Indefinição é marca do acompanhamento terapêutico

Por Glenda Almeida – [email protected]

Dizer exatamente qual é a função de um acompanhante terapêutico é algo praticamente impossível, de acordo com a pesquisa da psicóloga Luciana Chauí Berlick, realizada no Instituto de Psicologia (IP) da USP. A indefinição que permeia todos os aspectos da atividade, inclusive sobre o perfil de quem ocupa ou poderia ocupar a função, gera angústia nos próprios profissionais, que emergem como aqueles que auxiliam os “sofredores psíquicos” a alcançarem a autonomia, para que consigam construir ou reconstruir suas redes sociais na comunidade da qual fazem parte.  

No entanto, os acompanhantes reconhecem essa indefinição como responsável por proporcionar uma amplitude de possibilidades de atuação profissional, resultando em benefícios para o acompanhado. Na pesquisa Andarilhos do Bem: Os caminhos do Acompanhamento Terapêutico, a autora analisou a história do Acompanhamento Terapêutico (AT) e o discurso daqueles que trabalham na ocupação. “O papel da atividade ganha espaço na sociedade contemporânea, cuja marca é o individualismo competitivo e a perda de referências do coletivo, que destituem as pessoas de suas relações sociais”, conta Luciana.

As entrevistas com nove profissionais que atuavam como acompanhantes na época da pesquisa e a observação da literatura existente sobre o tema foram os instrumentos para as análises da pesquisadora. Mas a psicóloga destaca que não há ainda muitos estudos que abordam o assunto, uma vez que essa atividade foi “criada” recentemente, na década de 1970, na Argentina, nomeada pelo psiquiatra Eduardo Kalina.

Falas legitimadoras

Os discursos analisados indicam que o profissional que trabalha acompanhando é munido de um objetivo: perseguir a qualidade do vínculo afetivo com seus acompanhados, a fim de oferecer possibilidades que reinsiram a pessoa na sociedade. “O ‘bem’ ao qual me refiro no título do trabalho diz respeito a tentativa constante do acompanhante de levar a autonomia à pessoa e, dessa forma, a cidadania”. Segundo Luciana, o profissional cumpre o papel de ouvir aqueles que ninguém ouve, dando-os voz, e considerando o que dizem como verdade. “A verdade para eles, do universo deles”, coloca a psicóloga. “Dentro desse contexto, levamos a dignidade”, completa.

Na tentativa de entender mais sobre a função do profissional, Luciana investigou os discursos apresentados nas entrevistas a partir da metodologia da Análise Institucional do Discurso, elaborada pela professora Marlene Guirado, orientadora da pesquisa. “Ouvi o que os entrevistados diziam sobre ‘o que é ser acompanhante’, buscando as falas que se repetiam e que poderiam vir a legitimar características do Acompanhamento Terapêutico como atividade e profissão”, esclarece a psicóloga.

Profissionalização

De acordo com o estudo, a atividade aborda funções muito variadas. Além disso, o perfil dos acompanhados é distinto, abrangendo desde deficientes físicos e crianças muito agitadas à psicóticos. Por conta disso, Luciana afirma a importância de ouvir os que trabalham atualmente como acompanhantes no Brasil, considerando que a profissionalização do Acompanhamento Terapêutico tem sido motivo de discussão no mercado de trabalho do País e também nas universidades.

Segundo Luciana, os acompanhantes brasileiros, por conta de não existirem como “figura jurídica”, ou seja, profissionalizados, acabam não podendo atuar no serviço público, contratados como acompanhantes terapêuticos. “No Centro de Atenção Psicossocial (CAPs), por exemplo, o acompanhante é uma figura muito importante, com a qual a população brasileira mais necessitada ainda não pode contar de maneira garantida. É possível que um profissional que seja contratado exerça funções de um acompanhante terapêutico, mas se ele parar de trabalhar, quem pode garantir que a pessoa que ocupará a vaga também vai fazer o acompanhamento?”, questiona a autora.

“Na Argentina os acompanhantes já estão profissionalizados. Porém, no Brasil, ainda se analisa os prós e contras da legalização para essa profissão, cuja indefinição é uma característica que se apresenta benéfica em diversos aspectos”. “É possível levantar a questão de que a busca por uma definição mais fechada, decorrente da profissionalização, pode “engessar”, ou “limitar” o exercer da atividade”, esclarece a psicóloga.

Variedade e amplitude

Nas falas dos entrevistados, também estava presente a ideia de que qualquer pessoa, de diferentes áreas, pode vir a trabalhar como at. “Dentre os acompanhantes que participaram da pesquisa, três eram psicólogos, três eram terapeutas ocupacionais e os outros três, enfermeiros”. Relacionado a esse aspecto do Acompanhamento, os discursos investigados mostraram que os profissionais sugerem a criação de um curso específico, que defina o “perfil” da atividade. “Mas como a ocupação abrange filosofia, biologia, medicina, sociologia, direito, dentre outras muitas áreas do saber, é possível que nenhum curso dê conta dessa definição”, aponta a autora do trabalho.

O Acompanhamento Terapêutico representa uma atividade profissional muito importante para a “Reforma Psiquiátrica”, que começou na década de 1960 e está presente no contexto da sociedade contemporânea. “A Reforma propõe transformações no tratamento da loucura”, explica a psicóloga. “O Acompanhamento Terapêutico está intimamente ligado à ideia de criação de serviços que substituam os manicômios, e que não tratem as pessoas deslocando-as do convívio social, nem privando-as da cidadania e da dignidade”. Luciana defendeu seu doutorado no dia 20 de abril de 2011.

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