O Encontro Terapêutico

Autora:

  • Beatriz de Freitas Bönecker – Formada em Acompanhamento Terapêutico pelo Cont.A.T.o em dezembro de 2010. Estudante de Psicologia da PUC-SP. Fone: (11) 7310-8669. São Paulo. E-mail: [email protected]

RESUMO:

O acompanhamento terapêutico pode ser realizado sob uma perspectiva de encontro terapêutico, visando um trabalho diferenciado e mais momentâneo, focando no atendimento específico e não em um projeto terapêutico trabalhado a longo prazo. O encontro tem um objetivo individual por atendimento, há a preocupação de se criar um começo, meio e fim, o que o torna terapêutico.  Assim, ilustro a concepção de encontro terapêutico com o caso de uma senhora portadora de Alzheimer, mostrando os caminhos deste trabalho.

Palavras-chave: Encontro terapêutico, idosos e acompanhamento terapêutico.

 


INTRODUÇÃO

O objetivo deste trabalho é fazer uma reflexão sobre outra perspectiva do acompanhamento terapêutico. A partir do conceito, atividades e funções que esta prática proporciona, pretendo descrever a minha experiência de encontro terapêutico como uma estratégia para o tratamento de uma senhora com Alzheimer. Deste modo, desejo explicar o trabalho, as intervenções e os efeitos gerados na paciente com este atendimento.


O ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO

O Acompanhamento Terapêutico (AT) é um trabalho, usado pelo universo Psi como uma alternativa diferenciada de atendimento psicológico. Este instrumento de intervenção é mais pensado e usado para atender pacientes com grave desorganização psíquica ou com dificuldade de interação social (SANTOS, 2005, p. 503).

Essa alternativa de trabalho psicológico é importante por diversos motivos; um deles é o fator da prevenção e promoção da saúde dos idosos. O objetivo seria cuidar da saúde pensando maneiras de evitar possíveis doenças ou realizar um trabalho que garanta uma oportunidade melhor de convívio com a patologia.

A prática do AT deve estar envolvida dentro de uma estratégia terapêutica, ou seja, deve ser pensada dentro de um tratamento em uma equipe multidisciplinar, ou mesmo como prática independente (CODA, 2010). Dentro da equipe, o trabalho é pensado coletivamente com enfoque no tratamento como um todo, envolvendo assim os objetivos de todas as áreas envolvidas (ex: psiquiatra, psicólogo, etc).

Porém quando o acompanhamento terapêutico é realizado sem o apoio de uma equipe multiprofissional, o AT ganha outras dimensões perdendo informações clínicas e diagnósticas do paciente o que pode prejudicar no planejamento do projeto. Por outro lado, o trabalho do acompanhante fica mais livre e independente comparado com o projeto feito em equipe, o que possibilita, talvez, mais ações espontâneas ao longo do trabalho.

Esta perspectiva do AT como alternativa de trabalho com a 3ª idade, parte da busca de encontrar alternativas para os indivíduos que de alguma maneira se encontram diante de limitações físicas ou psíquicas. Portanto, um dos objetivos do trabalho com idoso é a “busca de possibilidades e o encontro de situações em que o idoso poderá reencontrar sentimentos de satisfação e bem-estar” (CODA, 2010), realizando suas vontades e necessidades, deixando de lado a posição que geralmente se encontra: do enclausurado.

“Neste sentido o AT esta presente junto ao sujeito em vários momentos e distintas situações, ele esta em posição de escutar algo a respeito dos interesses do sujeito e propor algumas atividades, mesmo aquelas que nunca estiveram no seu horizonte”. (SANTOS, 2005, p. 511)

O bem estar e a auto-satisfação podem ser gerados pela simples presença do AT, que serve de ponte para que o paciente possa encontrar este bem estar em atividades de convivência e socialização, como na reconstrução dos laços familiares, amizades e outras relações perdidas por conta do envelhecimento e, conseqüentemente, por conta do isolamento social.

Assim, para Santos (2005), uma grande função do AT é perceber a demanda do acompanhado, desenvolver a capacidade criativa do paciente, informar sobre o mundo objetivo e, muitas vezes, atuar como um agente social, facilitando a reintegração com o ambiente.

Para Rebello (2010), o AT desenvolve um trabalho que retira o idoso deste lugar de clausura e devolve a palavra ao sujeito, devolvendo aquilo que é mais singular e que é muitas vezes desconsiderado na velhice. O AT tenta reconstruir junto com o idoso seu lugar, sua capacidade de pensar, de desejar e de ser sujeito desejante.

Pensando neste objetivo de trabalho e querendo gerar novas condições de vida ao idoso, podemos pensar que:

 

“O trabalho do AT ao idoso se constituirá desde uma simples escuta, onde os vínculos poderão se estabelecer mediante o sentimento do idoso em ser aceito mesmo com todas as suas limitações, diante de alguém (o AT) que aposta na sua transformação e lhe dará respaldo e segurança ao longo desse processo”. (CODA, 2010)

Com esta aposta de transformação e segurança, o AT na 3ª idade poderia ser incluído como uma “ferramenta” para favorecer a saída do isolamento ao qual os idosos tem sido condenados. E, portanto seria necessário que se realizasse um trabalho que cuidasse dos desejos e das vontades daquele sujeito específico, conseguindo sensibilizar familiares, cuidadores e amigos que o idoso não deve ser tratado como um objeto carentes de cuidados (MAUER; RESNIZKY, 2009) e sim como um sujeito com desejos, vontades a serem respeitadas e realizadas igual a qualquer outro ser humano.

É comum o idoso receber este rótulo de objeto e, assim, acabar assumindo este papel de um ser incapacitado e cheio de limitações trazidas pelo processo de envelhecimento. “É neste panorama que a inserção de um Acompanhante Terapêutico faz sentido e muitas vezes são atendidas” (REBELLO, 2010).

DESCRIÇÃO DO CASO

            Meu primeiro caso como acompanhante terapêutica, foi com uma senhora com o diagnóstico de Alzheimer há 5 anos. Após o falecimento do marido, que também tinha o mesmo diagnóstico, passou a morar com a filha, deixando de lado sua “vida”, seus costumes, rotina, lazer, amigos da vizinhança, desejos, vontades e independência.

Segundo sua filha, a paciente sempre foi uma pessoa muito animada e cheia de vida; trabalhava, tinha amigas, saía com o marido, viajava e era muito independente. Após o diagnóstico, tornou-se dependente e isolada socialmente, foi “enclausurada” no apartamento, sendo a TV e as saídas com o cachorro as suas únicas atividades de segunda a sexta-feira.

Sua maior queixa é que fica o dia inteiro vendo TV, sentada em uma poltrona confortável na sala. Diz que “não agüenta mais chocar em casa”, não tem uma rotina com atividades, encontros e passeios como costumava ter.  Este isolamento social, junto com a grave desorganização psíquica em que A. se encontra, é referente ao desenvolvimento do seu diagnóstico.

O Alzheimer é uma doença degenerativa e progressiva, em que há comprometimento da memória, orientação tempo-espacial e da atenção, segundo LUZARDO (2006). Estes sintomas vão aparecendo em pequenos comportamentos, como no caso de A. em que ela tem um comprometimento da integridade mental, social e um pouco da física, sendo que cada vez mais ela se torna dependente para as funções básicas do cotidiano, necessitando de auxílio.

Além destes comprometimentos, A. tem alguns comportamentos que intrigam sua filha; às vezes entra em paranóia e acha que as pessoas do jornal Nacional (TV) estão sentadas na sala conversando com ela, outras vezes não se reconhece no espelho e acha que “tem uma velha segurando o meu cachorro”. Dona A. tinha desenvolvido um hábito de ir ao armário e arrumar uma trouxinha de roupas, dizendo que iria embora. Quando não fazia isso, enrolava as roupas (e outros objetos) escondendo pela casa; obviamente não recordava o esconderijo, deixando sua filha muito brava.

Com todas estas informações, fui ao meu 1º atendimento com A. Ao chegar, me apresentei e falei o que estava fazendo ali. Contei um pouco do trabalho do AT e combinei com ela o dia e o horário em que viria. Foi então que a convidei para se apresentar, para contar um pouco de si, para que eu pudesse conhecê-la um pouco. Mas ficou muito envergonhada e não soube o que dizer.

Então perguntei o que ela gostava de fazer, a cada resposta fui anotando com o objetivo de algum dia fazer tais programações com ela. Minha vontade era clara, assim como uma mãe idealiza coisas para seu filho, eu tinha, sem perceber, idealizado coisas para minha paciente. Queria trazer e fazer atividades que aquela senhora gostava ou que já tivesse gostado de fazer para, então, trabalharmos juntas, dando certa continuidade ao acompanhamento e vivenciando diversas atividades prazerosas.

Comecei o trabalho pensando em bordar flores rosas (sua escolha), mas, para isso, queria que ela desenhasse e não copiasse uma pronta do livro. Então, no atendimento seguinte eu levei papel e lápis de cor com este objetivo. Os primeiros desenhos eram rabiscos, não tinham forma e firmeza alguma. Aos poucos foi reconstituindo sua habilidade manual e passou a desenhar formas que eram facilmente remetidas a flores.

Meu objetivo era continuar este trabalho por mais alguns atendimentos até que ela conseguisse desenhar sua própria flor no pano de prato. Mas isso não aconteceu e eu senti o que CODA (2010) disse: “muitas vezes o AT encontrará o idoso resistente a se envolver em qualquer atividade”, pois no encontro seguinte A. não quis fazer nada.

Simplesmente tudo que propus não queria efetuar, demorou em trono de 30 minutos para sentarmos na sala de jantar. Quando propus continuar os desenhos, ela topou, mas era claro que aquilo não fazia o mínimo sentido, ela nem mesmo reconhecia os próprios trabalhos. Foi então que percebi que este plano de atendimento que estruturei não seria possível. Como daria continuidade a um trabalho realizado na semana passada se A. não se recorda? Comecei a ficar angustiada. Questionei se era um trabalho de um AT ou se era melhor uma TO (Terapeuta Ocupacional) assumir. Mas aos poucos, na supervisão do caso e com algumas leituras específicas, passei a entender que o meu papel neste caso era estabelecer um encontro terapêutico.

 


O ENCONTRO TERAPÊUTICO

             O diferencial do encontro terapêutico em relação ao acompanhamento terapêutico é o seu caráter único, que visa um objetivo para cada sessão. A finalidade do encontro terapêutico é ser pontual e momentâneo dando um sentido claro ao encontro vivenciado.

Este tipo de trabalho não segue um plano/projeto de atendimento contínuo construído a cada atendimento, pois um encontro não tem um link com o passado e nem com seguinte. Porém, há a construção de um objetivo geral, o qual deve ser atingido mesmo que a longo prazo, pelo auxílio dos objetivos traçados e alcançados encontro a encontro.

O que muda é o modo de atuação em cada encontro com o paciente; ao invés de se pensar em uma continuidade entre os atendimentos para construir meios de se alcançar os objetivos traçados para o acompanhamento; no encontro há uma preocupação em se criar um começo, meio e fim, sendo isso um momento terapêutico para o acompanhado.

Por conta do diagnóstico de Alzheimer, pensei neste plano de atendimento e para minha felicidade deu certo. Sua falta de memória, também não permitiria outro tipo de atuação e desenvolvimento do trabalho. Para Mauer e Resnizky (2009) “alguns autores associam os transtornos da memória, na velhice, com a perda de uma função social”, desta maneira, este projeto de encontro terapêutico que construí com A. tem sido um meio de resgatar o social e o vital, sendo visível que a cada encontro fica marcado algo de terapêutico para a senhora.

Para as mesmas autoras, as pessoas com transtornos associados à velhice ficam:

“privadas de seu status e perdem a motivação. Já não encontram desafios significativos que os estimulem. Um tédio profundo impregna a vida”.

Com isso em mente, as atividades que venho desenvolvendo com a minha paciente têm seguido o objetivo geral de tirá-la deste isolamento social e estabelecer (mesmo que pequena) uma rotina de atividades em que A. possa se sentir melhor e produtiva, possibilitando desafios que a estimule, tirando-a deste tédio profundo característico da 3ª idade e decorrente do diagnóstico de Alzheimer.

O fundamental é que a sensação de “chocar” passe, nem que seja por algumas horas do dia, assim como ela reaprenda a se colocar quanto suas vontades, desejos e independência de alguns atos.

Assim, tento realizar tarefas que sejam curtas, mas que tenham um sentido dentro do encontro. Necessariamente todo atendimento tem que ter um começo o qual não faço um link com o encontro passado. Sempre a convido para fazer alguma coisa, deixo que ela proponha alguma atividade, mas como sei que tem dificuldade para escolher ou para pensar em alguma, levo uma atividade e pergunto se gostaria de realizar.

Sempre que iniciamos o atendimento, procuro fazer junto, caso não seja possível tento ajudar com a intenção dela fazer sozinha, mas mesmo assim há uma interação e uma troca entre nós. Quando A. fica muito concentrada na tarefa fica quieta, ficando alguns minutos em silêncio. Nestes minutos ás vezes pergunto se precisa de ajuda ou simplesmente fico observando. Para minha surpresa, são nestes momentos que ela sempre me procura com o olhar. Parece que precisa da minha presença e aprovação para produzir, para se relacionar e se manter viva, ativa. Como afirmam Mauer e Resnizky (2009):

“O trabalho desenvolvido com ela se limitava a permanecer ao seu lado, respeitando seu tempo. (…) perceber que a presença de outra pessoa modifica, (…) que o “efeito da presença” é produto de subjetividade. (…) E sentir-se libidinalmente sustentada”.

Este pode ser considerado o meio do trabalho do encontro terapêutico. É onde o encontro atinge seu ápice para o AT, pois é neste instante que tenho a confirmação que a situação em questão está emitindo algum efeito na vida da senhora. Minha presença, mesmo que em silêncio, provoca alguma mudança na paciente, sua subjetividade é “tocada” pelo meu observar e isso provoca um sentimento de amparo, que é facilmente percebido por mim quando ela procura o meu olhar de aprovação para atividade que esta exercendo.CODA (2010) em seu artigo refere-se sobre Barreto (2005), quando este autor faz menção a esta situação, dizendo que:

“o significado de ter alguém próximo, atento, que carrega a história do vinculo, capaz de compartilhar a experiência do acompanhado, será de grande significado para o acompanhado”.

Ou seja, é através de uma intervenção simples que muitas vezes é possível notar uma mudança, demonstrando muita satisfação da realização da atividade e principalmente da minha presença (BARRETO Kleber, 2000).

O AT com idoso assume uma função terapêutica capaz de proporcionar conquistas emocionais ao paciente, conseguindo retomar o lugar de sujeito desejante que o acompanhado perde com o isolamento social e com a desorganização psíquica. Podemos retomar aqui Rebello (2010), quando se refere a um dos objetivos do AT, o de ajudar na retirada do idoso da clausura, restabelecendo sua subjetividade.

Portanto, é neste contexto que o AT atua na ausência, na falta de algo para o paciente, realizando um trabalho que recupere as vontades e os desejos (MAUER; RESNIZKY, 2009), transformando pequenos atos de bem-estar em momentos terapêuticos

, gerando uma melhor qualidade de vida ao paciente.

            Na finalização do encontro terapêutico, o AT precisa fechar o trabalho que foi realizado, sem se preocupar em manter a continuidade para o próximo encontro. O objetivo é que acabe a atividade, concluindo o que foi feito, se necessário sintetizando o trabalhado e “devolvendo” os efeitos que o encontro causou de maneira simples e clara. Isso é vivenciado pelo paciente duplamente, na elaboração da atividade proposta e no fechamento, construindo algo ainda mais terapêutico e capaz de ser sentido.

Aos términos dos meus trabalhos com A. ela demonstra ao seu modo, se gostou ou não daquele encontro. Às vezes, me abraça e diz que gostaria que eu voltasse, outras vezes me agradece, pede para ficar mais um pouco alegando que “mas já? Ficou tão pouco…”. Outras vezes chora a minha partida ou, então, não se importa com a minha ida.


CONCLUSÃO

A partir de uma experiência pessoal, consegui exemplificar o meu trabalho como AT no encontro terapêutico, exercendo uma função terapêutica que é capaz de gerar melhor qualidade de vida para o idoso (portador ou não Alzheimer) em isolamento social e em condições psíquicas desfavoráveis.

Para concluir este trabalho é possível dizer que é com o auxilio deste tipo de intervenção psicológica que o idoso pode retomar algumas características da sua personalidade, reviver atividades e momentos que foram bons na sua história.

Assim, o tempo que antes era vazio e livre se torna um tempo de vida e de ação, com vivências afetivas. Então, o acompanhamento terapêutico neste campo procura criar condições que transformem o tempo físico do idoso em um tempo vital e ativo (MAUER; RESNIZKY, 2009), valorizando as vivências e proporcionando momentos bons.

 


REFERÊNCIA

  • BARRETO, K. D. Ética e técnica no acompanhamento terapêutico: andanças com dom Quixote e Sancho Pança. 2ª ed. São Paulo: Unimarco, 2000. 210p.
  • CODA, V. Acompanhamento Terapêutico e a Terceira Idade: Da constituição de uma clínica à promoção de saúde. Rio Grande do Sul, 2010. Acessado em < https://siteat.net/vicente/>, 10/10/2010.
  • LUZARDO, A. et. al. Características de idosos com doença de Alzheimer e seus cuidadores: uma série de casos em um serviço de neurogeriatria. Florianópolis, 2006. Acessado em <http://www.scielo.br/pdf/tce/v15n4/v15n4a06.pdf>, 09/10/2010.
  • MAUER, Susana; RESNIZKY, Silvia. Territórios do Acompanhamento Terapêutico. Argentina, Buenos Aires: Letra Viva, 2009. 208p.
  • REBELLO, Luciana. Acompanhamento Terapêutico com Idosos: mais que o mínimo necessário. São Paulo, 2010. Acessado em <http://portaldoenvelhecimento.org.br/noticias/artigos/acompanhamento-terapeutico-com-idosos-mais-que-o-minimo-necessario.html>, 17/10/2010.
  • SANTOS, Lúcia. et. al. Acompanhamento terapêutico e clinica das psicoses. São Paulo, 2005. Acessado em <http://www.fundamentalpsychopathology.org/art/v08_03/05.pdf>, 15/10/2010.

Artigo publicado no “Site AT” em 08/02/2011.

 Supervisão em AT.

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