Autora:
- Juliana Tofaneli Mello – Formada em Psicologia pela Universidade Presbiteriana Mackenzie em dezembro de 2009 (CRP: 06/98288) e em Acompanhamento Terapêutico pelo Cont.AT.o em dezembro de 2010. Fones: (11) 91998-6599. São Paulo, SP. E-mail: [email protected]
RESUMO:
Este trabalho se propõe a apresentar as funções do Acompanhamento Terapêutico e relacioná-las com dois casos diferentes, que fazem parte do Transtorno Invasivo do Desenvolvimento (TID), sendo um caso de Síndrome de Asperger e outro de TID Sem Outra Especificação (TID-SOE). O objetivo é compará-los e mostrar o quanto a função do acompanhante terapêutico pode ser a mesma em sua essência, mesmo em situações tão distintas.
Palavras-chave:
Acompanhamento Terapêutico, Funções do Acompanhamento Terapêutico, TID.
I. INTRODUÇÃO
O Acompanhamento Terapêutico (AT) é uma prática existente desde o final da década de 60 e surgiu inicialmente na Argentina, com o objetivo de ajudar os pacientes cujas terapêuticas clássicas fracassavam. (Londero e Pacheco, 2006)
Inicialmente, o acompanhante terapêutico (at) era chamado de Atendente Psiquiátrico, pois o seu papel era de auxiliar os pacientes psicóticos que estavam internados, a participar da comunidade. Entretanto, este profissional era vinculado à instituição e, além disso, desempenhava as mais variadas funções como, por exemplo, medicar e conter o paciente. (Santos, Motta e Dutra, 2005)
Com o passar do tempo, passou a chamar-se Amigo Qualificado, pois tinha um caráter amistoso e assistencialista, e ao mesmo tempo dava mais autonomia àquele que exercia. (Santos, Motta e Dutra, 2005) Entretanto, este termo foi mal visto devido ao seu caráter pouco profissional. O AT não é um amigo, ainda que possa estabelecer vínculos afetivos intensos com o paciente, mas sim, um agente terapêutico que realiza tarefas e é remunerado para isto. (Mauer e Resnizky, 1987)
Finalmente, o termo Acompanhamento Terapêutico surgiu para destacar o lado terapêutico deste tipo de função assistencial. (Mauer e Resnizky, 2003) O AT proporciona ao paciente um lugar ao mundo, a partir do qual ele poderá ser inserido na comunidade humana. (Safra, 2006)
Uma modalidade clínica praticada por Donald Winnicott pode ser utilizada pelo AT como forma de intervenção. O placement, explicado por Safra (2006) tem o objetivo de colocar o indivíduo em uma situação que responda às suas necessidades para que possa, assim, ser acompanhado. Winnicott (1948) afirma que o valor dessa clínica pode proporcionar ao paciente um lugar no qual ele será cuidado, sem estar degenerando em um hospital ou em suas casas.
A partir disso, o presente artigo ilustrará através de dois casos a função que o profissional exerce no trabalho de Acompanhamento Terapêutico.
II. MÉTODO
Serão utilizados exemplos de atendimentos em AT realizados com dois pacientes sendo: L., um menino de 5 anos diagnosticado com Síndrome de Asperger e M., uma menina de 14 anos, diagnosticada com Transtorno Invasivo do Desenvolvimento Sem Outra Especificação (TID-SOE) com o objetivo de discorrer a respeito da função do AT.
De acordo com o DSM-IV (1995), o Transtorno Invasivo do Desenvolvimento Sem Outra Especificação (TID-SOE) é caracterizado quando existe um prejuízo severo e invasivo no desenvolvimento da interação social recíproca ou de habilidades de comunicação verbal ou não-verbal, ou quando comportamento, interesses e atividades estereotipados estão presentes, mas não são satisfeitos os critérios para um Transtorno Invasivo do Desenvolvimento específico, Esquizofrenia, Transtorno da Personalidade Esquizotípica ou Transtorno da Personalidade Esquiva.
A Síndrome de Asperger está dentro dos critérios do TID, porém é caracterizada por um prejuízo severo e persistente na interação social e o desenvolvimento de padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses e atividades. Além disso, não são constatados atrasos clinicamente significativos no desenvolvimento cognitivo ou na linguagem. Geralmente têm um curso mais tardio, podendo aparecer depois dos dois anos de idade. (DSM-IV, 1995)
III. OBJETIVO
O objetivo do artigo é mostrar, a partir dos casos que serão descritos, a essência da função do acompanhante terapêutico, sendo o trabalho feito em casa ou em uma instituição. Foi utilizado o mesmo quadro diagnóstico, porém com características bem distintas a fim de fazer uma comparação das funções.
O principal é observar que independente do setting, a função do at é sempre a mesma.
- IV. FUNÇÕES DO AT
O Acompanhamento Terapêutico tem uma visão privilegiada do paciente, por isso pode trazer informações precisas e valiosas para a equipe. (Santos, Motta e Dutra, 2005) É uma modalidade de atendimento clínico necessária para contemplar o sofrimento na atualidade. O at oferece fundamentalmente a seu paciente um lugar. (Safra, 2006)
De acordo com Mauer e Resnizky (2003) existem oito principais funções do at:
Contenção
O at oferece suporte, acompanha e ampara o paciente em sua angústia, seus medos, sua desesperança.
De acordo com o conceito Winnicottiano de holding (que pode ser traduzido livremente como “contenção”) Barretto (2005) o define como tudo aquilo que, no ambiente, fornece continuidade, constância tanto física como psíquica.
Referência
O at é um modelo de identificação para o paciente. Ele opera como um organizador psíquico, pois o ajuda a desenvolver diferentes modos de agir e reagir frente à vida cotidiana.
“Reinvestimento”
Assume por alguns momentos o “Ego do paciente”, pois, devido à sua fragilidade, ainda não é capaz de tomar certas decisões por si mesmo. Ou seja, o at atua como um organizador psíquico, já que o paciente se encontra mais vulnerável.
Criatividade
Ao longo do processo, o at irá promover o aparecimento de áreas mais organizadas da personalidade do paciente. Vai o ajudar a se reencontrar com a realidade, a liberar a capacidade criativa que está inibida.
Novo olhar de mundo objetivo
Devido ao contato cotidiano com o paciente, o at irá dispor de muitas informações sobre seu modo de pensar em diferentes campos. Ser o porta-voz desse mapa ampliado permitirá alcançar um olhar integral do paciente.
Espaço para pensar
O at se inclui entre as atividades terapêuticas do paciente e o faz com disposição dialógica, ou seja, funciona como seu “intérprete”. O espaço discursivo, que se forma a partir do vínculo, abre as fronteiras do intercâmbio comunicativo do paciente.
Orientação de espaço
Um paciente perturbado psiquicamente se encontra perdido em um espaço social, sofre uma significativa desconexão com o mundo. O at tem como função diminuir essa barreira, facilitando o reencontro com a realidade externa.
Intervenção familiar
Além das funções com o próprio paciente, o at também ajuda a atenuar as interferências que acabam ocorrendo na relação familiar. O at surge como uma ponte, a qual ajuda a filtrar as informações de forma que a família consiga se comunicar novamente.
- A PRÁTICA DESTAS FUNÇÕES
As funções do at dadas por Susana Mauer e Silvia Resnizky (2003), serão ilustradas com dois casos que estão sendo atendidos concomitantemente:
- Caso 1: M., sexo feminino, 14 anos, diagnosticada com TID-SOE;
- Caso 2: L., sexo feminino, 5 anos, diagnosticada com Síndrome de Asperger.
Apesar de estarem classificados dentro do mesmo espectro, são casos diferentes, pois no primeiro, o atendimento é feito na casa da paciente por duas horas semanais e o segundo é feito na escola, por mais ou menos 30 horas semanais. Além disso, as histórias de vida não têm pontos em comum, além do diagnóstico de espectro autista.
Caso 1:
M. foi adotada aos cinco dias de vida. A mãe adotiva (G.) havia acabado de perder sua filha biológica devido a um aborto espontâneo. No próprio hospital onde ela estava internada, se recuperando do aborto sofrido, soube de uma mulher que havia abandonado um bebê então resolveu levar M. para casa e iniciar o processo formal de adoção.
Segundo G., a filha sempre soube que era adotada. Ela e seu marido contaram quando a menina tinha aproximadamente cinco anos, pois acharam que esta seria uma idade na qual ela já pudesse entender o que isso significava.
Nessa mesma época, M. começou a freqüentar a escola e apresentar algumas características diferentes das outras crianças como, por exemplo, dificuldade na coordenação motora, agitação e dificuldade de se relacionar. Além disso, havia relatos de desenhos muito agressivos.
E. conta que M., aos sete anos, pedia uma irmã, então ela e seu marido resolveram adotar mais uma menina. J. foi adotada com aproximadamente um ano de idade e teve um desenvolvimento normal, tornou-se uma menina inteligente, responsável e dedicada na escola, o que provoca alguns conflitos na família como, por exemplo, falar na frente de M. que a irmã é uma filha exemplar. Atualmente J. tem nove anos.
Aos sete anos, M. foi diagnosticada com Transtorno de Déficit de Aprendizagem e Hiperatividade (TDAH) e foi medicada. Seu comportamento melhorou, porém ainda apresentava dificuldades na aprendizagem.
Aos doze anos de idade M. teve uma crise alucinatória na qual ouvia uma voz dizendo que ia matá-la. Foi então que a família procurou ajuda psiquiátrica e M. foi medicada.
O trabalho de AT foi requerido, pois M. apresentava uma inadequação social significativa, como por exemplo, levantar a blusa em lugares públicos, fazer movimentos de sexo com colegas na escola e ser agressiva verbalmente. Além disso, nessa mesma época, a escola em que estudava faliu e ela estava há um mês sem aulas, apresentando características depressivas.
Os atendimentos eram feitos em sua casa, inicialmente uma vez por semana, durante uma hora. No início, M. não falava muito e parecia bastante infantilizada. Quando perguntada sobre o que tinha para contar, ela dizia que não tinha nada, pois não fazia nada o dia todo.
A contenção que a at deu para ela no momento, foi simplesmente ouvir seu desabafo e participar de suas atitudes infantilizadas. Todas as sessões M. queria fazer “baile” (sic), ou seja, dançar como fada as músicas da Xuxa (com direito a varinha de condão e coroa na cabeça). Isso para ela era como se libertar de todo o estresse e pressão que sofria ao seu redor.
Mais adiante, M. começou a se soltar mais, contando sobre o namorado de dez anos que tinha na antiga escola. Falava todos os dias com ele ao telefone e citava a palavra “sexo” no meio de suas conversas sem ter idéia do que realmente aquilo significava.
Tinha uma característica bastante importante que era o fato de falar sempre na terceira pessoa. Ela se referia a at pelo nome mesmo quando ela estava à sua frente, por exemplo, “ela vai embora” (sic) – comentando para a at o final da sessão. M. também narra cenas como, por exemplo, “ela dança” (sic) – no momento do “baile”.
Outra característica marcante é a estereotipia de repetir várias vezes uma única frase ou história. Geralmente repetia as frases citadas acima, quando falava na terceira pessoa.
M. parecia gostar muito dos atendimentos, recebia a at com flor, cartão, ou agrados como um suco feito por ela. Com o vínculo já estabelecido, M. começou a usar a at como referência. Imitava seu jeito de vestir com bota de cano longo e queria pintar as unhas da mesma cor de esmalte.
Todos as sessões M. queria tomar lanche: comiam algum bolo ou torrada com patê. M. derrubava tudo e falava de boca cheia. Além disso, quando ia ao banheiro, não fechava a porta e parecia não se importar com a situação. A at ajudava M. a “reinvestir” esse comportamento e dar um novo olhar de mundo objetivo a paciente, indicando o que ela deveria fazer, como por exemplo, pegar o guardanapo ou fechar a porta do banheiro enquanto estivesse lá.
Os atendimentos passaram a acontecer duas vezes por semana e logo M. voltou à escola. Foi matriculada em um colégio que aceita inclusão de alunos de vários diagnósticos, no qual foi alocada em uma sala dita como “alternativa” (a escola explica que é uma sala com poucos alunos e currículo adaptado).
Após um mês de atendimento M. já se mostrava mais animada e ativa. Desde o início das aulas, M. mudou radicalmente seu comportamento, apresentando um comportamento mais adolescente tanto nas atitudes quanto no modo de falar.
O trabalho da at com M. era, além de acompanhá-la, deixar que ela pensasse sobre as situações marcantes de sua vida que pudessem estar incomodando, e que um dia viessem à tona durante as sessões. Habilitar um espaço para pensar era um dos objetivos. Com o decorrer dos atendimentos foram feitas atividades para que ela tivesse esse momento de reflexão, como por exemplo, uma “linha do tempo” feita por ela através de fotos, para que resgatasse sua infância e o fato da adoção, que para ela parecia haver grande dificuldade em falar no assunto.
M. chegou a falar da adoção da irmã, porém nada falou sobre sua própria adoção. Entretanto, nos três atendimentos seguintes, M. parecia “ensaiar” uma fala sobre sua própria adoção. Até que um dia vendo um seriado na TV, no qual o assunto era sobre teste de DNA, M. faz o comentário de que é adotada e que não precisaria fazer um teste desses, pois já sabia que seus pais eram na verdade adotivos.
Nesta fase do atendimento, já aconteciam saídas de M. com a at. Os lugares escolhidos eram sempre perto de sua casa, de modo que pudessem ir a pé. Tomavam lanche na padaria, andavam pelo mini-shopping que ficava na rua de cima de sua casa e até iam ao cabeleireiro. Além de ser um dos objetivos do AT, esses encontros ajudaram M. a desenvolver sua capacidade criativa incentivando a paciente a realizar tarefas que dão prazer e que possam reinseri-la na sociedade. Entretanto, às vezes a at precisava orientar M. no seu espaço. Parece não ter noção de quanto tempo duram as atividades, como por exemplo, quando estava no cabeleireiro fazendo um procedimento que demoraria no mínimo duas horas, M. achava que daria tempo de sair de lá e ir tomar um lanche, tudo dentro de uma hora de sessão. Além disso, parecia ter dificuldade em esperar, perdendo a paciência quando sabia que algo ia demorar.
A relação da at com a família de M. é boa na medida em que sempre que precisa, consegue manter contato com a mãe, que é a pessoa que leva M. nos atendimentos médicos, e quando há algum imprevisto, a at é informada diretamente pela mãe. O pai, apesar de ter pouco contato com a at, mostra-se presente na relação com a filha e seu tratamento.
É muito importante que haja intervenção na trama familiar para que o trabalho do at seja eficaz. Além de manter a família sempre a par de todo o processo, o profissional precisa identificar como funciona a dinâmica familiar para que haja uma visão mais ampla do caso.
Os atendimentos com M. ainda são realizados duas vezes por semana, em sua casa.
Caso 2
L. tem cinco anos e é filha única de uma relação estável. Seus pais nunca perceberam um comportamento diferente, porém foram procurar ajuda médica quando a escola em que estuda percebeu movimentos autísticos na menina e isolamento social.
Segundo informações colhidas pelas profissionais envolvidas no caso (uma psicóloga comportamental e uma psicopedagoga), R., a mãe de L., soube do diagnóstico da filha através de uma avaliação psiquiátrica e se surpreendeu que, as semelhanças de comportamento de pai e filha se dão devido ao mesmo diagnóstico.
Foi relatado às profissionais que o pai de L., quando criança, tinha movimentos repetitivos com as mãos e alguns comportamentos estereotipados, porém nunca identificados pela família como algo atípico. Como a menina também apresentava esses comportamentos, a família não se preocupou, já que esse padrão ocorrera anteriormente sem alarde.
Entretanto, sabe-se que há níveis de comprometimento de um transtorno, e que o pai de L. deve ter sido bem estimulado a ponto de conseguir conviver socialmente, ter um emprego e construir uma família sem que ninguém percebesse nada diferente (no caso de Síndrome de Asperger). Tanto que, quando L. foi diagnosticada, mais ou menos aos cinco anos de idade, houve um grande susto, pois descobriam que o pai também se enquadra no espectro autista.
Após a confirmação do diagnóstico, houve a necessidade de contratar profissionais como uma psicóloga comportamental, uma psicopedagoga, uma fonoaudióloga, além do acompanhamento psiquiátrico, para que o potencial de L. fosse desenvolvido o mais rápido possível. A ajuda da escola também foi bastante importante nesse momento (escola normal que se propôs a ajudar e adaptar L. dentro de suas limitações).
O trabalho de AT neste caso foi requerido na escola para que essas intervenções surtissem maior efeito, já que L. estuda período integral e está em processo de alfabetização. L. teve uma at por mais ou menos seis meses indo três vezes por semana na escola, porém trabalho não deu certo devido à falta de multidisciplinaridade da profissional. Outra at foi indicada ao caso, já com o intuito de seguir orientações dos profissionais envolvidos primeiramente no caso. O trabalho é realizado todos os dias da semana, durante mais ou menos cinco horas por dia.
A primeira etapa do trabalho, além da formação do vínculo, é a fase de contenção onde a paciente deve ser amparada em suas angústias. No caso de L., talvez por ser criança, não havia verbalização no sentido dele falar o que estava sentindo no momento, apenas comportamentos estereotipados e agressividade verbal. Essa era a maneira que a paciente encontrou para liberar sua tensão.
A at presenciava birras como choros, gritos isolamento, quando ia acontecer alguma atividade pedagógica, além das palmas repetitivas que dava quando se mostrava nervosa ou ansiosa (palmas estas que deixavam suas mãos calejadas). Nesta etapa, a at tinha a função de perceber essas manifestações como um pedido de ajuda.
Após mais ou menos um mês de acompanhamento diário na escola L. e a at já tinham um bom vínculo a ponto dela usá-la como referência. A at sempre fez brincadeira de cócegas com ela, fingindo ser o Lobo Mau dos contos de fadas, até que um dia, inesperadamente, corre atrás dela pelo pátio dizendo ser ela o Lobo Mau e que vai enchê-la de coceguinhas.
Não chamaria essa atitude de criativa, pois se trata de uma imitação do paciente frente às inúmeras brincadeiras da at. Porém, em outro momento, L. no pátio brincando sozinha, como de costume, se abaixa e pega duas folhas grandes de árvore no chão e as coloca na cabeça, fingindo ser um coelho. Nesta situação houve um ato criativo da parte da paciente, a qual ela mesma se propôs a fazer a brincadeira e incluir a at naquele ato imaginativo.
Durante os momentos em sala de aula, L. mostrava-se bastante isolada de todos e parecia não estar realmente ali, presente numa sala com mais quinze alunos entre cinco e seis anos de idade. Um papel fundamental do at nessa situação é ajudá-lo no seu “reinvestimento”, ou seja, servir de ego para que ele consiga realizar certas funções. Se, por exemplo, estavam reunidos em roda, todos em volta da professora, ouvindo instruções sobre as atividades, a at estava ali, atrás dela, traduzindo tudo em seu ouvido de forma simples e clara o que deveria ser feito.
L. tem uma rotina intensa tanto dentro da escola como fora. Faz acompanhamento psicológico e psicopedagógico toda semana, comprometendo suas manhãs, além de estar duas vezes na semana em período integral na escola. Para que L. não se desorganize – já que uma mudança em sua rotina pode causar grandes acontecimentos – a at a orienta com relação ao seu espaço social antecipando suas atividades. Às vezes, dependendo do seu humor no dia, essa atitude é um desastre, porém na maioria das vezes funciona como um estímulo, pois sempre lhe é explicado com detalhes o que está por vir.
Além disso, a at contribui para um olhar ampliado do mundo objetivo da paciente, pois esta tem uma visão ampla de sua rotina com sua família, na escola, em terapia, e isso pode ajudar aos poucos a modificar alguns comportamentos estereotipados que estão presentes em alguns desses momentos, utilizando uma técnica comportamental na qual a paciente generalize o que faz com a at, em ambientes nos quais não está com a at.
Difícil fazer uma criança de cinco anos com diagnóstico de Síndrome de Asperger ter e fazer o uso de um espaço para pensar. Porém, esse momento para L. pode ser vivido quando fica mergulhado em seu passatempo favorito: os gibis. A intensa rotina de aula atrelado à at que está sempre presente intervindo de alguma maneira, faz com que L. fique estressada e precise relaxar em alguns momentos. Os gibis são para ela como uma fuga, na qual a menina precisa ter para recompor suas energias.
A relação da at com a família de L. está melhorando aos poucos. Houve apenas um encontro com a mãe desde o início do acompanhamento, há mais ou menos três meses. Porém, sempre que necessário, a mãe está disponível para conversar. R. tem contato semanal com a pedagoga e a psicóloga do caso, portanto aproveita a ocasião para colher informações sobre o trabalho do at, o que não deixa de ser um acompanhamento de perto da situação. Porém, para melhorar o diálogo, foi sugerido pelas profissionais um caderno de comunicação entre a mãe e a at. Assim, informações do dia-a-dia na escola podem ser relatadas e comentadas com mais proximidade.
- VI. CONCLUSÃO
O trabalho do AT é muito importante para pacientes psiquiátricos na medida em que ele tem o objetivo de (re) inseri-lo na sociedade. Geralmente, eles se encontram em situações nas quais, sozinhos, não conseguiriram se estruturar.
A principal função do at é a possibilidade de “emprestar seu ego” ao paciente. Pode-se perceber que tanto M. como L. precisam de um ego auxiliar para que possam atuar de forma mais natural em seu ambiente, e isso o AT pode proporcionar durante anos de acompanhamento, até que se sintam preparadas para seguir sozinhas.
O trabalho do AT é intenso mesmo que seja feito por poucas horas semanais. O at empresta seu ego àquela pessoa que busca estrutura e isso pode ser, na maioria das vezes, desgastante para o profissional.
O acompanhamento de L. na escola exige atenção integral a ela, pois são aproximadamente cinco horas diárias ao seu lado. O trabalho é muito rico, já que há uma imensa gama de contingências ao seu redor, como por exemplo, seus colegas de sala, professores e o resto da escola (como orientadores e alunos em geral). As funções que o at exerce sobre L. são essenciais para seu desenvolvimento, principalmente pelo fato dela estar em plena fase maturacional. São utilizadas abordagens comportamentais a fim de que ela tenha resultados mais rápidos e que possa erradicar por completo suas estereotipias.
Já o trabalho com M. é realizado por duas horas semanais em sua casa, porém isso não pode ser motivo de depreciação. As primeiras sessões com M. foram tão intensas a ponto de haver o que Melanie Klein chamou de identificação projetiva, ou seja, o paciente projeta no at sentimentos e o at fica identificado com tais emoções. Com isso, o profissional acaba sentindo esse sentimento como se fosse próprio. O comportamento desorganizado de M. acabou sendo sentido pela própria at ao final das sessões e isso foi fundamental para que houvesse um primeiro objetivo do trabalho. Nenhuma abordagem específica é utilizada, porém pode-se considerar que interpretações psicanalíticas são feitas através de sua história de vida e situações pontuais.
O paciente que é acompanhado por um at precisa de um lugar no mundo e é através deste profissional que ele vai conseguir se organizar a ponto de criar uma independência estrutural. O essencial é mostrar que não importa o setting, ou seja, o lugar onde o acompanhamento terapêutico é realizado, não importa a história de vida do paciente, seu diagnóstico, ou mesmo a abordagem usada nas intervenções, mas sim a função do acompanhante terapêutico, que será sempre a mesma, independente do caso.
- VII. REFERÊNCIAS
- BARRETTO, K. D. Ética e Técnica no Acompanhamento Terapêutico: andanças com Dom Quixote e Sancho Pança. São Paulo: Unimarco Editora, 1998.
- LONDERO, I., PACHECO, J. T. B. Por que encaminhar ao Acompanhante Terapêutico? Uma discussão considerando a perspectiva de psicólogos e psiquiatras. Psicologia em Estudo, Maringá, v.11, n.2, p. 259-267, mai./ago. 2006.
- MANUAL DIAGNÓSTICO E ESTATÍSTICO DE TRANSTORNOS MENTAIS (DSM-IV). Editora Artes Médicas. 4ª edição. Porto Alegre. 1995.
- MAUER, S. K. & RESNIZKY, S. Acompanhantes Terapêuticos – Atualização Teórico-Clínica. Editora Letra Viva, 2003.
- MAUER, S. K. & RESNIZKY, S. Acompanhantes terapêuticos e pacientes psicóticos: manual introdutório de uma estratégia clinica. (W. P. Rosa, Trad.). Campinas: Papirus, 1987.
- SAFRA, G. Placement: o modelo clínico para o acompanhamento terapêutico. Psychê, ano X, n. 18, p. 13-20, São Paulo, set/2006.
- SANTOS, L. G., MOTTA, J. M., DUTRA, M. C. B. Acompanhamento Terapêutico e clínica das psicoses. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, ano VIII, n. 3, set/2005.
- WINNICOTT, D. (1948). Alojamentos para crianças em tempos de guerra e de paz. In: Winnicott, D. Privação e delinqüência. São Paulo: Martins Fontes, 1995.
Artigo publicado no “Site AT” em 02/02/2011.
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