O Acompanhamento Terapêutico e os Avanços em Atendimento de Saúde Mental

O Acompanhamento Terapêutico e os Avanços em Atendimento de Saúde Mental

Resumo: o presente trabalho visa abordar a importância do Acompanhamento Terapêutico (AT) no tratamento de pacientes com transtornos mentais graves, sendo essa modalidade um complemento indispensável para o atendimento em saúde mental. Além disso, proporcionar uma reflexão quanto aos marcos históricos e transformações da reforma psiquiátrica brasileira.

Palavras chave: acompanhamento terapêutico, reforma psiquiátrica, saúde mental.

O Acompanhamento Terapêutico e os Avanços em Atendimento de Saúde Mental

Introdução

O presente artigo diz respeito ao interesse em ampliar os saberes sobre a relação da reforma psiquiátrica e as práticas do Acompanhamento Terapêutico (AT). É uma revisão bibliográfica que objetiva vincular os aspectos relevantes da história da saúde mental e do desenvolvimento da clínica ampliada, também chamada de AT.

A concepção da loucura

A criação dos primeiros hospitais psiquiátricos no Brasil surgiu com o objetivo de resolver os problemas localizados nos estabelecimentos de assistência à saúde. A ideia de se criar um espaço de recolhimento mais adequado aos indivíduos com transtorno mental parte de uma cadeia de transferência de responsabilidades que se iniciou com a necessidade de se retirá-los do espaço urbano.

Na verdade, tinha-se como princípio básico um duplo afastamento do louco do meio urbano e social, quer fosse pelo distanciamento ou pela reclusão (JORGE, 1997). Era evidente que a exclusão estava presente nas formas de lidar com a loucura, tendo em vista que os hospícios eram construídos para ficarem afastados dos grandes centros.

Em geral, os loucos eram pessoas consideradas impróprias e custosas para a sociedade. Eram todos aqueles que apresentavam algum tipo de comportamento desviante dos padrões impostos. A loucura era vista como ausência de razão. Portanto, pessoas alcoólatras, dependentes químicos, mães solteiras, viúvas e homossexuais também eram considerados indivíduos com distúrbios mentais.

Segundo Melo (2008), a sociedade tende a excluir as diferenças ao invés de conviver com estas, buscam padronizar e/ou enquadrá-las em um parâmetro pré-estabelecido pela sociedade, nomeando está ação como “inclusiva”. Porém, estas ações não visam à inclusão das diferenças, mas sim representam um mecanismo de controle social que manipula todo um sistema com o intuito de generalizar comportamentos e interesses individuais.

Dessa forma, os manicômios se tornaram depósitos humanos.  O tratamento era a internação involuntária, onde as pessoas eram tratadas sem dignidade e submetidas a práticas bárbaras como eletrochoque e lobotomia. Era um hospital em que os considerados insanos entravam para nunca mais sair.

Os progressos no tratamento de saúde mental

Na Idade Média, os loucos eram presos nos antigos leprosários, que foram esvaziados com o fim da lepra. Esses locais eram chamados de colônias, onde os pacientes ficavam acorrentados dias seguidos, eram mal alimentados, dormiam no chão e na sujeira. Eram vistos como animais pela sociedade e família, entendia-se que a exclusão era a melhor forma de lidar com o problema. Entretanto, esta conduta só os tornava mais dependentes e “lunáticos”.

A severa desigualdade na distribuição da renda, a acelerada expansão demográfica, a progressiva urbanização das populações, o afrouxamento dos vínculos familiares, a precariedade das habitações, a carência alimentar, as dificuldades de transporte e o desemprego são fatores de tensão e condicionadores da demanda crescente por assistência psiquiátrica.

A pobreza em si e por si mesma coloca essa população mais vulnerável aos distúrbios psíquicos e empresta a estes um caráter de maior gravidade (MPAS/MS, 1982, p. 02 apud JORGE,1997).

Nessa assertiva, os Hospitais Psiquiátricos tinham como objetivo inicial retirar as pessoas com problemas psíquicos que estavam encarceradas nos presídios. O projeto de construção do hospício fez parte do processo de saneamento social da cidade, deslocando para o subúrbio todos os que tivessem desvio de conduta.

A loucura foi considerada uma ameaça para a cidade, devendo ser silenciada e isolada através do encarceramento físico, longe do espaço público. Segundo Horowitz (2006), o conjunto histórico desses hospitais nos remete à ideia de uma cidade da exclusão ou da loucura.

Atualmente, as instituições têm modificado suas as formas de lidar com os pacientes psiquiátricos, optando por uma liberdade monitorada, ou seja, os pacientes são encaminhados para a instituição, onde são assessorados por uma equipe especializada, são alimentados, tomam remédios de forma correta, trabalham, sentindo-se produtivos e principalmente podendo exercer a cidadania.

Para uma porção bastante considerável de alienados carecendo de assistência e que podem ser submetidos a esse tratamento, a assistência familiar representa a forma mais natural, mais livre, a melhor e a menos dispendiosa de cuidar tais enfermos e constitui, além disso, para um grande número deles um fator terapêutico importante (MOREIRA, 1906, p. 28 – 29 apud JORGE, 1997).

Assim, a Reforma do Modelo de Assistência à Saúde Mental visa garantir a cidadania de um indivíduo com transtorno mental. Seu objetivo e lema principal é “por uma sociedade sem manicômios”. Propõe a reinserção social e assistência integral ao paciente, eliminando gradualmente a internação como forma de exclusão social. Para isso, criou-se uma rede de serviços de atenção psicossocial, integrando a pessoa novamente a sua comunidade, oferecendo um espaço terapêutico onde o paciente possa ser aceito, visando desenvolver autonomia, redução do isolamento social e intervenção nas questões familiares.

O AT como complemento do tratamento

Nesse contexto de mudança dos paradigmas de serviço em saúde mental, surge o Acompanhamento Terapêutico.

Segundo Brandalise (2009), existia uma necessidade de uma clinica ampliada e pensar no sujeito em todas suas dimensões, como um ser que necessita apoio devido a uma incapacidade e/ou desvantagem, provindas ou não de quadros psicopatológicos graves. Essa modalidade visa complementar o tratamento tradicional e apresenta-se como uma estratégia clínica para a reabilitação psicossocial e de desinstitucionalização.

Dessa forma, o AT constitui literalmente o cuidar fora dos espaços institucionais, ou seja, é uma clínica que atua junto à experiência cotidiana do paciente, sendo utilizado para o cuidado de pessoas cuja possibilidade social encontra-se comprometida, assim como sua capacidade produtiva no âmbito social, familiar e profissional.

De acordo com Londero (2006) “espera-se de um AT que ele realize atividades com o paciente que lhe proporcione uma melhora do quadro do paciente, seja no ambiente social seja em sua casa”.

É somente através da observação na prática da rotina do paciente que é possível identificar as dificuldades a serem superadas. Por essa necessidade, o profissional de AT desprende-se da clínica tradicional e atua através de um setting ampliado, onde as alternativas terapêuticas são inúmeras, como por exemplo, acompanhar um paciente desorganizado devido a esquizofrenia e auxiliar no desenvolvimento da autonomia do mesmo. Palombini (2004) apud Azevedo (2008) menciona que o setting terapêutico é a “rua”, configurando assim, uma “clínica em movimento”. A autora cita ainda:

“o passeio pela cidade, pelos dialógos, paisagens, favorecem a passagem de sentidos, re-arranjo de fragmentos e formação de figuras, mesmo que para isso outras tenham de ser descontruídas” . (AZEVEDO, 2008).

Talvez, o aspecto mais relevante do Acompanhamento Terapêutico seja fortalecer o compromisso nas atividades e a autonomia do sujeito.

De fato, as intervenções devem ser dirigidas para os problemas específicos apresentados, buscando a diminuição da necessidade de um terceiro para os afazeres habituais, assim, diminuindo a dependência.

Em concordância com Junior (2012), o profissional deve “buscar atividades para enriquecer a vida social/funcional e o exercício da autonomia pela compreensão das limitações do paciente”.

Conclusão

A Reforma Psiquiátrica, talvez pelo fato de ser um movimento recente em ainda processo de construção, talvez por carregar sobre si uma herança repleta de desvios, por estar inserido num contexto mais amplo, com uma configuração política e social pautada na exclusão e regida pela lógica do interesse das minorias mais favorecidas, é que se faz necessária um olhar permanentemente atento e cuidadoso em vistas a construção de outro modo de lidar com o adoecimento psíquico, tendo em vista a não repetição dos equívocos e mazelas testemunhados historicamente.

É no campo da desinstitucionalização que o Acompanhamento Terapêutico faz-se mais necessário, ao fomentar o crescimento da autonomia e capacitação do doente mental a lidar consigo mesmo. Trazendo alternativas ao tratamento que a clínica tradicional não consegue abarcar, pelo distanciado do contexto real em que o sujeito está inserido.

Compreende-se que o AT é um conjunto de intervenções na prática, onde a união de esforços do profissional e paciente possibilita a modificação de comportamentos disfuncionais e desenvolvimentos de potenciais latentes.

REFERÊNCIAS:

  1. AZEVEDO, T. O acompanhemntoterapeutico no cuidadoemsaúde mental.Estudos e pesquisasempsicologia, UERJ, ano.8, n. 3. 2008. Disponívelem: <http://www.revispsi.uerj.br/v8n3/artigos/pdf/v8n3a08.pdf>. Acesso em: 13/12/13.
  2. BRANDALISE, F. “VelhasEstradas: Caminho Novo” – AcompanhamentoTerapêutico No Contexto Da ReformaPsiquiátrica. CadernoBrasileiro de Saúde Mental.V.1, n.1, jan/abr.2009.Disponívelem: <http://www.incubadora.ufsc.br/index.php/cbsm/article/download/1002/1116>. Acesso em: 13/12/13.
  3. JORGE, Marco Aurelio Soares. Engenho dentro de casa: sobre a construção de um serviço de atenção diária em saúde mental. [Mestrado] Fundação Oswaldo Cruz, Escola Nacional de Saúde Pública; 1997. 117 p.  Disponível em: <http://portalteses.icict.fiocruz.br/transf.php?script=thes_chap&id=00006303&lng=pt>. Acesso em: 10/12/13
  4. JUNIOR, I. Teorias e práticas no campo do acompanhamentoterapêutico.Psico-Universidade São Francisco. São Paulo, v.17, n.2. may/ago. 2012. Disponivelem: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-82712012000200018&script=sci_arttext>. Acesso em: 13/12/13.
  5. HOROWITZ, Renata Galbinski. Análise do Conjunto Histórico do Hospital São Pedro (HPSP). Revista de Psiquiatria do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, v.28, n.2, mai/ago.2006. Disponivel em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-81082006000200001&lang=pt>. Acesso em: 10/12/13
  6. LONDERO, I. Porqueencaminharaoacompanhanteterapêutico?Uma discussãoconsiderando a perspectiva de psicólogos e psiquiatras.PsicologiaemEstudo, Maringá, v. 11, n. 2, p. 259-267, mai./ago. 2006. Disponivelem: <http://www.scielo.br/pdf/pe/v11n2/v11n2a03.pdf>. Acesso em: 13/12/13
  7. MELO, Giane Alves et al. Saúde mental – Luta Antimanicomial, Reforma Psiquiátrica e CERSAMs: Campo de Atuação das Políticas Públicas.  Disponível em: <http://www.webartigos.com/artigos/saude-mental-luta-antimanicomial-reforma-psiquiatrica-e-cersams/11430/#ixzz2AoyyTJ3j>. Acesso em: 10/12/13.

Autora

Natália Cristina Arnold. Graduanda em Psicologia (PUCRS). Formada no “Curso de Capacitação em Acompanhamento Terapêutico” CTDW.

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