir o mundo, acaba tendo como conseqüência auxiliá-lo a diferenciar o que está fora e o que está dentro dele, reconhecer o outro, a diferença, bem como tentar enlaçar esse mundo interno com o externo. Com isso, o paciente não precisa recorrer tanto às alucinações e delírios para se defender e preencher as brechas de sua existência. Conforme Tenório (2001), as dimensões do dentro e do fora, na psicose, parecem não dialetizar, uma vez que o que está do lado de fora retorna como uma “alteridade radical, invasão”, tão pouco o que está dentro pode ser reconhecido como tal, de modo que muitas vezes adquire a forma de projeções no mundo externo.

O Acompanhante Terapêutico ainda pode servir como um ego auxiliar do paciente, no entanto segundo Quagliatto e Santos (2004) essa função do Acompanhante Terapêutico, deve ser temporária, durando apenas até que o paciente tenha recuperado suas condições egóicas mínimas. O objetivo maior é fortalecer as defesas do indivíduo, bem como sua adaptação e criação de novas maneiras de lidar com as situações, afim de que a pessoa não fique totalmente dependente do AT. Portanto, conforme Ribeiro (2002), o AT, como ego auxiliar media as relações do psicótico com o mundo, intervém na rearticulação dos vínculos sociais e na reconstrução da imagem corporal. Em relação à corporalidade, Goidanich (2003) salienta que muitas vezes os sujeitos psicóticos parecem estar alheios ao seu próprio corpo, de forma a se relacionar como ele como se fosse não o pertencesse ou como se fosse um objeto estranho.

As possibilidades de auxílio do AT para pacientes psicóticos não se esgotam nesse artigo, bem como não se limitam exclusivamente a essa patologia, de forma que algumas intervenções e conseqüências que nesse trabalho foram direcionadas aos pacientes com psicose, podem ser utilizadas em outras abordagens da prática do AT. Há ainda dinâmicas de funcionamento do Acompanhante Terapêutico com os pacientes psicóticos que aqui não foram abordadas, mas que se mostram promissoras quando bem conduzidas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tendo em vista as demandas da saúde mental surgidas na atualidade, especialmente frente à proposta da reforma psiquiátrica, os profissionais vêm sendo desafiados a encontrar novos modos de atuação para atender as necessidades de saúde mental. Cada vez mais, é essencial tentar acolher e auxiliar os pacientes, familiares e até mesmo a própria sociedade a lidar com as questões que se impõem frente à doença, em um esforço para a inclusão social que contrasta com as antigas práticas de segregação.

Considera-se que nem sempre os tratamentos já instituídos conseguem abranger de forma satisfatória as múltiplas problemáticas inseridas no sofrimento psíquico. Sendo assim, é importante refletir, conhecer e, sobretudo, estar aberto a pensar em outras possibilidades de intervenção e prevenção de complicações clínicas. É exatamente sobre esse contexto que o Acompanhamento Terapêutico, o qual não exclui outras abordagens, vem se confirmando como um relevante recurso preventivo, terapêutico e/ou complementar a outros tratamentos para transtornos mentais.

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Autora

Marina Davoglio Tolotti – Graduada em Psicologia (PUCRS). Formada no “Curso de Capacitação em Acompanhamento Terapêutico” da CTDW. Facebook. E-mail: [email protected]

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