A Prática do Acompanhamento Terapêutico em Serviços de Acolhimento Institucional

Resumo: o presente artigo tem por objetivo apresentar o olhar frente à prática do Acompanhamento Terapêutico em meio ao Serviço de Acolhimento Institucional, especificamente uma Casa Lar de localizada em uma cidade do Vale do Taquari/RS. Além da carga teórica, transcorro ainda sobre minhas sensações quanto à prática de trabalho como at.

Palavras-chave: Acompanhamento Terapêutico (AT), Casa Lar, Serviço de Acolhimento Institucional.

A Prática do Acompanhamento Terapêutico em Serviços de Acolhimento Institucional

Introdução: A Prática do Acompanhamento Terapêutico

A prática de Acompanhamento Terapêutico se diz de uma ferramenta, um dispositivo de grande potencialidade, o qual possibilita aos pacientes serem acompanhados nos locais ou situações específicas onde sentem dificuldade para lidar.

Com o intuito de promover saúde, o AT acontece como um possibilitador de novas formas de olhar e vivenciar, facilitando o alcance de resultados estimados ao caso.

Esta prática, acontecendo em casas lares, permite diversas formas de ações, muito além dos muros da instituição, das barreiras das vidas dessas crianças/adolescentes, ou ainda, das limitações criadas por situações familiares. Desta forma, que o artigo desenvolve-se, possibilitando a visualização de espaços e formas de trabalhos distintos dos já conhecidos em nosso cotidiano.

I. Afinal, o que é o Acompanhante Terapêutico?

A noção de “Acompanhante Terapêutico”- AT – surgiu na Argentina na segunda metade do século XX como uma possível forma de tratamento aos pacientes que não respondiam as abordagens propostas.

O AT integrava uma equipe multidisciplinar e participava ativamente da vida familiar, dos grupos de amigos e com colegas de escola (MAUER & RESNEZKY, 1987).

O Acompanhamento Terapêutico é uma das diversas abordagens da área da saúde, que tem como base a escuta, análise da demanda e adequação do tratamento do paciente de acordo com suas necessidades.

Tem como principal objetivo promover a autonomia, facilitar na organização psíquica do sujeito, bem como sua reinserção social.

O AT pode acontecer em diversas situações, independente da patologia ou dificuldade do sujeito, desde que percebida a necessidade de um acompanhante em tarefas de seu cotidiano, pode-se indicar o trabalho.

O Acompanhamento Terapêutico é um trabalho, que pode ser oferecido por qualquer pessoal, principalmente trabalhadores/estudantes da área da saúde.

É uma forma de intervir distinta da tradicional onde temos um setting fixo, no AT, temos no setting uma forma ambulante de acontecer, que acontece a partir da demanda de cada paciente.

Palombini (2009), nos fala de uma característica muito peculiar do AT: que este, acontece no “entre”.

Segundo a autora, esta intervenção é solicitada na grande parte das vezes, quando há dificuldade de circulação em vias públicas ou socialização.

Para que estas formas de intervenções aconteçam, é de suma importância analisar a demanda do paciente, e assim, explorar os espaços com cuidado, manejando as formas de intervir.

Assim, essa cidade que o “at” percorre não se concebe tão somente como “palco” da clínica, ou como seu elemento acessório, que vem dar concretude e permanência a conteúdos psíquicos de frágil consistência.

Na experiência do AT, na medida em que se desbravam ruas, cantos, quartos, a cidade adquire um outro vulto, revelando-se a potência contida na incorporação, pela clínica, de cada um dos gestos e objetos que compõem o cotidiano urbano.

A cidade, os seus espaços e tempos, restos e monumentos, em sua rica variabilidade, passam a ser concebidos como “matéria constitutiva” e primeira dessa clínica (PALOMBINI, 2009, p.300).

A prática de AT pode ser pensada a partir de uma equipe multidisciplinar, ou prática independente, onde deve haver planejamento, em busca de maior qualidade de vida do sujeito (CODA, 2010).

O cuidado quanto às trocas entre equipe multidisciplinar, devem acontecer cotidianamente.

O AT é uma ferramenta de intervenção que somado ao trabalho em equipe torna-se muito potente, em função das trocas entre os profissionais da rede de atendimentos.

Segundo Mauer e Resnezky, (1987), dentre as diversas características de um acompanhante terapêutico, ele deve possuir:

  1. Criatividade;
  2. Capacidade de suportar o imprevisível; Manejo;
  3. Alto grau de comprometimento;
  4. Interesse por trabalhar em equipe;
  5. Maturidade;
  6. Autonomia;
  7. Capacidade de empatia e vínculo;
  8. Flexibilidade em estabelecer limites fortes.

É importante que o at mantenha supervisão profissional, para facilitar o entendimento dos casos que está acompanhando, bem como entendo como necessário a psicoterapia, com o intuito de manter contato com si próprio, facilitando assim, suas intervenções, que por muitas vezes podem ser muito intensas e de difícil manejo.

De acordo com Mauer e Resnezky, (1987), algumas das principais funções do acompanhante terapêutico são:

  1. conter o paciente;
  2. oferecer-se como modelo de identificação;
  3. trabalhar em um nível dramático vivencial e não interpretativo;
  4. emprestar o ego;
  5. perceber, reforçar e desenvolver a capacidade criativa do paciente;
  6. informar sobre o mundo objetivo do paciente;
  7. representar o terapeuta;
  8. atuar como agente ressocializador;
  9. servir como catalisador das relações familiares.

É importante destacarmos que, apesar do trabalho acontecer em diversos espaços, não significa que não haja sigilo ou comprometimento ao tratamento,de ambas as partes.

É comum que se estabeleça um contrato (escrito ou verbal), onde são feitas as combinações básicas como, objetivos, horários, frequência e despesas.

Muito comum vermos que os pacientes causam confusão entre o AT e um amigo. Se faz de grande importância o esclarecimento (diariamente, se necessário), quanto à relação estabelecida entre ambos.

Não cabe ao at tomar decisões pelo paciente, mas sim, auxiliá-lo na compreensão dos fatos e tornar-se uma ponte entre a o problema/dificuldade e sua solução.

II. Serviço de Acolhimento Institucional – Casas Lares

Segundo o Ministério de Desenvolvimento Social, o Serviço de Acolhimento Institucional é: “o acolhimento em diferentes tipos de equipamentos, destinado a famílias e/ou indivíduos com vínculos familiares rompidos ou fragilizados, a fim de garantir proteção integral.

A organização do serviço deverá garantir privacidade, o respeito aos costumes, às tradições e à diversidade de: ciclos de vida, arranjos, raça/etnia, gênero e orientação sexual” (BRASIL, 2005).

O atendimento oferecido deve ser em pequenos grupos, com o intuito de favorecer o convívio familiar e social do sujeito em situação de risco.

Há diferentes serviços com este propósito, dentro deles, as casas lares, antigamente denominadas como abrigos.

Estas instituições oferecem uma unidade semelhante a uma residência, onde atende aproximadamente vinte crianças/adolescentes.

Neste espaço, possuem trabalhadores vinte e quatro horas por dia – mães/pais sociais – com o intuito de cuidar e oferecer diferentes formas de vida para aqueles sujeitos.

Há ainda, profissionais como psicólogo, assistente social e auxiliar administrativo. Por decreto do Poder Judiciário, os menores vão para as casas lares, com o objetivo de proteção e formação/resgate do vínculo familiar.

Por isso, quando possível, é mantido o contato dos menores com seus familiares, desde que, não prejudiquem sua reputação ou violentem seus direitos.

Segundo ordens judiciais, devem-se esgotar toda e qualquer possibilidade dessa criança/adolescente estar com algum familiar ou pessoas a qual manteve vínculo potente em suas vidas.

Esgotando essas possibilidades e não obtendo sucesso, os menores são encaminhados para a adoção.

Ao trabalhar no meio, percebo o quão longa e árdua é essa trajetória, para a instituição como um todo e principalmente para a criança/adolescente.

São inúmeras tentativas de contatos com familiares, diversas abordagens dentro das instituições, na tentativa de melhorar a qualidade de vida daqueles sujeitos que ali estão.

Dentre essas abordagens o Acompanhamento Terapêutico torna-se um forte aliado para a ressocialização, possibilidade de autonomia, e em muitos casos, reinserção em suas próprias vidas.

III. Relato de experiência: o olhar ao espaço

Iniciei minha prática enquanto acompanhante terapêutica, ainda quando acadêmica do curso de psicologia.

Tinha pouco conhecimento quanto a pratica de AT, porém, ao estudar essa diferente forma de clinicar, mergulhei!

Quando formada, me interessei por esta forma de trabalho por três motivos específicos:

  1. Possibilidades que o trabalho oferece.

  2. Desejo de uma prática outra.

  3. Análise e demanda do mercado de trabalho.

Hoje, atuando em uma Casa Lar, tenho um maior entendimento sobre as formas de vida que lá se encontram, o sofrimento estampado nos rostos daqueles sujeitos, e ao mesmo tempo as diferentes formas que encontram para lidar com as situações.

A equipe abraça as causas e luta pelos direitos dos sujeitos que lá residem, de forma a possibilitar novas oportunidades de vida a eles.

O espaço possui 3 casas, onde cada uma moram aproximadamente cinco crianças ou adolescentes, divididas por faixa etária.

A Casa Lar oferece ainda, piscina, amplo espaço de convivência e lazer, roupas, alimentos, produtos de higiene e limpeza, materiais escolares e demais utensílios necessários para o cotidiano.

Cada menor que lá reside, é responsável pela limpeza e organização de se próprio quarto, bem como auxiliar nas atividades gerais da casa.

Todos eles frequentam a escola, e alguns participam de atividades em instituições que oferecem oficinas em turno inverso à escola.

Percebemos durante o dia a dia, que muitos menores, apresentam dificuldades de socialização, principalmente com episódios de violência nos meios em que circulam.

Apresentam dificuldades em aceitar limites, e principalmente com adaptação em suas novas formas de vida.

Grande parte delas sofreu violência doméstica, incluindo abuso sexual desde os primeiros anos de vida, o que sabemos que afeta em grande parte a constituição da criança enquanto sujeito.

A partir desse funcionamento e da grande demanda de trabalho no espaço, percebo a potente possibilidade de vincular o trabalho de Acompanhante Terapêutico em Casas Lares.

IV. AT em casas lares: uma parceria possível

A prática do AT proporciona um novo olhar frente àquele sujeito. O trabalho possibilita, apresentarmos diferentes formas de vida e principalmente de cuidado, o que é visível ser desconhecido pela maioria das crianças.

Em função das atitudes violentas, muitos serviços, por não possuírem suporte e preparo adequado, acabam “desistindo” de atender aquele sujeito, encaminhando-o para outro local, o que torna comum para aquela criança/adolescente.

Mais uma vez, o AT acontece com grande potência, onde o vínculo se estabelecerá a partir dos espaços em que o paciente sente-se tranquilo, e aos poucos, poderá se inserir em espaços de difícil convivência.

Percebo dificuldade de vínculo, principalmente quando essas crianças/adolescentes, não foram cuidadas por suas famílias, dessa forma, demonstram sempre desconfiança, sentindo-se ameaçadas por qualquer pessoa que tente uma aproximação.

Importante salientar que cada paciente tem seu tempo de tratamento, mas, que também devemos analisar o momento de alta do AT, possibilitando a independização do sujeito.

As casas lares são espaços de grande potência, que oferecem às crianças em situações de riscos, a esperança de uma nova vida, com amor e cuidado.

O AT, em conjunto à instituição, auxilia na autonomia de cada sujeito, demonstrando uma forma de cuidado outra, onde será acompanhado em momentos de dificuldades, que em suas “antigas vidas” – como as crianças chamam – não possuíam.

A partir de pequenos movimentos que a clínica do AT se dá, atrelando criatividade à prática clínica, permeada por grandes ações e muitos imprevistos.

É através dos muros que o AT acontece, é em meio ao cotidiano, nas entrelinhas.

Referências Bibliográficas Acompanhamento Terapêutico

    1. PALOMBINI, A. (2004). Acompanhamento terapêutico na rede pública: a clínica em movimento. Porto Alegre: UFRGS.
    2. PALOMBINI, A. (2009). Utópicas cidades de nossas andanças: flânerie e amizade no acompanhamento terapêutico. Revista de Psicologia, v. 21.
    3. CODA, V. Acompanhamento Terapêutico e a Terceira Idade: Da constituição de uma clínica à promoção de saúde. Rio Grande do Sul, 2010. Acessado em < https://siteat.net/acompanhamento-terapeutico-e-terceira-idade-da-constituicao-de-uma-clinica-promocao-de-saude/> 03 de julho de 2014.
    4. MAUER, Susana K., RESNEZKY, Silvia. Acompanhantes terapêuticos e Pacientes Psicóticos. Campinas, São Paulo: Papirus, 1987.
    5. BRASIL, Ministério do Desenvolvimento Social. Serviço de Acolhimento Institucional. Brasília, 2005. Acessado em <http://www.mds.gov.br/falemds/perguntas-frequentes/assistencia-social/pse-protecao-social-especial/servicos-de-alta-complexidade/servico-de-acolhimento-institucional> 2 de julho de 2014.

Autora

Clarissa Pasqualotto – psicóloga (CRP 07/22640), graduada pelo Centro Universitário Univates de Lajeado/RS, formada no “Curso de Capacitação em Acompanhamento Terapêutico” (CTDW). Atualmente atua como psicóloga na APAE de Guaporé/RS, como Acompanhante Terapêutica na Saidan- Casa Lar em Lajeado/RS, bem como em consultório particular.

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